Maria Lucia Victor Barbosa
18/08/2019
A Argentina foi sempre um constante desafio para os estudiosos, pois não é fácil interpretar sua acidentada trajetória. O começo foi atribulado desde que Pedro de Mendoza, em 1536, estabeleceu na margem ocidental do rio da Prata o acampamento que denominou Puerto de Nuestra Señora Santa Maria del Buen Aire.
O apogeu e glória se deu a partir de 1880, seguindo-se cinquenta anos aproximadamente do que se denominou de “Era do Ouro”. Depois o mergulho na decadência, na violência institucionalizada, a intermitência entre prosperidade e declínio.
Essa Argentina que já foi chamada de enigma, com suas marcas coloniais, seu estilo europeizado, seus acordes passionais de um nostálgico tango, também já foi considerada a vanguarda da América Latina por ser o lugar onde as coisas acontecem primeiro. E sendo um genuíno país latino-americano não se pode esquecer a tendência populista que se alternou em seus governos e aquele falso esquerdismo que sempre marcou os povos latinos. Tampouco não se olvide outra característica latino-americana: a ingovernabilidade.
Em um dos meus livros, América Latina – Em Busca do Paraíso Perdido, discorri longamente na segunda parte sobre a Argentina. Em um pequeno artigo isso é impossível por vou me referir aqui de modo bem resumido apenas a três governantes que demonstraram traços marcantes da cultura política argentina. São ele: Rosas, Sarmiento e Perón.
Juan Manuel de Rosas foi a essência do caudilhismo e tornou-se governador de Buenos Aires em fins de 1829. Segundo Carlos Rangel, na sua obra Do Bom Selvagem ao Bom
“Rosas foi o mais centralizador de todos os chefes de governo na Argentina, porquanto seu pretenso federalismo como o de todos os dirigentes dos países da América Latina, só revelava, na realidade, a ambição egoísta de ser o senhor do seu feudo e, depois, quando o poder adquirido tivesse ultrapassado os dos outros feudais, obter a submissão ou aniquilá-los”.
Domingo Faustino Sarmiento foi um educador, um escritor e um político argentino. Ele governou a Argentina de 1868 a 1874 e esse verdadeiro liberal modernizou o país através de ampla reforma educacional, dos estímulos às liberdades civis, da construção de uma rede ferroviária, da expansão comercial, do incentivo à imigração.
Sua obra, Facundo: Civilização e Barbárie (1845) é uma das mais importantes da literatura latino-americana para se entender num sentido histórico, sociológico e político o que era e, portanto, o que vem a ser a terra da prata. Sarmiento foi o representante da civilização e sua grande admiração pelos Estados Unidos o levou a uma série de observações e análises como um Tocqueville à moda latino-americana.
Através do seu governo (1946-1955) Juan Domingo Perón foi odiado por uns, idolatrados por outros e isso acontece até hoje. Carlos Rangel, em sua obra aqui já citada afirmou que “Perón conseguiu reconduzir a Argentina ao obscurantismo autóctone de maneira evidente”. Atribuiu a ele ter arruinado o país política e economicamente conseguindo torná-lo quase ingovernável.
De todo modo, ficaram evidentes certos elementos marcantes da era peronista. Foram eles: a falsa democracia, o nacionalismo ultraxenófobo, a demagogia e o populismo exacerbado.
Recentemente, um fato aconteceu na Argentina que chamou atenção. Foram as prévias eleitorais nas quais a chapa Alberto Fernández para presidente tendo como vice-presidente Cristina Kirchner, ficou à frente do presidente Mauricio Macri que disputa a reeleição.
A eleição será em outubro e não existe como prever o que acontecerá, entretanto, o espectro da ingovernabilidade ronda a Argentina caso se confirme a vitória de Kirchner, na medida em que certamente ela terá ação decisiva nos destinos do país.
Vejamos o legado de Cristina Kirchner, que foi bem resumido no O Estado de S. Paulo (14/08/2019):
“O legado da ex-presidente é bem impressionante e, sob qualquer aspecto deveria representar o fim de sua carreira política. Além de ser processada por corrupção e de ter escapado da prisão em razão de sua imunidade parlamentar como senadora. Cristina arruinou os fundamentos econômicos da Argentina – obra que começou no governo de seu antecessor e marido, Néstor Kirchner.
A trajetória política da Argentina e esses fatos mais recentes, lembram um antigo comercial de vodca: “Eu sou você amanhã”. É como se a Argentina nos dissesse isso, pois seus acontecimentos políticos sempre antecederam os nossos de modo não exatamente igual, mas semelhante.
No momento, enquanto o presidente Bolsonaro vem sendo cerceado de várias maneiras para governar pelo Congresso e pelo STF e, esses Poderes têm desferidos golpes na Lava Jato através das pessoas do ministro Sergio Moro e do procurador Daltan Dallagnol, com o claro objetivo de soltar o presidiário Lula da Silva, se pode dizer que o espectro da ingovernabilidade ronda também o Brasil, como, aliás, sempre rondou a América Latina.
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga