Ideologias totalitárias, ódio e ressentimento

Bruno Garschagen
17 de Abril, 2015.

 

Num texto curto, Henry Hazlitt nos convida para entender o marxismo em um minuto. De forma provocadora, Hazlitt, autor do valioso Economia numa única lição, afirma que o núcleo do marxismo e a sua razão de ser é

“o ódio e a inveja doentia do sucesso”.

Diz mais: “Todo o evangelho de Karl Marx pode ser resumido em duas frases:

“Odeie o indivíduo mais bem-sucedido do que você. Odeie qualquer pessoa que esteja em melhor situação do que a sua”.

É uma simplificação interessante porque permite evidenciar uma característica do marxismo, mas parece-me que o ódio é mais uma manifestação de sua estrutura mental e ideológica do que o seu núcleo. Mas Hazlitt não está sozinho ao apontar a emoção como sendo a estrutura da ideologia marxista.

Roger Scruton, no ensaio «The Totalitarian Temptation» (do livro A Political Philosophy: Arguments for Conservatism), ao analisar as ideologias totalitárias dos revolucionários franceses, do marxismo e do nazismo, dizem que tanto aquelas como estes têm uma fonte única, que é o ressentimento. O filósofo político britânico vê o ressentimento

“como uma emoção que emerge em todas as sociedades” e considera-o “um desdobramento natural da competição por vantagens”,

seja a conquista do poder, de privilégios, de benefícios, etc.

“Totalitarian ideologies are adopted because they rationalize resentment, and also unite the resentful around a common cause. Totalitarian systems arise when the resentful, having seized power, proceed to abolish the institutions that have conferred power on others: institutions like law, property and religion which create hierarchies, authorities and privileges, and which enable individuals to assert sovereignty over their own lives. To the resentful these institutions are the cause of inequality and therefore of their own humiliations and failures. In fact, they are the channels through which resentment is drained away. Once institutions of law, property and religions are destroyed – and their destruction is the normal result of totalitarian government – resentment takes up its place immovably, as the ruling principle of the State.”[i]

Alguns elementos estruturais dessas ideologias totalitárias importantes emergem desse trecho. O primeiro, a localização do núcleo dessa espécie de ideologia num tipo específico de sentimento. O ressentimento, sendo a origem dessas ideologias, permite uma identificação comum a todas elas, em várias sociedades, de forma mais exata do que a análise exclusivamente ancorada no conteúdo e discurso políticos, que, não raro, mais distraem e atrapalham a investigação do que colaboram para elucidá-las.

O segundo elemento apontado por Scruton é a racionalização do ressentimento pelas ideologias totalitárias, que “unem os ressentidos em torno de causa comum”. Essas ideologias seduzem parcelas mais ou menos numerosas da sociedade, não exatamente pelo conteúdo ideológico do projeto político, mas pela forma hábil como sentimentalizam-no. A dimensão de uma mensagem política fundamentada na emoção é ilimitada e não se restringe a grupos sociais específicos. Ela pode conquistar das parcelas mais pobres às mais ricas, dos analfabetos à elite intelectual, agarrando-os pelo coração, apelando a vínculos nacionalistas e/ou patrióticos. A história nos mostra que antes e depois de conquistarem o poder, líderes políticos e intelectuais jacobinos, marxistas e nazistas usaram a emoção e o ressentimento de maneira insidiosamente eficaz.

Para preservar o poder conquistado, os ressentidos, segundo Scruton, iniciam o processo de eliminação das instituições (lei, propriedade, religião) que conferiam poder aos demais indivíduos de, no mínimo, serem soberanos de suas próprias vidas, e que também permitiria-os, em algum momento, retomá-lo. E se os ressentidos acreditam que tais instituições são instrumentos de geração de desigualdade e de suas humilhações e fracassos individuais, extingui-las seria também um ato de catarse política. De catarse e de autoproteção política. Ao destruírem a lei, a propriedade e a religião, o ressentimento é alçado “a princípio governante do estado”. Os resultados dessa ação política são sobejamente conhecidos.

O ponto central do argumento desenvolvido por Scruton é que o ressentido, qualificado politicamente como revolucionário, é movido pela busca, conquista e preservação do poder e pela eliminação de instituições e indivíduos que de alguma forma representem uma ameaça. O ressentido se impõe movido pelo ressentimento para neutralizar tudo aquilo que ele entende como sendo a fonte geradora de seu rancor. A história pessoal e as ideias professadas por Robespierre (para usar o artífice mais famoso da Revolução Francesa), Karl Marx e Adolf Hitler ratificam a tese do filósofo britânico.

Porém, não estou tão certo de que o ressentimento é a fonte única dos revolucionários franceses, do marxismo e do nazismo, como defende Scruton, muito embora seja inegável a sua co-participação psicológica e praxeológica. E se a tese é interessante e instigante, e o ódio apontado por Hazlitt, mencionado, no início do texto, seria, a meu ver, a exteriorização do ressentimento apontado por Scruton, isso explicaria uma parte do jacobinismo, do marxismo e do nazismo, e das tentativas fracassadas de sua aplicação política e econômica. Por outro lado, a utopia revolucionária, da forma como a concebo e apresentarei em texto futuro, e que agrega o argumento de Scruton, é a teoria mais plausível para explicar esses fenômenos políticos responsáveis por regimes infames e toda sorte de atrocidades.

 

 

* Publicado originalmente em 21/09/2012.

[i] Roger Scruton. «The Totalitarian Temptation», in A Political Philosophy: Arguments for Conservatism. London: Continuum, 2006, pp. 150-151.

Bruno Garschagen é colunista do OrdemLivre.org, podcaster do Instituto Mises Brasil e especialista do Instituto Millenium.

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