Denis Rosenfield
Surpreende que, as eleições se aproximando, o País se encontre na quase ausência de um debate sério sobre o seu futuro. Diferentes propostas populistas surgem dos mais diferentes recantos, revelando que a herança lulopetista não foi ainda exorcizada. Ideias das mais simplórias ganham a cena, como se os graves problemas nacionais pudessem ser equacionados sob as mais variadas formas de “vontade política”.Até parece que o Brasil nada aprendeu. Expressão disso são os altos índices de intenção de voto no ex-presidente Lula, hoje um presidiário que pretende apresentar-se como a solução de todos os problemas que estão aí, fórmula mágica usada para encobrir seus próprios erros e crimes.
Acontece que a sociedade está anestesiada ideologicamente, embora se tenha mostrado ativa politicamente. As pesquisas mostram que ela se manifesta contra a agenda reformista do presidente Michel Temer, confundindo-a com a imoralidade que contaminou membros do seu governo, além de o próprio ter sido atingido em sua imagem por duas denúncias ineptas. As reformas visam ao bem e ao futuro do País, não podem ser confundidas com a pauta da luta contra a corrupção, que tomou conta da opinião pública. Age-se como se essa luta fosse uma espécie de salvação nacional.
O Brasil apenas esboça a saída de uma grave crise, com o PIB se recuperando, inflação pequena, juros em baixa, emprego crescendo e um controle fiscal inédito nestes últimos anos. De terra arrasada, o País começa a apresentar números alentadores, porém nada disso é percebido pela sociedade, com um setor importante seu ainda atrelado a um eldorado lulopetista que nunca existiu. O País perdeu, a mensagem petista continua vingando.
Paradoxalmente, a sociedade clama por mudanças, porém age conforme parâmetros atrasados e ultrapassados. Combate a corrupção e pede mais intervenção estatal, como se esta não fosse a causa estrutural de desvio de recursos públicos. Quanto maior a presença do Estado, mais espaço é aberto para a corrupção e os seus agentes.
Tomemos o caso da recente greve dos caminhoneiros e do tabelamento do frete. A greve contou com o apoio maciço da sociedade, que se aproveitou desse episódio para extravasar todo o seu descontentamento. Sustentou grevistas que infernizaram a vida cotidiana dos cidadãos. A ausência de combustíveis, as filas nos postos de gasolina, os supermercados vazios, as dificuldades de locomoção, as estradas bloqueadas, e assim por diante. Ou seja, apoiou quem a estava prejudicando. Parece que mais valia a simples manifestação de um mal-estar difuso.
O governo, acuado, sem saber direito nem com quem negociar, desorientado quanto a informações básicas sobre a preparação e a organização dos grevistas, terminou se rendendo a um tabelamento do frete. Ora, não se diga que se tratou de uma medida de caráter social, pois, na verdade, beneficiou apenas a uma categoria profissional que soube exercer a violência para parar o País. Se fosse uma medida social, seria destinada a toda a sociedade, e não somente a alguns! Qual é, então, o seu resultado?
O agronegócio foi prejudicado, devendo escoar seus produtos com fretes muito mais elevados. O mesmo vale para a indústria. A consequência será que a sociedade deverá pagar mais caro por tudo o que consome, com reflexos até mesmo na a inflação. A opinião pública viu um benefício naquilo mesmo que a prejudica. Pagará mais pelo mal-estar em que se encontra. Ou seja, a sociedade pediu por mais Estado, como se esse pudesse não seguir as regras da concorrência e da economia de mercado.
A moda pegou. Há poucos anos, grandes manifestações de rua tiveram como estopim o aumento das tarifas de ônibus. A reação foi claramente desproporcional à sua causa imediata, revelando uma sociedade descontente e publicamente ativa. Acontece, porém, que tal tipo de manifestação só atua sobre os efeitos imediatos de um Estado que deixou de cumprir as suas funções, favorecendo clientelisticamente grupos economicamente fortes, corporações e sindicatos. Também naquela ocasião a demanda foi pelo tabelamento.
Em vez de a sociedade enveredar para uma verdadeira economia de mercado, concorrencial, baseada no mérito e no desempenho das empresas, com seus desdobramentos em empregos e salários mais elevados, as demandas sociais vão no sentido de engessar ainda mais as relações sociais e econômicas. A opinião pública se posta na contramão de uma agenda reformista.
Eis por que os candidatos com maior visibilidade eleitoral fazem de tudo para não enfrentar essa questão, refugiando-se na luta contra a corrupção e pela moralidade pública, como se assim a Nação pudesse, por si só, reconciliar-se consigo. Alguns dos candidatos procuram apenas repetir o governo Dilma, com as mesmas “propostas” que levaram à derrocada do País. Outros hesitam em apresentar definitivamente sua própria agenda econômica, como se devesse permanecer velada. O que farão da reforma da Previdência, por exemplo? Vão aprofundar a modernização da legislação trabalhista? Privatizar as empresas estatais? São questões inelidíveis, que terão de ser enfrentadas.
Alguns candidatos com baixa intenção de voto têm clareza quanto a essas questões, porém encontram nítida dificuldade em transmitir essa mensagem à sociedade, como se ela fosse incapaz de ver seu próprio bem.
O resultado é que o País se aproxima das eleições sem que os candidatos digam realmente a que vieram, como se tudo pudesse ser equacionado pelo voto. Vota-se bem, como se vota mal. Eleições por si sós nada resolvem. E sem um verdadeiro debate de ideias e propostas o Brasil pode rumar para o desconhecido. A agenda anti-Temer não se pode tornar uma agenda contra as reformas. Na verdade, contra o País.
Fonte: “Estadão”, 25/06/2018