José Maurício Guimarães
31 julho 2016
Wolfgang Amadeus Mozart foi um dos maiores gênios da humanidade ao lado Leonardo da Vinci, Shakespeare, Galileu, Newton e Pascal. Menino prodígio, compositor, pianista, organista, violinista e regente, nasceu em 27 de janeiro de 1756 na cidade de Salzburg, Áustria. Viveu apenas 35 anos e produziu obras musicais perfeitas – quase oitocentas – sendo que conhecemos hoje pouco mais de seiscentas. Essa obra abrange todos os gêneros musicais da sua época.
Seu nome de batismo, JOHANNES CHRYSOSTOMUS WOLFANGUS THEOPHILUS MOZART, é tão grande quanto sua importância. Theophilus, em grego – “o amigo de Deus” – foi latinizado para Amadeus. Ele nunca assinou Chrysostomus (“o que tem a boca de ouro”).
Wolfgang compôs sua primeira sinfonia aos oito anos e as primeiras óperas aos doze. O primeiro quarteto de cordas, aos quatorze. Nós músicos sabemos da complexidade desse tipo de atividade, tanto no aspecto formal quanto no de execução musical, o que faz de Mozart um fenômeno quase inexplicável.
Uma história contada por Andreas Schachtner, trompetista e amigo da família Mozart, testemunha o extraordinário talento da criancinha, com apenas quatro anos:
“Certo dia o pai, Leopold, surpreendeu Mozart a criancinha escrevendo algo.
– O que você está fazendo, Wolferl?
– Estou compondo um concerto, disse o menino.
– Deixa-me ver, disse o pai.
– Ainda não acabei.
– Não faz mal, quero ver assim mesmo.
Leopold pegou o papel e mostrou-me umas notas rabiscadas. O pequeno Wolferl mergulhara a pena até o fundo do tinteiro, fazendo borrões e tentara apagá-los com a palma da mão. Rimos, a principio, do que nos pareceu uma bobagem. Mas, de repente, ficamos imóveis com os olhos fixos no papel. Leopold deixou cair lágrimas de emoção observando a composição.
– Veja, Schachtner, disse ele, tudo está concebido com clareza! Pena que seja inexecutável, de tão difícil que é.
– Mas, replicou a criança, não é um concerto? Sendo um concerto é preciso estudar até conseguir executá-lo bem.
E começou a tocar no cravo, mostrando-nos que tinha a noção exata do que estava criando.”
Mozart tinha uma espantosa facilidade para a matemática. Enquanto aprendia ler, já sabia as tabuadas de cor. Fazia cálculos complexos de memória e aprendia com rapidez os princípios mais adiantados de álgebra e geometria. Ainda menino, já falava francês, inglês, italiano e conhecia as regras da língua latina.
Quando completou seis anos, o pai imaginou a possibilidade de ganhar dinheiro exibindo-o numa árdua tournée pela Europa. Os resultados financeiros dessa aventura foram pequenos se comparados com os danos causados à frágil saúde do menino.
Aos dez anos, Mozart era um dos mais respeitado virtuoses no piano e no violino. Improvisava como um mestre e regia as orquestras e corais das cortes. O Papa Clemente XIV ficou tão admirado com ele que concedeu, pela primeira vez a uma criança, a condecoração da “Ordem dos Cavaleiros da Espora de Ouro” (Speron d’Oro) com que foram agraciados renomados artistas como Rafael Sanzio e Ticiano.
Goethe também ouviu o menino em 1763 e declarou: “além do que ouvi, lá estava um homenzinho de peruca e espada na cintura…” (na idade adulta Mozart adquiriu um aspecto muito curioso: baixo, magro e pálido, ostentando uma cabeleira quase ruiva e um modo de vestir apuradíssimo e vaidoso).
Outro fato revela aquela genialidade precoce: durante dois séculos, uma das atrações musicais de Roma era o famoso “Miserere” do compositor italiano Gregorio Allegri (1584-1652), cantado na Capela Sistina apenas na quarta-feira da Semana Santa. Desde que o “Miserere” fora composto, a Igreja proibira copiar os originais da obra. Em 1770, aos quatorze anos, Mozart esteve em Roma e, depois de ouvir uma só vez essa obra, escreveu-a toda de memória. Depois conferiram seu trabalho com o original constatando-se que não havia uma falha sequer.
Na enumeração que usamos das composições de Wolfgang Amadeus Mozart aparece uma letra “k.” numerada. Trata-se do catálogo organizado em 1862 por Ludwig Ritter von Köechel. Por exemplo: “Sinfonia nº.13, em Fá Maior, k.112? ou “Quinteto de Cordas em Ré Maior, k.593? (essa lista registra uma provável primeira composição datada de 1761, “Menuett und Trio“, composta quando ele tinha apenas cinco anos).
A inspiração desabrochava dele com naturalidade e com ligeireza. Alguns de seus concertos para piano foram produzidos com tanta rapidez que ele teve apenas o tempo de escrever as partes da orquestra, tocando de memória a parte de solista. Compunha em qualquer lugar e sob as circunstâncias mais inusitadas. As Danças Alemãs (k. 509) foram compostas em menos de uma hora, imediatamente antes da apresentação. Em outras ocasiões, pressionado pelos compromissos, ele compunha uma música ao mesmo tempo em que escrevia outra.
Mozart era um mestre no jogo de bilhar. Depois dos instrumentos musicais, o objeto de que ele mais se orgulhava de possuir era uma grande e bem conservada mesa de bilhar. Convidava parceiros para noitadas desse jogo no qual sempre saia vitorioso. Às vezes espalhava os papéis de música sobre a mesa, e enquanto empurrava as bolas do jogo de um lado para outro, ia anotando as notas na partitura. Orgulhava-se em dizer que compusera o segundo movimento do Concerto para Fagote (k. 191) “durante algumas tacadas e uma simples cachimbada”.
Para ele, o ato de compor era diferente da maioria dos compositores. A obra era concebida inteira na imaginação onde ele ouvia mentalmente os ritmos, a melodia, cada detalhe da harmonia e o instrumental antes de passar a música para o papel. Esta é a razão de seus manuscritos não apresentarem rasuras ou correções significativas.
Mozart era um espírito livre, muitas vezes irreverente diante dos princípios morais da época. Debochava dos nobres com trocadilhos e jogos de palavras. Era especialista num tipo de humor picante, malicioso e mordaz, que chegou a registrar em peças musicais cantadas (mais tarde os puritanos trocaram as letras dessas músicas por palavras recatadas). Essa rebeldia lhe valeu muita perseguição e críticas que repercutiram sobre a aceitação de alguns de seus trabalhos. Para provocar seus rivais, redigia cartas que podiam ser entendidas com duplo sentido, lendo algumas palavras e frases de trás para frente.
Certa vez, um jovem iniciante procurou Mozart dizendo:
– Maestro, eu gostaria de compor uma sinfonia. O que o senhor me aconselha?
– Ora, disse Mozart – por que você não tenta começar com algo mais fácil? Componha um minueto…
O jovem não se conformou:
– Mas o senhor já compunha sinfonias desde o começo e com pouca idade!
Ao que Mozart respondeu:
– Mas eu não ficava perguntando aos outros o que fazer!
Wolfgang ingressou na Maçonaria aos vinte e oito anos. O curioso é que aos dezesseis ele já havia composto a canção “O heiliges Band der Freundschaft” (“Oh laços sagrado da amizade”) dedicada a uma cerimônia maçônica na Loja de Tobias Geller. Mantinha também contatos com Teobaldo Marchand, fundador da Loja de Mannheim. Ninguém sabe de onde provinha essa influência, pois seu pai, Leopold, só fora iniciado após o filho apresentá-lo aos maçons de Viena.
Talvez as raízes desse interesse viessem de 1764 quando Mozart, com oito anos de idade, tornara-se amigo de Johann Christian Bach (filho mais novo do grande Johann Sebastian Bach). Johann Christian, que vivia em Londres, era maçom e teria inspirado Mozart, não só na arte da composição como nos ideais iniciáticos (ainda assim um prodígio diante de uma criança de apenas oito anos). Outra influência viera de grupos iluministas liderados por Franz Anton Mesmer, médico vienense e maçom. Mesmer formulou a teoria do magnetismo animal e praticava curas através do “fluido universal” (mesmerismo). Mozart aprendeu com ele a existência de um sentido interior além das sensações e da razão. O médico e o compositor foram amigos íntimos. Desenvolveram juntos um instrumento musical, a “glass harmonica” (harmônica de taças) a partir de um projeto do também maçom Benjamim Franklin. Mas alguns ocultistas da época alegaram que a “glass harmonica” sequestrava a alma dos ouvintes e com isso o instrumento foi proibido, caindo em desuso. Mesmo assim, Mozart compôs para ele o “Adagio para Harmonika, k. 356? e o “Adagio e Rondo para Harmonika, Flauta, Oboé, Viola e Violoncelo k. 617“.
A iniciação de Mozart na Loja “Zur Wohlthätigkeit (Beneficência) aconteceu em 14 de dezembro de 1784. Foi ao Grau de Companheiro em 7 de janeiro de 1785 e tornou-se Mestre uma semana depois.
As três últimas obras de Mozart, todas do ano de 1791, foram o “Concerto para Clarineta” (k.622), a “Pequena Cantata Maçônica (k.623), “A Flauta Mágica” (k.626) e o famoso “Requiem” (k.626).
“A Flauta Mágica” é uma ópera repleta de temas maçônicos. O aspecto geral é de um conto de fadas com elementos de comédia. Tudo se passa num templo egípcio. Osíris e Isis são invocados pelo Mestre do Templo, Sarastro – uma alusão ao princípio solar (sar+astro). Tamino, o herói, representa na iniciação o princípio “animus” (masculino); o amor feminino sublimado é Tamina representando “anima”. Papageno, personagem meio homem, meio pássaro, é o “bom selvagem” rousseauniano: ele não consegue guardar silêncio durante as provas da iniciação mas, mediante a combinação de sons e repetição de vogais, alcança seus modestos desejos – obter boa comida, bebida farta e uma linda mulher que lhe dê muitos filhos.
Mozart e seu Irmão de Loja, Emmanuel Schikaneder, autor do texto, foram discretos quanto aos segredos iniciáticos. Para os espectadores não é possível descobrir alguma coisa sobre Maçonaria apenas assistindo à ópera. Mas os maçons sensíveis à boa música perceberão várias batidas, sinais e palavras escondidas durante as duas horas e meia de espetáculo.
No início do segundo ato, por exemplo, ouve-se um diálogo entre Sarastro e os oficiais do Templo, revelando a aversão que Mozart e Schikaneder tinham pelas monarquias:
Sarastro diz:
– Nossa reunião de hoje reveste-se de grande importância. Tamino, filho de um Rei, está diante dos portais de nosso sagrado Templo e deseja alcançar o nível de conhecimento que conquistamos mediante esforço e empenho. É nosso dever ajudá-lo, pois trata-se de um jovem de bons princípios.
– Ele é virtuoso?, pergunta um oficial.
– Sim, ele é virtuoso, responde Sarastro.
– Ele sabe guardar segredos?, questiona outro.
– Ele sabe.
– Ele é bom?
– Sim, ele é bom.
– Ele é um príncipe?
– Mais do que isso; – afirma Sarastro solenemente – ele é um homem.
(Para assistir à Opera FLAUTA MÁGICA no Youtube, e pesquisar [A Flauta Mágica – Ópera 1971 (legendado pt)]. É uma produção de 1971 com o Coro e Orquestra da Ópera Estadual de Hamburgo, regida por Horst Stein).
“A Flauta Mágica” teve sua primeira apresentação em 30 de setembro de 1791, dois meses e cinco dias antes da morte do compositor.
A morte de Mozart está intimamente ligada à composição do “Requiem”. No final de 1791 ele estava envolvido com o sucesso de “A Flauta Mágica”. Mas sua saúde vinha decaindo rapidamente. Ele se queixava de traição e afirmava que o haviam envenenado. Era frequentemente visto pelos cantos, calado e entristecido.
Nesse meio tempo, recebeu a visita de um estranho, vestido de negro e encapuzado, com um pedido para compor uma missa fúnebre – o “Requiem”.
Fragilizado pela doença que o consumia, encarou o fato como premonição de sua própria morte. O estranho adiantou-lhe parte do pagamento e, mesmo assim, Mozart continuava convicto de que aquele homem era um emissário da morte.
Nas semanas seguintes, ele mal conseguia andar. Delirava de febre a maior parte do tempo com as pernas e braços muito inchados.
O texto da liturgia católica do “Requiem” martelava em sua cabeça:
“Requiem aeternam dona eis, Domine et lux perpetua luceat eis (dá-lhes, Senhor o repouso eterno e que a luz perpétua os ilumine); Tuba mirum spargens sonum per sepulchra regionum (uma trombeta poderosa espalhará seu som pela região dos sepulcros)… Liber scriptus proferetur in quo totum continetur (e um livro será trazido no qual tudo está escrito); Confutatis maledictis flammis acribus addictis (os malditos serão condenados e lançados às chama devoradoras). Lacrymosa dies illa qua resurget ex favilla judicandus homo reus (naquele dia de lágrimas quando os ressurgidos das cinzas serão julgados).”
Em 18 de novembro de 1791, quando só lhe restavam dezessete dias de vida, ainda teve forças para reger a “Pequena Cantata Maçônica” (Eine Kleine Freimaurer Kantate) durante a sagração do novo Templo da Loja “Zur neugekrönten Hoffnung” (“Para o Coroado, a Esperança”).
Apesar de maçom e, como ele mesmo dizia, “ter superado o medo da morte”, as circunstâncias do momento e um provável envenenamento por mercúrio e insuficiência renal, fizeram-no sucumbir (sabe-se que dentre os sintomas da intoxicação por mercúrio estão as alucinações, confusão mental, depressão, pesadelos e lesões renais). O “Requiem” ficou inacabado e foi terminado por seu aluno Franz Xaver Süssmayr segundo anotações deixadas pelo Mestre.
Mozart morreu cercado de poucos amigos, na madrugada do dia 5 de dezembro de 1791. Seu sepultamento foi simples e acompanhado por poucas pessoas. O local de seu sepulcro permanece ignorado até hoje.
Um fato intrigante é que, nove anos após sua morte, a viúva de Mozart, Constanze, entregou ao editor Härtel um plano redigido pelo marido visando a criação de uma sociedade secreta com o nome de “A Gruta”. Esse manuscrito, também de inspiração rousseauniana, encontra-se desaparecido.
O efeito Mozart: Os estudos do “Efeito Mozart” surgiram em 1991 com o trabalho do Dr. Alfred Tomasi que usou a música de Mozart em diversas experiências, concluindo que elas têm um poder de cura. Pesquisas posteriores confirmaram o efeito no tratamento de doenças e transtornos propiciando melhor equilíbrio para os pacientes. Em 1993 a revista “Nature” publicou o trabalho de três pesquisadores do Centro de Neurobiologia do Aprendizagem e da Memória da Universidade de Califórnia. As pessoas que ouviam música de Mozart obtinham maiores pontuações nas prova de inteligência espacial. Um artigo de J.S. Jenkins, MD FRCP, publicado no “Journal of The Royal Society Medicine“, em abril de 2001, sobre “The Mozart Effect“, relata que ouvir música que envolva certos ritmos, melodia e timbre variados, ativa amplas distribuições de áreas no cérebro. O estudo foi comprovado mediante tomografia por emissão de pósitrons (PET) e varredura funcional por ressonância magnética.
O QUE OUVIR
Concertos para piano no.20 k.466 e no.21 k.467(Elvira Madigan);
Concertos para violino no.3 k.216 e no.5 k.219;
Concerto para Clarinete, k 622;
Sinfonias no.35(Haffner) k.385, no.40 k.550 e no.41 k.551(Júpiter);
Divertimentos k.131, k.136, k.137, k.138 e k.287;
Serenatas k.185 e k.203;
Óperas: “A Flauta Mágica” k 620; “Don Giovanni” k 527; “Bodas de Fígaro” k 492.
BIBLIOGRAFIA
CAPBELL, Don – O EWFEIRO MOZART, em português pela Editora Rocco;
AKER, Richard – MOZART, Jorge Zahar Editor;
DE CURZON, Henri – VIDA DE MOZART, Atena Editora;
HILDESHEIMER, Wolfgang – MOZART, Jorge Zahar Editor;
PETERNELL, Pert – Mozart (romanceado), Editorial Aster-Lisboa;
WOODFORD, Peggy – MOZART, Midas Books /Book Sales Limited.
Convido você para conhecer o meu site
http://josemauricioguimaraes.com.br/index.html
Sou contra o spam na rede e respeito a sua privacidade. Para garantir que todas as informações enviadas cheguem até você, escolha uma das três opções: 1) adicione o remetente jmauriciog@josemauricioguimaraes.com.br ao seu catálogo de contatos; 2) ou marque-o como confiável; 3) ou inscrever-se no meu site clicando aqui _ http://josemauricioguimaraes.com.br/participar.html