O BOM COMBATE EM DEFESA DA VIDA

 Hermes Rodrigues Nery
06 junho 2015

Pronunciamento do Prof. Hermes Rodrigues Nery, diretor da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e coordenador do Movimento Legislação e Vida, no Senado Federal, sobre a questão do aborto, em audiência pública, realizada na Comissão de Direitos Humanos, em 28 de maio de 2015.

Exmo. Sr. Senador Paulo Paim, Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, Profª. Fernanda Takitani, Dr. Gollop, Dra. Lenise Garcia, membros da mesa, e demais presentes.

Estando de volta a esta Casa Legislativa, novamente no Senado, para, mais uma vez, fazer a defesa da vida, desde a concepção, que é o propósito do Movimento Legislação e Vida1, da Diocese de Taubaté, fundado por nosso Bispo Dom Carmo João Rhoden, e que há dez anos2, junto com outras entidades e grupos, especialmente a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, que aqui representamos nesta audiência pública, inúmeras vezes vindo ao Congresso Nacional para trazer informações aos parlamentares, exortando-os a decidirem em favor da vida e da família3, cujo combate pela vida tem se intensificado a cada dia, conforme S. João Paulo II expos na sua memorável encíclica Evangelium Vitae, dizendo que há um combate de mentalidades, cujo drama tem se agudizado em nossos dias, um conflito entre a cultura da morte e a cultura da vida. “Existe uma crise profunda da cultura”4, uma “conjura contra a vida”5, com circunstâncias dramáticas e terrificantes, que “tornam por vezes exigentes até o heroísmo as opções de defesa e promoção da vida”6. A vida humana tem um valor sagrado, que deve ser respeitado e salvaguardado, em todas as circunstâncias, desde a concepção até a morte natural. A questão do aborto é a ponta do iceberg. Sabemos que há um holocausto silencioso, vitimando milhares de seres humanos, a cada dia, em todas as partes do planeta, vidas ceifadas ainda no ventre materno, do modo mais cruento e doloroso, pois o inimigo de Deus tem sede do sangue inocente.

“Estamos todos na realidade presos pelas potências que de um modo anônimo nos manipulam”7, afirmou Bento XVI. Estas potências que atuam “de modo anônimo”8 tem expressão nos centros privados do poder e em grandes fundações internacionais9, na vasta rede de OnG’s feministas que defendem os direitos sexuais e reprodutivos, em agências da ONU, e em tantos governos locais, como aqui, o governo brasileiro, cumprindo a agenda desses organismos, a agenda antinatalista e antifamília do Foro de São Paulo, dos partidos políticos de esquerda, especialmente o PT, que expulsou dois parlamentares deste Congresso Nacional, Luiz Bassuma10 e Henrique Afonso, por não aceitarem essa ideologia inumada e terem sido a voz dos nascituros indefesos, nesta Casa de Leis.

Sr. Presidente,

Na Câmara dos Deputados, quando aqui estive, em dezembro de 201311, disse que as Fundações internacionais usam as ONGs para seus fins, da forma mais pragmática. Fazem isso aqui no Brasil: agências da ONU, a Fundação MacArthur, a Fundação Ford, a lista é enorme, fazem ingerência em nosso País, e o governo brasileiro apoia e repassa recursos para essas Ongs, sob a orientação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, recursos para os fins de aborto e tudo mais. E mais uma vez afirmamos que isso deve ser motivo de se abrir a CPI do Aborto, para ver quem estão sendo beneficiados, quem estão recebendo para trabalhar contra a população brasileira.

Tudo isso tem uma história bem documentada, mas ainda conhecida por poucos. Trata-se de um processo por etapas. Primeiramente, desde os anos 50, o período do chamado “planejamento familiar”, “um eufemismo de anticoncepcionismo”12, com programas gestados em países desenvolvidos, nos centros privados de estudo e pesquisa sobre demografia e população. Depois, essa fase foi superada para introduzir uma nova estratégia que chegou aos dias de hoje, com a chamada ideologia de gênero, o “conceito-chave da reengenharia social e anti-cristã para subverter o conceito de família”13.

Importante lembrar aqui uma publicação na revista Science14, em novembro de 1967, de Kingsley Davis, [diretor do Centro Internacional de Pesquisas Populacionais e Urbanas, da Universidade da Califórnia, em Berkeley], que chamou a atenção para uma nova estratégia muito mais sutil e sofisticada, para a eficácia da cultura da morte e para que o aborto acabasse sendo aceito com menos resistência como o meio mais eficaz de controle populacional. E para isso, seria preciso “descontruir a linguagem, os relacionamentos familiares, a reprodução, a sexualidade, a educação, a religião e a cultura, entre outros”15. Para ele, “a técnica de limitação demográfica concentrada no fornecimento de anticoncepcionais com programas patrocinados pelos organismos de saúde pública”16, não seria eficiente, para “influir na maioria dos determinantes da reprodução humana”17. O neomalthusianismo, que está aí até hoje na agenda de gênero e do ecologismo da ONU, aparece também em Davis, quando se refere às metas de “crescimento zero como objetivo final”18 com a ideia de que “qualquer ritmo de crescimento, se contínuo, acabará por esgotar a terra”19. Isso é uma falácia. Para Davis, naquela época, o controle demográfico era ainda “inaceitável para a maioria das nações a para a maioria das comunidades religiosas e atinentes.”20 Então, como fazer para viabilizar o controle no “tamanho da família”, para que os “casais em seu próprio interesse controlem automaticamente a população em benefício da sociedade”21, na ótica da referida agenda? O insight de Davis então foi captado, e a partir dos anos 70-80, mais ainda nos anos 90, depois das grandes conferências internacionais da ONU, se tornou esse movimento cultural e político global, com força econômica e tecnológica, para pressionar governos e instituições, pelo desmonte da família. As ideias de Davis foram operacionalizadas pela Fundação Ford, a partir do documento “Saúde Reprodutiva: Uma Estratégia para os anos 90?22. A própria IPPF acatou “as ideias básicas contidas no trabalho de Kingsley Davis23, e depois, “a orientação geral de todas as agências envolvidas com planejamento familiar, demografia e aborto passaram a seguir cada vez mais ostensivamente as linhas gerais das recomendações”24 de Kingsley Davis.

Seria preciso – para ele – então influir na consciência, manipular as consciências, colonizá-las ideologicamente, neutralizando as resistências a esta agenda, que insiste no “aborto provocado”25 como “um dos meios mais seguros de controlar a reprodução”26 e garantir não apenas a redução dos índices de natalidade, como também a pulverização e atomização da própria estrutura familiar. Foi então preciso responder à questão: “porque as mulheres desejam tantos filhos e como se pode influir sobre este desejo?”27 Isso não era só “uma questão tecnológica. A tarefa do controle populacional então se torna simplesmente a invenção de um instrumento que seja aceitável”28.

Então, sr. Presidente, a cultura da morte passou a ser também uma política de educação. Foi a partir de Davis, que Adrianne Germain, sua aluna, percebeu que era preciso uma estratégia de longo prazo, a partir da educação: “Nenhuma compulsão poderá ser usada, porque o movimento está comprometido com a livre escolha, porém filmes sobre sexo, posters, histórias em quadrinhos, conferências públicas, entrevistas e discussões são permitidos. Estes proporcionam informações e supostamente modificam os valores”29. Aí está a crise profunda da cultura, o combate de mentalidades, que a questão do aborto está inserida. “Considera-se que o esforço foi coroado de êxito quando a mulher decide que deseja apenas um determinado número de filhos e emprega um anticonceptivo efetivo”30. Por isso os meios de comunicação de massa, as escolas [não só públicas] fazem todo um trabalho de colonização das consciências [é a doutrinação ideológica] para que haja uma aceitação da cultura da morte, sem que as pessoas se dêem conta de que estão sendo manipuladas e agindo contra o que naturalmente elas jamais fariam se não estivessem sendo condicionadas culturalmente a isso. E para tais objetivos, tais ideologias visam mesmo “controle de seres humanos”31, daí a nova forma de totalitarismo. Foi o que sugeriu Kingsley Davis: “Mudanças suficientemente básicas para afetar a motivação de ter filhos seriam mudanças na estrutura da família, no papel das mulheres e nas normas sexuais”32. É preciso o “controle da motivação pela sociedade”33, para que o aborto pudesse ser praticado sem remorsos de consciência. E fazem tudo isso também com várias retóricas, que fazem parte dessa agenda, por exemplo, também a da defesa ambiental, da paz e dos diretos humanos, pois “o mandamento ecologista de controlar a natalidade para salvar o planeta”34 é “próprio do paradigma do desenvolvimento sustentável”35. Ora, “não é o assassinato de milhões de inocentes o maior ataque à paz e aos direitos humanos?”36 Esta cultura da morte é a perversão dos próprios direitos humanos, pois o primeiro e principal de todos os direitos humanos é o direito à vida, desde a concepção.

E agora, essas agências da ONU, com estas ideologias, estão, fazendo pressão, cada vez mais, promovendo eventos, a própria UNESCO, a Religions for Peace, a Aliança de Civilizações, todos juntos fazendo pressão, também junto à Igreja, intensificando os esforços por esta agenda. O Al Gore, por exemplo, “propôs um rigoroso controle de natalidade em nível mundial, sob o pretexto de preservar os recursos do planeta”37. A Organização inglesa Optimum Population Trust propôs “universalizar o controle obrigatório da população, dizendo: ‘a cada sete dólares em anticoncepcional evita-se a emissão de uma tonelada de CO2.”38 Outra grande falácia! E tudo isso com a retórica de combater a pobreza, quando, na realidade, sr. Presidente, querem é combater os pobres, especialmente dos países subdesenvolvidos e condená-los ao subdesenvolvimento. Pois essas agencias da ONU estão, de todas as formas, em todas as partes, até aonde não deviam estar, investindo pesado e pressionando para que a moral cristã seja flexibilizada, para não haver mais nenhuma resistência a este projeto de “reengenharia anti-cristã da sociedade”39.

E aí, para concluir esta minha colocação, sr. Presidente, demais membros da mesa, quero lembrar também da situação dos países desenvolvidos que adotaram essa agenda, e que hoje o movimento lá fora é muito grande por buscar reverter as legislações abortistas, pelos efeitos perversos [desumanos e de desagregação social], de uma agenda que comprovadamente não garante desenvolvimento [humano e social], pelo contrário, a crise atual dos Estados Unidos (que legalizou o aborto em 1973) e da Europa, e mesmo do Japão (em que o aborto é legalizado desde 1949) e de tantos outros países desenvolvidos, mostra o equívoco desta agenda que aceita o aborto como estratégia de controle populacional [o aborto químico, a pílula abortiva, tudo isso que é terrível, por cometer o assassinato de seres humanos inocentes e indefesos, e também de causar danos à saúde da mulher, principalmente pobre e negra, de violentá-la enquanto pessoa humana], estratégia essa de liquidação da família, e que nós temos o dever de rechaçar, pois a família é a primeira e principal instituição humana.

E mais: a ideologia laicista, que visa minar a moral cristã, está impregnada na agenda das agências da ONU, das Fundações internacionais e das forças políticas do internacionalismo de esquerda. E tais organismos e grupos sabem da força civilizatória do cristianismo, do cristianismo como promotor da liberdade, da liberdade com responsabilidade e compromisso com a vida, do cristianismo como força promotora do verdadeiro desenvolvimento humano e social, que começa na estrutura natural da família, constituída por homem e mulher, aberta à fecundidade. É o que reconhece os mais sérios especialistas da atualidade, que dizem: “é na erosão do casamento e da família, afirma o Dr. Mitch Peralstein, que está a raiz do declínio do desempenho educacional e econômico das crianças norte-americanas criadas em famílias desestruturadas”40, principalmente nas famílias monoparentais. “Pearlstein argumenta que a fragmentação da família não só inibe o crescimento normal e a educação das crianças, mas também tem um efeito deletério sobre a economia em geral”41. Ou ainda em “Family Structure and Income Inequality in Families with Children: 1976 to 2000”, publicada na revista “Demography”, em 2006, Molly A. Martin “estima que 41% da desigualdade econômica entre 1976-2000 foi decorrente da alteração da estrutura familiar”42. Portanto esta agenda antinatalista e antifamília não são promotoras do desenvolvimento humano e social.

O que fazer diante disso?

Há muitas iniciativas que podem e devem ser feitas, principalmente no campo da educação, em todos os níveis, para vencermos a batalha em favor da vida e da família; mas no campo legislativo, temos o Estatuto do Nascituro em tramitação, e outros projetos de lei nesse sentido, estivemos aqui e apresentamos ao senador Magno Malta, que através da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, possa encaminhar a PEC pela Vida, para que nós possamos resistir à cultura da morte, afirmando a cultura da vida, explicitando no texto constitucional, no art. 5º da Constituição Federal, a inviolabilidade da vida humana, desde a concepção. A exemplo do que já fez a Hungria43, e vários estados do México, alguns até dos EUA e outros, temos esperança de ver aprovada a PEC pela VIDA em nossa Carta Magna, porque o ser humano já é pessoa e já possui dignidade, desde o primeiro instante, com a concepção. Podemos vencer a cultura da morte e afirmar a cultura da vida, a partir dessa decisão, nesta Casa de Leis. Por isso, caro Senador, pode ter a certeza de que “uma das tarefas mais nobres”44, em meio aos tantos desafios de hoje, “consiste em permanecer firmemente ao lado da vida, encorajando aqueles que a defendem e edificando com eles uma verdadeira cultura da vida”45.

Muito obrigado!

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Artigo publicado em 03.06.2015

 

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