Aquilo que funciona é um privilégio que só pode ser usufruído pelos iluminados
A aprovação no Congresso do PL n° 4302/ 1998, que permite a livre terceirização em todas as categorias profissionais, disparou mais uma histeria da esquerda, tendo, como sempre, a “classe artística” como caixa de ressonância da mentalidade atrasadíssima de preservação da CLT — a qual, vale ressaltar, nem sequer foi tocada pela lei da terceirização.
Tal postura contra uma ligeiramente maior liberdade trabalhista não passa de uma completa demagogia: afinal, os profissionais das áreas criativas são os que mais — desde sempre — usufruem da liberdade nas relações de trabalho.
A grande maioria dos artistas, designers e até mesmo arquitetos começa suas carreiras como estagiários informais, permanecendo em cada empresa, escritório ou ateliê como aprendiz ou assistente, de acordo com as expectativas de cada momento. Alguns, para ganhar experiência, chegam a trabalhar de graça.
Quando formados, muitos continuam indo e vindo entre diversos empregos, sempre buscando a melhor relação entre acúmulo de experiência profissional e salário, ao mesmo tempo em que evitam vínculos que os impeçam trocar de emprego facilmente.
Outros abrem seus próprios escritórios e ateliês contratando informalmente estagiários e funcionários de acordo com a demanda de trabalho. O profissional ou artista autônomo mantém seus valores em função da procura por seus serviços ou artes.
A primeira coisa que todos eles aprendem é que o mercado é instável. A segunda é que têm de saber lidar com isso. E a terceira é que, quanto mais distantes estiverem da burocracia estatal, mais e melhor trabalharão.
Entraves tolhem a criatividade
Em qualquer área em que não há estabilidade de emprego, todos descobrem rapidamente que, se quiserem manter o salário ou ascender dentro de uma determinada empresa, deverão demonstrar talento e determinação. Ao contrário do que ocorre em empresas estatais, bajulações não funcionam.
Descobrem também que as oscilações do mercado podem render tanto uma dispensa na semana seguinte quanto uma promoção e um salário melhor. Ou mesmo a admissão de novos funcionários concorrentes.
Diante da imprevisibilidade do mercado, profissionais e empreendedores contratam preferencialmente aqueles a quem podem demitir com facilidade. Autônomos muitas vezes estabelecem parcerias ou prestam serviços a partir de acordos verbais ou mesmo virtuais.
Isso cria um ambiente empreendedorial mais virtuoso, produtivo e dinâmico.
Sem as normas trabalhistas impostas pelo estado, todos sabem que, se desejam tirar férias, terão de se organizar e fazer suas reservas; e assim o fazem. Não por acaso, estes profissionais não planejam suas vidas visando aposentadorias. Eles planejam suas vidas para que sejam sempre produtivos, independentemente da idade. De preferência trabalhando como Pessoa Jurídica (PJ), óbvio: afinal, na prática, a teoria é outra. Defender a CLT só é bom se for para ganhar um dinheiro extra fazendo vídeos para sindicatos e movimentos de esquerda.
O resultado dessa flexibilidade é um dinamismo no qual todos os envolvidos estão, a todo o momento, se adequando ao mercado, com cada indivíduo se aprimorando o tempo todo e exercendo a liberdade de condicionar o seu trabalho da maneira que lhe convém, em função de cada momento.
Sim, é difícil. Os amedrontados acabam procurando abrigo à sombra do estado (no caso de artistas, fazem fama utilizando dinheiro público). Já os talentosos e determinados alcançam seus objetivos, passo a passo, e nunca por meio de “milagres” típicos da política.
É por causa desta liberdade que a indústria criativa está sempre à frente dos outros setores da economia, tanto em inovação quanto em qualidade de condições de trabalho.
Domésticas
Comprovando que a liberdade não é um desejo das “elites”, temos também o caso das empregadas domésticas. Por décadas, a profissão foi mal remunerada por conta dos problemas econômicos do Brasil: em uma economia bagunçada, na qual não havia alternativas de trabalho à maior parte das mulheres pobres, a única saída a essas pessoas era oferecer seus serviços como empregada doméstica.
Com uma maior estabilidade econômica construída nos últimos 20 anos — até o desmantelamento promovido pelo governo Dilma —, novas opções de emprego surgiram naturalmente e absorveram boa parte desta mão-de-obra, diminuindo a oferta de empregadas domésticas. E, consequentemente, aumentando os salários das remanescentes no ramo.
Assim como arquitetos, designers e artistas, cada empregada doméstica moldou sua profissão em função do mercado, ciente dos momentos de escassez e de fartura de trabalho. De empregadas domésticas passaram a ser diaristas. Com maior liberdade para negociar seus valores, para escolher seus clientes e para ditar suas condições de trabalho, passaram a cobrar mais caro. As melhores tornaram-se profissionais disputadas. Muitas melhoraram o padrão de vida de suas famílias sem qualquer estabilidade empregatícia.
Já o extermínio do que restou das empregadas domésticas foi sacramentado pelo governo: cheio de “boas intenções” e “sabedoria”, os políticos impuseram um código de normas a serem seguidas. O resultado foi uma grande queda na procura por empregadas domésticas (segundo o próprio IBGE), já que seus clientes temem serem enquadrados na lei que transforma a negociação voluntária em crime. Com isso, fechou-se uma porta que antes estava aberta para os mais inexperientes e menos qualificados. Uma liberdade que antes existia e que permitia a sobrevivência das mulheres menos estudadas foi extinta.
Por outro lado, ocorreu uma explosão no número das diaristas, cuja relação de trabalho é bem mais livre. E cujo mercado é dominado quase que exclusivamente por ex-domésticas experientes, que só chegaram a este nível de experiência exatamente porque tiveram a liberdade de poder trabalhar como domésticas.
Artistas não são bobos
Imaginemos, então, o que aconteceria se o mesmo estado resolvesse se intrometer nas relações de trabalho da indústria criativa. O resultado seria o engessamento imediato do setor. Afirmo com segurança que a maioria das vagas de estagiários em escritórios de arquitetura e design iriam desaparecer.
Qualquer intervenção estatal nas relações de trabalho representa nada mais do que a cobiça da burocracia estatal sobre os rendimentos dos cidadãos, cujo dinheiro é sempre usado, em sua maior parte, para sustentar uma parafernália burocrática e viabilizar interesses políticos.
Nenhum governo tem competência para ditar os valores que cada pessoa deseja receber por seu trabalho. Cada indivíduo sabe o valor pelo qual deseja trabalhar. Como diria Ludwig von Mises, esse poder interventor do estado nas relações de trabalho “é essencialmente o poder de privar alguém de trabalhar aos salários que estaria disposto a aceitar”.
De resto, creio não ser exagero dizer que nenhum artista começou trabalhando como CLT. Sorte deles. Não estariam onde estão hoje. Aliás, nem sequer começariam. Quem, afinal, contrataria um artista inexperiente pela CLT?
Com efeito, a maioria dos artistas, como dito, trabalha hoje como Pessoa Jurídica, contribuindo para a tão criticada “pejotização” da economia.
Logo, o lema desses artistas poderia ser: “Liberdade para mim, restrições para o populacho”.
Artista plástico formado em arquitetura,
acredita no libertarianismo como horizonte
e no liberalismo como processo, ateu
que defende com segurança a cultura judaico-cristã,
lê e escreve sobre filosofia política e econômica.
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