Por que e como nos tornamos tão ricos? Aparentemente, ninguém sabe

Gary North
4 nov 2019

 

Mas uma tentativa de resposta passa por holandeses, escoceses e judeus

Por que somos tão ricos?

Considero esta a mais importante pergunta histórica que pode, de maneira concebível, ser respondida por meio de um apelo a evidências que sejam aceitáveis para historiadores.

O mundo no qual vivemos hoje é irreconhecível quando comparado ao mundo de 1800.  Praticamente nada permaneceu igual. Esta evolução foi resultado de uma taxa de crescimento contínua de 2,5% ao ano, de 1800 a 1930, e de 2% ao ano desde 1950.

Isso mostra o que pode ser alcançado quando, para utilizar uma linguagem matemática, atingimos uma “taxa de capitalização composta” de crescimento. Ninguém sabe ao certo como foi que conseguimos chegar a um arranjo que permite essa taxa de capitalização composta de crescimento. Exatamente por isso esta é uma pergunta tão crucial.

Uma resposta que já foi aventada, mas que ainda não foi comprovada, é a da professora Deirdre McCloskey, que sugeriu que houve uma mudança na atitude das pessoas em relação ao empreendedorismo e ao sucesso empresarial na Holanda do século XVII. O argumento soa plausível, mas enquanto o terceiro volume do livro da Dra. McCloskey sobre a cultura burguesa não for publicado (ver o primeiro e o segundo), este argumento será meramente uma sugestão.

Mas a história sempre se repete: dos holandeses aos judeus, passando pelos escoceses

Ao longo de toda a história humana, de tempos em tempos, um grupo que até então não usufruía nenhuma vantagem específica sobre nenhum outro grupo repentinamente dá um salto para a frente e passa a se sobressair em relação a todos os demais. Ninguém sabe por que isso acontece ou como isso acontece. Mas o fato é que acontece.

Peguemos o exemplo da Holanda. Era um país minúsculo que foi totalmente criado pela engenharia. Por se situarem abaixo do nível do mar, os holandeses criaram diques para barrar o Mar do Norte e manter suas terras secas. O país literalmente cresceu à custa do oceano. Não conheço nenhum outro país que tenha feito isso em toda a história humana.

Em 1568, os protestantes se revoltaram contra o controle espanhol do país. Este conflito, a Guerra dos Oitenta Anos, durou mais de uma geração. Os líderes desta revolta eram majoritariamente calvinistas. O calvinismo se difundiu pela cultura holandesa no início do século XVII. Esta foi a grande mudança cultural que ocorreu durante todo este período. De acordo com McCloskey, houve uma mudança de atitude em relação ao empreendedorismo e à riqueza em geral.

Ao mesmo tempo, houve uma quase-revolução na pintura. Os pintores holandeses se tornaram famosos por toda a Europa. E então houve uma expansão do império marítimo holandês. Os holandeses se espalharam por todo o globo. Eles estabeleceram um enorme enclave na América do Norte, na região em que hoje está a cidade de Nova York. Naquela época, a cidade era chamada de Nova Amsterdã.

O império holandês se espalhou também para a costa oeste da Índia e depois para a Indonésia. Os britânicos e os holandeses travaram uma guerra em meados do século XVII, quando ambas as nações eram lideradas por calvinistas. Foi uma guerra para delimitar impérios.

No final do século XVII, a Escócia era conhecida apenas pelos rigores de seu clima, por sua paisagem e por sua teologia calvinista. A produção de algodão vinha ocorrendo há séculos, mas a Escócia continuava sendo um país atrasado. E então, sem nenhum aviso, os escoceses começaram a dominar o pensamento europeu.

Adam Smith chegou atrasado nesse processo. Antes dele houve Francis Hutcheson.  Houve Lord Kames na área do direito. Houve o poderoso intelecto de David Hume. Houve Adam Ferguson na teoria social. O pensamento social nas ilhas britânicas e na América do Norte passou ter uma orientação crescentemente escocesa.

E então, no século XIX, os escoceses começaram a dominar a indústria. Começou com James Watt e sua máquina a vapor. Isso foi expandido, nos anos 1820, para uma nova invenção: as ferrovias com locomotivas a vapor. E então vieram as estradas macadamizadas, assim chamadas em homenagem ao engenheiro escocês John Loudon McAdam.  Depois surgiram as ceifadeiras, criadas por Cyrus McCormick, e as siderúrgicas, criadas por Andrew Carnegie. Ambos eram escoceses que viviam nos EUA. Há um excelente livro sobre este processo, escrito por Arthur Herman: How the Scots Invented the Modern World: The True Story of How Western Europe’s Poorest Nation Created Our World & Everything in It.

Mais tarde, no início do século XX, os escoceses foram substituídos pelos judeus. Estamos vivendo, como disse um livro recente, no século dos judeus. Nas áreas da ciência, da matemática, da teoria econômica, do entretenimento, do investimento e aparentemente de tudo o mais, exceto na agricultura, os judeus se tornaram dominantes. Sua influência é totalmente desproporcional à sua quantidade.

O problema é que parece não haver nenhuma explicação consistente para essas idas e vindas das pessoas. No caso dos holandeses e dos escoceses, havia de início uma forte dedicação ao calvinismo, mas isso só foi gerar efeitos econômicos muito tempo depois. No caso da Escócia, foram escoceses secularizados que fizeram as grandes contribuições, e não os calvinistas. Um fenômeno similar ocorreu entre os judeus.

O processo de liberalização do judaísmo ocorreu no início do século XIX. Os judeus que fizeram grandes contribuições foram judeus seculares. Calvinistas ortodoxos e judeus ortodoxos parecem não possuir nenhuma vantagem específica sobre as outras culturas. Até hoje não encontrei nenhuma explicação para esta sequência: ortodoxia, secularização, sucesso. Mas ela claramente existe, e existe fortemente entre os holandeses, os escoceses, e os judeus.

Coreanos e chineses, o mesmo fenômeno

De certa forma, a Coréia do Sul é outro exemplo.

O presbiterianismo tem sido muito forte na Coréia do Sul, tendo começado no início do século XX. Tal religião tem sido uma influência por lá, mas é difícil saber qual exatamente tem sido essa influência.

Em 1950, a Coréia do Sul era uma nação extremamente pobre, quase tão pobre quanto uma colônia na África subsaariana. Hoje, a Coréia do Sul é uma das nações mais ricas do mundo.

Similarmente, a China também passou por esse tipo de transformação. Mao primeiro transformou os chineses em comunistas ortodoxos, e então tentou reestruturar toda a ordem social em termos do marxismo-leninismo. No entanto, quando Deng Xiaoping liberalizou a agricultura, em 1978, isso gerou uma completa transformação da economia chinesa. A China se tornou o país continental com o mais acelerado e duradouro crescimento da história do homem.  Ela era miserável sob a velha ideologia; quando a ideologia foi removida, a taxa de crescimento disparou.

Estes são apenas palpites daquilo que creio ser uma teoria de causalidade econômica. Creio que tem algo a ver com a autodisciplina e com uma orientação mais voltada para o longo prazo, características associadas a uma ideologia revolucionária. O calvinismo era uma ideologia assim. O comunismo também era uma ideologia assim. Ambas alteraram a visão das pessoas em relação a Deus, ao homem, às leis, às causalidades, e ao futuro. Foi assim com o calvinismo; foi assim com o comunismo.

E então, quando a ideologia foi abandonada, a visão de mundo continuou a influenciar o comportamento das pessoas. A doutrina a respeito de Deus muda, mas a doutrina a respeito do homem ser um desbravador e a doutrina da orientação para o longo prazo permaneceram praticamente a mesma todo esse tempo. O otimismo associado ao triunfo do reino na história, seja o reino de Deus ou o reino do homem, era assumido pela geração que se seguia ao colapso da ideologia mais velha. O otimismo era conservado e o comprometimento para com a construção do reino era mantido, mas o objetivo final foi alterado: em vez de paraíso na terra, crescimento incessante a taxas compostas.

Tal tipo de crescimento cria aquilo que teria sido considerado pelos fundadores das velhas ideologias como sendo o paraíso econômico na terra.

No final, tudo passa pela mentalidade

Os homens têm de acreditar que aquilo que eles fazem como indivíduos irá fazer alguma diferença no futuro. Eles têm de acreditar que deixarão algum legado. Eles têm de acreditar em alguma forma de crescimento a taxas compostas. Se eles não acreditarem nisso, então o incentivo para se construir um futuro melhor é mínimo. A filosofia passa a ser: coma, beba e seja feliz, pois amanhã estaremos mortos. Isso sempre leva à estagnação.

Se o Ocidente conseguirá manter seu alto crescimento econômico em face dos desafios impostos pela Ásia é uma das principais perguntas da atualidade. Na Europa Ocidental, parece ter havido uma perda de esperança no futuro. Esse pessimismo ainda não se difundiu pelos EUA, algo que permite ao país manter uma tremenda vantagem. Mas o otimismo é mais óbvio na China. Isso tem produzido níveis de comprometimento e entrega nunca antes vistos na história chinesa. Os cidadãos de lá realmente acreditam que podem enriquecer, e então passam a trabalhar visando a este fim. Isso gera um extraordinário incentivo para a poupança, para o empreendedorismo, para o trabalho duro, e para o desenvolvimento de novos produtos. A visão de mundo dos cidadãos chineses mais jovens não é a mesma da de seus pais quando estes tinham a mesma idade. Isso fez uma enorme diferença na China.

Não estou convencido de que o sistema educacional do Ocidente ainda mantém aquele velho otimismo que era tão comum décadas atrás. Creio que aquele otimismo está desaparecendo. Isso terá repercussões de longo prazo, majoritariamente negativas, na ordem social ocidental. Ainda há muito otimismo remanescente, mas ele tem de ser alimentado pela geração mais velha, de modo que a geração mais nova se sinta estimulada e impelida a se comprometer e a se entregar.

Se essa mentalidade definhar, o século do Ocidente irá finalmente chegar ao fim. ,

 

Gary North

é Ph.D. em história, ex-membro adjunto do Mises Institute, e autor de vários livros sobre economia, ética, história e cristianismo. Visite seu website

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