Luciano Rodrigues
22 julho 2017
Introdução
A questão da “regularidade e reconhecimento” é uma das mais espinhosas que existem para os maçons brasileiros.
Como para alguns maçons brasileiros a questão de regularidade é baseada nas diretrizes da Grande Loja Unida da Inglaterra, vamos tentar expor com um pouco mais de clareza e de forma mais objetiva possível, quais são os princípios básicos de regularidade e reconhecimento adotados na Inglaterra, inicialmente em 1929 e a versão atual de 1989, para que possamos comparar de modo bem simples.
Na Inglaterra do final do século 17 e início do século 18, a maçonaria viveu duas grandes divisões:
Durante todo o século 18, tivemos uma maçonaria “Moderna” foi baseada no “projeto de James Anderson” e nos valores do Iluminismo, com uma maçonaria “Antiga” rejeitando as Constituições de Anderson e se apoiando nas “Antigas Constituições”, que proclamava:
“.. Vocês devem honrar a Deus e Sua Santa Igreja e não permitir a heresia, cisma ou erro em seus pensamentos, ensinando os homens desacreditados”.
Isso vai cristalizar o primeiro cisma na oposição entre a Grande Loja de Londres e da Grande Loja de York, e depois entre a Grande Loja dos Antigos e dos Modernos.
No entanto, gradualmente, as oposições foram se acertando e em 1813, época em que maçonaria de inspiração francesa (ou mais precisamente franco-alemã, com o Rito Escocês Retificado e o Rito Escocês Antigo e Aceito) estava se expandindo em toda a Europa após a Revolução e o Império de Napoleão Bonaparte, as duas Grandes Lojas Inglesas se reconciliaram para formar a Grande Loja Unida da Inglaterra.
E foi assim que, a fim de esclarecer as coisas em 1929 (época em que o Império Britânico sofreu uma grande crise e buscou referências), que a Grande Loja Unida da Inglaterra publicou seus “Princípios Básicos”.
Estes princípios acabaram fazendo com que as Grandes Lojas reconhecidas pela Grande Loja Unida da Inglaterra (estas a reconheceriam em contrapartida a sua preeminência como “Loja mãe do mundo”) … fossem também reconhecidas por todas as outras.
De modo que após esta breve introdução você possa formar a sua própria opinião, seguem os “Princípios Básicos para o reconhecimento” emitidos pela Grande Loja Unida da Inglaterra em 1929:
Basic Principles for Grand Lodge Recognition (1929)
“É desejo do Mui Respeitável Grão-Mestre deste corpo, emitir uma declaração de princípios básicos sobre os quais esta Grande Loja pode reconhecer qualquer Grande Loja que solicitar ser reconhecida pela jurisdição inglesa, este Gabinete de Propósitos Gerais cumpre com satisfação.
O resultado, como se segue, foi aprovado pelo Grão-Mestre e será a base de um questionário que será enviado a cada jurisdição que solicitar o reconhecimento Inglês.
Este Gabinete deseja que não somente as obediências, mas o conjunto geral de todos os irmãos da jurisdição do Grão-Mestre, sejam plenamente informados destes princípios básicos da Maçonaria em que a Grande Loja da Inglaterra irá seguir ao longo em sua história.
1 – Regularidade de origem, ou seja, cada Grande Loja deve ter sido legalmente constituída por uma Grande Loja devidamente reconhecida ou por três ou mais lojas regularmente constituídas.
2 – A crença no Grande Arquiteto Do Universo e Sua Vontade revelada será uma condição essencial para a admissão de seus membros.
3 – Que todos os iniciados prestem seus juramentos, a vista do Livro da Lei Sagrada, simbolizando a revelação do Alto que atinge a consciência do indivíduo em particular que está sendo iniciado.
4 – Que os membros da Grande Loja e das Lojas individuais sejam exclusivamente homens, e que nenhuma Grande Loja deve manter relações maçônicas com lojas mistas ou com obediências que aceitem mulheres como seus membros.
5 – Que a Grande Loja mantenha jurisdição soberana sobre as Lojas que estão sob o seu controle, ou seja, deve ser uma organização responsável, independente e governada por ela mesma, exercendo sua autoridade única e indiscutível sobre os graus simbólicos do ofício (Aprendiz, Companheiro e Mestre) dentro de sua jurisdição, e que não pode depender nem compartilhar de maneira nenhuma sua autoridade com um Supremo Conselho ou outro Poder que reivindique controle ou supervisão sobre esses graus.
6 – Que as três Grandes Luzes da Maçonaria (ou seja, o Livro da Lei Sagrada, o Esquadro e Compasso) estarão sempre expostos quando a Grande Loja ou suas Lojas subordinados estejam em trabalho, sendo o primeiro entre eles, o Livro da Lei Sagrada.
7 – Que a discussão de assuntos políticos ou religiosos estejam estritamente proibidos dentro de loja.
8 – Que os princípios dos Antigos Landmarks e os usos e costumes da Fraternidade sejam rigorosamente observados.
Aims and Relationships of the Craft (1938)
Em agosto de 1938, foi realizada uma conferência entre as Grandes Lojas da Inglaterra, Irlanda e Escócia, que fizeram um acordo e emitiram uma declaração idêntica em termos, chamada de “Objetivos e Relacionamentos do Ofício”, com as seguintes posições:
1 – De tempos em tempos, a Grande Loja Unida da Inglaterra julga necessário estabelecer de forma precisa os objetivos da Maçonaria como praticado de forma consistente sob a sua Jurisdição desde que ela surgiu como um corpo organizado em 1717 e também para definir os princípios administrativos de suas relações com outras Grandes Lojas com as quais está em acordo fraternal.
2 – Tendo em vista as representações recebidas e as declarações recentemente publicadas que distorcem ou obscurecem os verdadeiros objetos da Maçonaria, é novamente considerado necessário enfatizar certos princípios fundamentais da Ordem.
3 – A primeira condição de admissão e de adesão à Ordem é a crença em um Ser Supremo. Isto é essencial e não admite transigência.
4 – A Bíblia, referida pelos maçons como o Volume da Lei Sagrada, deve estar sempre aberta nas Lojas. Todo candidato é necessário assumir a sua obrigação sobre esse livro ou sobre o volume que é utilizado pelo seu credo particular, para dar um caráter sagrado ao juramento ou promessa realizada sobre ele.
5 – Todo aquele que entra na Maçonaria é, desde o princípio, estritamente proibido de admitir qualquer ato que possa ter tendência a subverter a paz e a boa ordem da sociedade; Ele deve cumprir a devida obediência à lei do estado em que reside ou que lhe ampara, e nunca deve ser negligente na fidelidade devida ao Soberano de sua terra natal.
6 – Enquanto a Maçonaria Inglesa orienta cada um dos seus membros, sobre os deveres de lealdade e de cidadania, também reserva ao indivíduo o direito de manter sua própria opinião em relação aos assuntos públicos. Mas em nenhuma Loja, nem em qualquer momento em sua qualidade de Maçom, é permitido discutir ou emitir suas opiniões sobre questões teológicas ou políticas.
7 – A Grande Loja deve sempre se recusar a expressar qualquer opinião sobre questões de política de Estado estrangeiro ou nacional, e não permitir que seu nome seja associado a qualquer ação, por mais humanitária que possa parecer, ou que infrinja sua inalterável política de se manter distante de todas as questões que possam afetar as relações entre um governo e outro, ou entre partidos políticos, ou questões sobre teorias rivais de governo.
8 – A Grande Loja está ciente de que existem Corpos, denominando-se Maçons, que não aderem a esses princípios, e enquanto essa atitude exista, a Grande Loja da Inglaterra recusa absolutamente ter qualquer relação com tais Corpos, ou considerá-los como Maçons.
9 – A Grande Loja da Inglaterra é um Corpo soberano e independente que exerce a Maçonaria apenas dentro dos três Graus e somente dentro dos limites definidos em sua Constituição como “pura e antiga Maçonaria”. Ela não reconhece ou admite a existência de qualquer autoridade maçônica superior.
10 – Em mais de uma ocasião, a Grande Loja recusou, e continuará a recusar, a participar em Conferências, com as chamadas Associações Internacionais, alegando representar a Maçonaria, que admitem membros de Corpos que não estão em acordo com os princípios sobre os quais a Grande Loja é estabilizada. A Grande Loja não admite tal reivindicação, nem suas opiniões podem ser representadas por qualquer Associação.
11 – Não há segredo em relação a nenhum dos princípios básicos da Maçonaria, alguns dos quais já foram expostos acima. A Grande Loja sempre considerará o reconhecimento das Grandes Lojas que declaram e praticam, e podem mostrar que consistentemente declararam e praticaram esses princípios estabelecidos e inalterados, mas em nenhuma circunstância ele entrará em discussão com qualquer nova visão ou interpretação variada destes. Eles devem ser aceitos e praticados de todo o coração e em sua totalidade por aqueles que desejam ser reconhecidos como maçons pela Grande Loja Unida da Inglaterra.
As três Grandes Lojas estavam convictas de que é somente pela rígida aderência a esta política que a Maçonaria tem sobrevivido as constantes mudanças nas doutrinas do mundo exterior, e são compelidos a registrar sua completa desaprovação por qualquer ação que possa permitir o desvio dos princípios básicos da Maçonaria. Eles possuem uma forte opinião, de que qualquer uma das três Grandes Lojas, não podem manter um relacionamento com aqueles que não seguem os Landmarks da Ordem, que deve enfrentar a sua irregularidade.
Basic Principles for Grand Lodge Recognition (1989)
As questões de reconhecimento ganharam atenção do mundo maçônico após a queda do Muro de Berlim. Algum progresso ocorreu em 1989 (tal como o problema do despertar da Maçonaria nos países europeus onde era proibido) que provavelmente causou a alteração de alguns pontos importantes:
– A Grande Loja Unida da Inglaterra ainda não reconhece obediências mistas ou femininas, mas no texto não está excluído a possibilidade de que ele reconhecerá algum dia.
– A Fé em Deus e Sua vontade revelada, expressa na Bíblia, foi substituída por simples “crença em um Ser Supremo”.
– O Rito Escocês não está mais diretamente envolvido. Mas em vez disso, todo o contato com obediências “excomungadas” pela GLUI, permanece explicitamente proibido para quem pretende obter o reconhecimento.
Apesar destas pequenas alterações para questão de regularidade, não mudou muito as fronteiras a serem transpassadas para o reconhecimento da Grande Loja da Inglaterra.
Veremos agora o “novo documento” de 1989:
– A Maçonaria é praticada sob a autoridade de numerosas grandes lojas independentes onde os princípios e as regras são semelhantes aos estabelecidos pela Grande Loja Unida da Inglaterra ao longo de sua história:
Para ser reconhecido pela Grande Loja Unida da Inglaterra, uma Grande Loja deve respeitar as seguintes regras:
1 – Deve ter sido legalmente constituída por uma Grande Loja Regular ou por três ou mais lojas particulares, se cada uma delas tenha sido legitimada por uma Grande Loja regular.
2 – Deve ser verdadeiramente independente e autônoma e manter a autoridade incontestável sobre a Maçonaria base (ou seja, os graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre) dentro da sua jurisdição, e não sob a dependência, nem compartilhar seu poder de maneira alguma com um outro corpo maçônico.
3 – Os maçons sob a sua jurisdição devem acreditar em um Ser Supremo.
4 – Todos os maçons sob a sua jurisdição, devem tomar as suas obrigações, sobre ou em plena vista do Livro da Lei Sagrada (a Bíblia) ou sobre o livro que o candidato considere como sagrado.
5 – As três grandes luzes da Maçonaria (que são o Livro da Lei Sagrada, o Esquadro e Compasso) devem estar expostos quando a Grande Loja ou suas lojas subordinadas forem abertas.
6 – Discussões políticas e religiosas devem ser proibidas em suas lojas.
7 – Devem aderir aos princípios estabelecidos (os Antigos Landmarks) e os costumes do Ofício e insistir para que eles sejam observados dentro de suas lojas.
Conclusão
A motivação do texto acima é trazer informações sobre como a Inglaterra parametriza as questões de regularidade maçônica e assim cada um possa tirar sua própria conclusão sobre as obediências maçônicas brasileiras, se estas trabalham de modo regular ou não. E ainda, afastar invenções criadas por membros que possuem uma intenção separatista, de modo a criar desavenças. No artigo 5º do Aims and Relationships of the Craft (1938) diz que “é estritamente proibido de admitir qualquer ato que possa ter tendência a subverter a paz e a boa ordem da sociedade”.
Um ponto a observar é que a regularidade de trabalho não é o mesmo que reconhecimento com a Inglaterra, que é um processo mais complexo, principalmente quando há mais de uma obediência maçônica trabalhando em conjunto no país. Mas este ponto não vamos comentar pois já foi incansavelmente debatido pelos meios comunicação utilizado pelos maçons brasileiros.
8 de março de 2017
LucianoRodrigues
Reconhecimento, Regularidade