Deborah Sena
29/05/2023
Brasil, o país onde narrativas valem mais que a Lei e os fatos. O TSE, a esquerda e parte da imprensa difundiram, tão fortemente, a ideia de que Deltan Dallagnol respondia a processos administrativos ao passo de sua exoneração, que a narrativa emplacou com tranquilidade para uma parcela da população.
É bem verdade que em terra de tribunal político, quem segue o voto do relator é rei. E por falar em monarquia, no que se transformou essa dita república? A Lei tornou-se tão insignificante diante do absolutismo da Justiça quanto a relevância do Congresso diante de temas caros a uma elite política, capaz de conduzi-los a pauta de prioridades do Supremo.
Prova disso é o julgamento da descriminalização do uso de drogas, agendado na Suprema Corte. Sem o menor pudor, pessoas não eleitas decidem pelos brasileiros e nos empurram em direção a sentenças complexas, relativas a temas delicados e controversos, sem chance de debate e questionamento.
Já na arena da política, a utilização das instâncias de julgamento como espaço de confronto entre desafetos partidários é um processo tão histórico quanto recorrente. Os que acusam a lava-jato de excessos, na verdade são inconformados com a escalada anticorrupção que se sobrepôs a alçada dos partidos e enfrentou os desafios que instâncias superiores se negaram a encarar. São esses acusadores, na verdade, os acostumados a virar do avesso a vida de seus opositores, a fim de encontrar inconsistências para provocar os tribunais.
Os algozes de Deltan Dallagnol, alguns deles citados em sua coletiva de imprensa na Câmara dos Deputados, por muitas vezes se valeram da justiça para punir, mas também foram absolvidos inexplicavelmente. E nós passamos assistir a esse filme sem questionar seu enredo, aceitamos um roteiro indigesto sem alardes e preocupações.
O mais problemático na chamada ditadura do judiciário é que: para onde recorrerá o cidadão comum se o hábito de rasgar a Lei e a Constituição se tornar uma prática ainda mais evidente? Ao que parece, a relação truncada entre política e justiça está em metamorfose, e já não será preciso localizar irregularidades para comprometer àqueles que têm um alvo sobre a cabeça. Foi assim com Deltan: na falta de um desajuste à Lei da Ficha Limpa, a narrativa e a presunção imperaram. E por falar em império, se para essa banda de Brasília que parou no dia de seu julgamento para pressionar o TSE pelo resultado unânime, não foi possível encontrar pelo em ovo para fazer de Deltan um condenado, o nada teve que ser suficiente.
E é esse o Brasil que vivemos, alinhado às desventuras autoritárias anunciadas por Lula e Leonardo Boff, patrulhamento ideológico, big techs acuadas, ministros que não tem pudor em esconder sua simpatia ao atual governo e uma Suprema Corte que não se constrange em decidir a “vida” do parlamento e a vida dos brasileiros.
No Brasil, os ministros se tornaram reis, acima da política, acima da Lei, acima do povo e da verdade. E para prosseguir com a analogia ao dito popular: em terra de tribunal político, Deltan é cassado, Maluf recebe o “perdão real” e Lula é ficha limpa.
* A autora, Deborah Sena, é jornalista e
assessora de imprensa com ampla experiência no Congresso Nacional.
* Fonte: Coluna ¨Diário do Poder¨, jornalista Cláudio Humberto