Concepção de educação em Platão, processo de construção do Estado na obra A República, papel da educação e sua relevância na formação de uma comunidade ideal alternativa.
RESUMO
Este artigo faz uma análise da concepção de educação em Platão, tendo como ponto de referência o processo de construção do Estado (Polis) na obra A República. O texto, num primeiro momento, apresenta o papel da educação e sua relevância na formação de uma comunidade ideal alternativa. Numa outra perspectiva, delineamos os principais pontos da pedagogia platônica associada à política, de modo a refletir como Platão forneceu os fundamentos para a sistematização da educação e as bases filosóficas do ensino.
Palavras-chave: Educação, Platão, Política, Estado.
ABSTRACT
This article makes an analysis of the conception of education in Platão, having as control point the process of construction of the State (You polish) in the workmanship the Republic. The text, at a first moment, presents the paper of the education and its relevance in the formation of an alternative ideal community. In one another perspective, we delineate the main points of the platonic pedagogia associated the politics, in order to reflect as Platão supplied to the beddings the systematization of the education and the philosophical bases of education.
Word-key: Education, Platão, Politics, State
O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a concepção de educação em Platão, a partir da construção do estado ideal. As análises concentram-se nos diálogos descritos em suas obras, em particular na A República e, tem como fio condutor o método histórico dialético. As questões relativas ao processo de formação do Estado ideal e do sistema educacional, estão alicerçadas teoricamente nas categorias analíticas formação da polis, democracia e conhecimento. De acordo com o objeto proposto, ou seja, reflexão sobre educação em Platão, inicialmente devemos entender o contexto em que se processam os diálogos de Platão. Oriundo de uma família aristocrática de Atenas, Platão nasceu por volta de 427 aC. E morreu em 344 aC. Platão descendia do grande legislador Sólon e era parente Cádimes e Crítias[2], tiranos que assumiram o poder em Atenas. No modelo aristocrático ateniense, o governo era exercido diretamente pelos cidadãos reunidos na assembléia. No entanto, eram considerados cidadãos os homens livres e nascidos na cidade. Os estrangeiros, as mulheres e os escravos não tinham direitos de cidadania e, assim, excluídos da Assembléia.
Ainda jovem Platão se interessou pelos assuntos políticos e consolida seu projeto através da aproximação com Sócrates. O caminho percorrido por Sócrates fundamentava-se no diálogo bem conduzido. Esta condução estava estruturada em demolir as opiniões frágeis e enganosas, as noções equivocadas, isto é, auxiliar aqueles quês e dispunham ao esforço de conhecer, após admitirem a própria ignorância. Assim, Platão redefinia suas propostas políticas, levando-se em consideração a política justa feita com ciência, com ética e através de uma base pedagógica sólida. Seguindo essa linha de raciocínio explicita Pessanha:
Compreende que o desejo de atuar politicamente deve passar primeiro por um processo iluminador e purificador do tipo socrático. Antes de agir, é necessário ter consciência da finalidade da ação. Para agir com retidão e justeza, é preciso, antes, saber o que é justiça ; saber o que é essa medida padrão, essa justa medida capaz de medir as ações morais ou políticas, individuais ou coletivas, e revelar se elas são realmente justas… (PESSANHA, 2004:53)
Segundo Platão, os seres humanos e a polis possuem a mesma estrutura. Os humanos são dotados de três almas ou três princípios de atividade:
ALMA CONCUPISCENTE |
Satisfação das necessidades do corpo |
ALMA IRASCÍVEL/COLÉRICA | Defender o corpo contra as agressões
· Homem · Meio ambiente Agressividade Reage a dor na proteção da vida |
ALMA RACIONAL | Conhecimento na forma de opiniões e percepções
Experiência Na forma de idéias verdadeiras |
Desta forma, na concepção de Platão, o homem justo é aquele cuja alma racional (pensamento e vontade) é mais forte do que as outras duas almas, impondo à concupiscente a virtude da temperança ou moderação, e à colérica a virtude da coragem, que deve controlar a concupiscência. O homem justo, no entender de Platão, é o homem virtuoso, onde prevalece o domínio racional sobre o desejo e a cólera.
HOMEM JUSTO
ALMA RACIONAL
ALMA CONCUPISCENTE ALMA COLÉRICA |
O homem injusto é aquele cuja alma concupiscente é mais forte e prevalece sobre a alma colérica e a alma racional
HOMEM INJUSTO
ALMA CONCUPISCENTE
ALMA RACIONAL ALMA COLÉRICA |
Assim, a justiça ética e a hierarquia das almas, a racional superior, que domina as inferiores. Numa passagem Platão introduz sua exposição:
“- por ventura o elemento que impede tais atos não provém, quando existe, do raciocínio, ao passo que o que impele a arrasta deriva de estados especiais e mórbidos?
– Acho que sim?
– Não é, portanto, sem razão que consideremos que são dois elementos, distintos um do outro, chamando aquele pelo qual ela raciocina, o elemento racional da alma, e aquele pelo qual ama, tem fome e sede e esvoaça em volta dos outros desejos, o elemento irracional e da concupiscência, companheiro de certas satisfações e desejos.
– Não é natural que pensemos assim?
– Por conseguinte – prossegui eu -, vamos distinguir na alma a presença destes dois elementos. Porém o da irratamos, será u terceiro, ou da mesma natureza de algum destes dois?
– Talvez seja da do segundo, o da concupiscência”. ( A REPÚBLICA: 439d)
E continua:
– Entendes perfeitamente o que eu quero dizer, mas, além disso, vais pensar ainda neste ponto.
– Qual?
– Que relativamente ao elemento irascível, é o contrário do que nos parecia há pouco. De fato, julgávamos então que se aproximava do elemento da concupiscência, ao passo que agora afirmamos que está muito, longe disso; de preferência, toma armas pela razão, quando há lutas na lama.
– Exatamente.
– Porventura, será diferente da razão, ou qualquer das suas formas, de maneira que haverá na alma, não três, mas dois elementos, o racional e o concupiscível? Ou tal como, na cidade, esta se compunha de três classes: a negociante, a auxiliar e a deliberativa; também na alma a terceira servia este elemento irascível, auxiliar do racional por natureza, quando não foi corrompido por má educação? (A REPÚBLICA:440c/d)
Seguindo essa linha de raciocínio, as formas tipificadas por Platão estão associadas as particularidades morais, ou seja, os vícios e as virtudes das classes dirigentes. A polis, também possui uma estrutura tripartite, formada por três classes sociais:
CLASSE MILITAR |
CLASSE DOS MAGISTRADOS |
Proprietários de terra, artesão e comerciantes |
Garante a sobrevivência material da sociedade |
Guerreiros |
Responsável pela defesa da cidade |
Sábios, Legisladores |
Garante o governo da cidade sob as leis |
CLASSE ECONÔMICA |
Os sábios legisladores devem, governar a polis pela sua sapiência, os militares subordinados aos legisladores, devem defender a cidade. Quanto aos membros da classe econômica, também subordinados aos legisladores, devem assegurar a sobrevivência da polis. Neste sentido, Platão apresenta quatro formas de governos corrompidos, tendo como ponto de referência a constituição de Estado Ideal – a Aristocracia. Aqui, vale destacar Bobbio:
Em substância, Platão também aceita que haja formas de governo; destas, porém, reserva duas para a constituição ideal e quatro para as formas reais que se afastam, em grau maior ou menor, da forma ideal. Das quatro constituições corrompidas, a segunda, a terceira e a quarta correspondem exatamente às formas corrompidas das tipologias tradicionais – a Oligarquia corresponde à forma corrompida da Aristocracia, a democracia à “Politéia” (como Aristóteles chamará o governo do povo na sua forma pura), a tirania à monarquia. (BOBBIO, 2000: 47)
É preciso afirmar, ainda, no entendimento de Platão, não existe uma alternância, mas uma decadência natural até chegar ao extremo. Conforme sua tipologia, a timocracia é a degeneração da aristocracia, a oligarquia é a corrupção da timocracia. O último elo da cadeia é a tirania, na qual o processo degenerativo chega ao ponto máximo. A propósito, leia-se esta passagem:
– Não será difícil saberes. Aquelas a que me refiro têm nome, a saber: a constituição, tão elogiada por muita gente, de Creta, e da Lacedemônia: a segunda, e também e elogiada em segundo lugar, chamada oligarquia, que é um estado repleto de males sem conta; a seguir vem aquela que lhe é oposta, a democracia; e a altaneira tirania, antagônica a todas estas, que é a quarta e última das enfermidades do Estado. (A REPÚBLICA:544a)
Entende-se, na lógica de Platão, a cidade justa deve ser governada e administrada pelos filósofos e pelos homens da ciência. Cada classe cumprirá sua função para o bem da polis. A polis injusta é aquela na qual o governo está nas mãos dos proprietários e, naturalmente não pensam no bem comum da cidade e, sem dúvida alguma, lutarão para preservar seus interesses econômicos particulares, ou nos militares que levarão a cidade em estado de guerra constante para contemplar e vislumbrar desejos particulares de honra e glória. Vejamos como comentam os interlocutores no livro IV:
– e deste modo se concordará que a posse do que pertence a cada um e a execução do que lhe compete constituem a justiça.
– sim.
– Ora vê-la se pensas o mesmo que eu. Se um carpinteiro experimentar fazer o trabalho de um sapateiro, ou um sapateiro o de um carpinteiro, trocando os utensílios respectivos ou salários, ou se o mesmo homem tentar exercer ambos os ofícios, ou se fizerem as outras mudanças, por ventura achas que o fato causará grande prejuízo á cidade?
– De modo algum – Respondeu.
– Mas, quando, penso eu, um homem for, de acordo com a sua natureza, um artífice ou negociante qualquer, e depois, exaltado pela sua riqueza, pela multidão, pela força ou qualquer atributo deste gênero, tentar passar para a classe dos guerreiros para a dos chefes e guardiões, sendo indigno disso, e forem esses que permitem entre si instrumentos e honrarias, ou quando o mesmo homem tentar exercer estes cargos todos ao mesmo tempo, nesse caso penso que também achar´[as que esta mudança e confusão serão a ruína da cidade.
– Absolutamente.
– Logo, a confusão e mudanças destas três classes uma para outras seria o maior dos prejuízos para a cidade e com razão se poderia classificar de maior dos danos.
– Inteiramente.
– O maior dos danos para co0m sua cidade, não dirás que é injustiça.
– Como não.
– Por conseguinte, é isso a injustiça. E agora digamos a inversa: se a classe dos negociantes, auxiliares e guardiões se ocupar das suas próprias tarefas, executando cada um deles o que lhe compete na cidade, não se verificaria o contrário do caso anterior, a existência da justiça, e isso não tornaria a cidade justa. (A REPÚBLICA, 433e/434c).
Como vimos no diálogo de Sócrates e seus interlocutores, a discussão sobre a concepção de justiça gira em torno de uma cidade justa, uma cidade ideal. A partir dessa construção, os interlocutores se deparam com uma questão crucial, a necessidade de um guerreiro guardião da cidade. Daí, o mérito de educá-lo e instruí-lo. Como o nosso propósito é refletir sobre educação em Platão, cumpriremos o nosso intuito de estabelecer uma relação com o Estado, bastante evidente em Platão. Historicamente, o processo de formação da polis e da democracia estão intimamente relacionados aos mecanismos da aproximação dos cidadãos e de fortalecimento da sociedade, uma vez que, a educação era necessária ao êxito dos cidadãos na participação dos discursos relacionados a polis. Assim, discursar com êxito, surgiu com a democracia e, consequentemente, o surgimento de uma classe de pessoas inclinadas a ensinar -, os chamados sofistas. Platão, por sua vez, considerava a prática dos sofistas absurda, pois considerava os sofistas verdadeiros corruptores da juventude, alicerçados no princípio da justiça como a vantagem do mais forte.
Platão promulgava que a educação tinha o objetivo final de formar moralmente o homem para viver em estado justo. Rejeitava e educação grega praticada pelos sofistas que eram encarregados de transmitir conhecimentos técnicos, principalmente de oratória, para os jovens da elite, que deveriam se tornar aptos para ocupar as funções públicas. A este respeito, convém destacar a seguinte passagem:
– É nossa função, portanto, forçar os habitantes mais bem dotados a voltar-se para a ciência que atualmente dissemos ser a maior, a ver o bem e a empreender aquesa ascensão e, ver uma vez que a tenham realizado e contemplado suficientemente o bem, não lhes autorizar o que agora e autorizado.
– O que
– Permanecer lá e não querer descer novamente para juntos daqueles prisioneiros nem partilhar dos trabalhos e honrarias que entre eles existem, quer sejam modestos, quer elevados.
– Quê? Vamos cometer contra eles a injustiça os fazer levar uma vida inferior, quando lhes era possível ter melhor.
– Esquece-te novamente, meu amigo, que à lei não importa que uma classe qualquer da cidade passe excepcionalmente bem, mas que isso aconteça à totalidade dos cidadãos harmonizando-os pela persuasão ou pela coação, e fazendo com que partilhem uns com os outros do auxílio que cada um deles possa prestar à comunidade; ao criar homens destes na cidade, a lei não o faz para deixar que cada um se volte para a atividade que lhe aprouver, mas por tirar partido dele para a união da cidade.
– É verdade, tinha-me esquecido, realmente.
– Repara ainda, Glauco, que não causaremos prejuízos aos filósofos que tiveram aparecido entre nós, mas teremos boas razões para lhes apresentar, por os forçamos a cuidar dos outros e a guardá-los. (A REPÚBLICA: 519ª/520ª)
Assim, os sofistas advogavam a tese que podiam defender igualmente teses contrárias, dependendo dos interesses em jogo. Platão pensava em termos de uma busca continuada da virtude, isto é, toda virtude é conhecimento e como somente ao homem virtuoso era dado conhecer o bem e o belo, a busca pela virtude deveria prosseguir pela vida inteira. Seguindo esta orientação, a concepção platônica, a educação não poderia se restringir apenas aos anos da juventude.
Platão defendia que toda educação era de responsabilidade estatal e, ainda, reivindicava o acesso universal à educação e a mesma instrução para meninos e meninas. Platão defendia essas idéias por ser opositor ao sistema democrático que vigorava em Atenas, principalmente porque ele dava poder a pessoas despreparadas para governar.
Considerando este ponto de vista, a argumentação do sistema educacional platônico constrói-se na renúncia do indivíduo a favor da comunidade e o processo educacional, muito embora longo, deveria revelar o talento e o gênio. Neste sentido, a educação, na ótica de Platão, teria que testar as aptidões dos alunos para que os revelassem tendências ao conhecimento e recebessem a formação completa para serem governantes. Segundo o filósofo, a formação dos cidadãos começaria antes mesmo do nascimento, pelo planejamento eugênico da procriação que se baseia em condições que favoreçam a reprodução e melhoria da raça humana. Assim, vejamos:
– Dessa maneira, parece que as coisas não serão menos certa em questões de casamento e procriação.
– Como assim?
– É preciso, de acordo com o que estabelecemos, que os homens superiores se encontrem com as mulheres superiores, e inversamente, os inferiores com as inferiores, e que se crie a descendência daqueles, e a destes não, se queremos que o rebanho se eleve às alturas; e que tudo isto se faça na ignorância de todos, exceto dos próprios chefes, a fim de a grei dos guardiões estar, tanto quanto possível, isenta de dissensões. (A REPÚBLICA: 459C)
E, continua,
– Devem fazer-se tiragens á sorte engenhosas, de modo que o homem inferior acuse, em cada união, a sorte, e não os chefes.
– Muito bem o Concordou ele.
– E aquele dentre os jovens que forem valentes no combate ou em qualquer outro lugar deve dar-se-lhes, entre outras honrarias e prêmios, uma liberdade mais ampla de se unirem às mulheres, a fim de que haja pretexto para se gerar o maior númerro possível de filhos de homens dessa qualidade.
– Está certo.
– Tomarão conta das crianças que forem nascendo as autoridades para esse fim constituídas, quer sejam homens ou mulheres, ou uns e outros, uma vez que os postos de comando são comuns a homens e mulheres.
– Sim.
– Pegarão então nos filhos dos homens superiores, e levá-los-ao num lugar para a aprisco, para junto de mas que moram a parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores e qualquer dos outros que sejam disforme, escondê-los-ao num lugar interdito e oculto, como convém.
-… Se, realmente, queremos que a raça dos guardiões se mantenha pura. (A REPÚBLICA:460b)
O modelo educacional apresentado por Platão se inicia por uma estruturada formação básica que evolui até elevados estudos filosóficos, levando-se em consideração ainda, que se indivíduos especialmente dotados poderiam chegar à filosofia. A educação básica ou educação preparatória, tinha a função de desenvolver a harmonia do corpo e do espírito: para o implemento da fase preparatória, as crianças deveriam ser tiradas dos pais e enviadas para o campo, em função à influência corruptora dos familiares.
Nos primeiros anos de vida, considerando a faixa etária dos três aos seis anos, as crianças deveriam participar em jogos educativos, em jardins especialmente concebidos para ela. Platão rejeitava à ginástica (Gymnastikê) com caráter de competição. No seu entender, a ginástica seria constituídas de exercícios de caráter militar e num extenso programas de jogos, tais como a luta, as corridas a pé, os combates de esgrima, os combates de infantaria, o arremesso de flecha com arco. A ginástica seria iniciada neste nível elementar e continuaria até a idade adulta. Muito embora, o seu caráter militar, a finalidade da ginástica não era alcançar a forma física de um atleta e sim, contribuir para a formação do caráter e da personalidade. Platão considerava que os homens que se dedicavam exclusivamente à ginástica, acabavam por se tornar insensíveis à cultura. Assim, até aos dez anos, e educação seria predominantemente física.
No ciclo entre 10 e os 13 anos, a criança deveria aprender a ler e a escrever para, em seguida, iniciar os estudos dos autores clássicos, incluindo a poesia e a prosa. Em seguida, no período dos 13 aos 16 anos, começaria a etapa da educação musical. Para Platão, a pessoa educada pela música, desenvolve seu espírito e o desejo de satisfação pelo belo e de repugnância pelo feio. A música, desta feita, contribui para a formação harmoniosa da alma e, ao mesmo tempo contribui para se aprender harmonia e ritmo, saberes que criariam uma propensão a justiça. Segundo Platão, a música abriria caminho para os conteúdos de matemática, história e ciência. O estudo das matemáticas deveria encontrar em todos os níveis, sendo aprofundado a partir dos 16 anos e prolongados nos estudos superiores.
Por imposição do serviço militar, aos 17 e aos 18 anos, os jovens são obrigados a interromper os estudos intelectuais por dois ou três anos. Para este fato atentamos para o seguinte diálogo:
– Não te lembra que afirmamos que era preciso levar as crianças ao combate, para observarem de cima os cavalos, e que, se houvesse condições de segurança, se deviam aproximar e provar o sangue, como os cães.
– Lembro-me.
– Em todas as ocasiões, trabalhos, estudos e recreios, aqueles que se mostrar sempre mais ágil, deves pó-lo num grupo à partye.
– Em que idade? Perguntou ele.
– Na idade em que abandonam os exercícios de ginástica obrigatória, porquanto nesse período de tempo, quer seja de dois, quer de três anos, é impossível fazer qualquer outra coisa. É que a fadiga e o sono são os inimigos do estudo. Ao mesmo tempo, esta é uma prova e não dos menores, para saber quem é que brilha na ginástica. (A REPÚBLICA: 537a)
Considerando o aprendizado do serviço militar, aos 20 anos, os jovens seriam submetidos a um teste para saber a que carreira abraçar. Os aprovados. Isto é, os mais dotados iniciariam os estudos superiores, mas não diretamente para a filosofia. Receberiam mais dez anos de instrução e treinamento para o corpo, a mente e o caráter e, somente aos trinta anos , no fim de um ciclo de matemáticas e depois de uma última seleção, se inicia o método propriamente filosófico, a dialética, discussão do problema do bem e do mal, do justo e do injusto, caminho para o conhecimento e a verdade. Neste sentido, sintetizamos o seguinte diálogo:
– Depois desse período, os que forem escolhidos, de entre os que completarem vinte anos, terão honras mais elevadas do que os outros, e apresentar-se-lhes-ao em conjuntos os estudos feitos à mistura na infância, para verem o parentesco dos estudos uns com os outros e com a natureza do ser.
– Só esse aprendizado permanecerá solidamente naqueles em que se fizer.
– É também a melhor prova para saber se uma natureza é dialética ou não, porque quem for capaz de ter uma vista de conjunto é dialético; quem não for não é. (A REPÚBLICA: 537ª)
Quanto aos jovens reprovados, os mais dotados, conforme Platão eram destinados ao exército. Numa segunda seleção, posteriormente, a maioria dos jovens eram encaminhada para diversas profissões e ofícios civis.
Aos 35 anos os jovens estarão na plena posse deste instrumento, o único que conduz à verdade. Os que chegarem a esta fase devem ser capazes de ultrapassar a percepção dos sentidos e penetrar o próprio ser. Em seguida, o homem já preparado, deverias viver em sociedade durante quinze anos para adquirir experiência e testar seus conhecimentos entre os homens comuns e demonstrar a capacidade de trabalhar para se sustentar. Assim, aos cinqüenta anos, estará completa sua educação, se tiver sobrevivido e superado todas as provas. Os que fossem bem sucedidos se tornariam governantes ou guardiões do Estado, não como honra, mas como dever. Sintetizando o processo, merece destaque o diálogo seguinte:
– Para aprender a dialética, basta permanecer com continuidade e aplicação, sem fazer mais nada, por analogia com os exercícios de ginástica que diziam respeito ao corpo, o dobro dos cinco anos daquele aprendizado?
– Queres dizer seis anos ou quatro?
– Vamos lá! Põe-lhe cinco! Depois disso, deves mandá-los descer novamente a tal caverna e forçá-los a exercer os comandos militares e quantos pertencem aos jovens, a fim de que não fiquem atrás dos outros, nem mesmo em experiência, e até nesses lugares têm de ser postos à prova, a ver se, solicitados em todos os sentidos, se mantém firmes ou se deixem abalar.
– E para isso, quanto tempo mais?
-Quinze anos – disse eu – Quando tiverem cinqüenta nos, os que sobreviverem e se tiverem evidenciado, em tudo e de toda maneira, no trabalho e na ciência, deverão ser já levados até o limite, e forçados a inclinar a luz radiosa da alma para contemplação do ser que dá a luz a todos as coisas. Depois de terem visto o bem em si, usá-lo-ao como paradigma, para ordenar a cidade, os particulares e a si mesmos, cada um por si vez, para o resto da vida, mas consagrando a maior parte dela à filosofia porém, quando chegar a vez deles, agüentarão os embates da política, e assumirão cada um deles a chefia do governo, por amor a cidade, fazendo assim, não porque é bonito, mas porque é necessário. Depois de terem ensinado continuamente outros assim, para serem com eles, e de os terem deixados como gaurdiões da cidade, na vez deles retirar-se-ao para habitar nas ilhas dos bem aventurados. (A REPÙBLICA: 559/540d)
Este plano elaborado por Platão absorve a vida por inteiro do cidadão e tem como objetivo único formar um pequeno grupo de governantes filósofos, com reais condições de assumir o controle do governo para o bem comum do Estado. No geral, todo sistema educativo de Platão se concentra na procura da verdade, cuja posse definirá o verdadeiro filósofo, bem como o verdadeiro político.
As nossas observações conclusivas evidenciam, conforme o nosso propósito, e sem nenhuma pretensão de esgotar as questões referentes a sua concepção de educação, o legado do pensamento do filósofo Platão para a humanidade. Platão destaca o bem comum como forma ideal e perfeita. Na busca pelo busca pelo bem, de forma incessante, o homem deveria percorrer, suplantando os percalços, o caminho do conhecimento, de forma a libertar o espírito humano das incertezas, erros e ilusões do senso comum (doxa). Essa busca levaria o homem ao ápice, ao mundo das idéias, da clareza e da verdade (epistéme). Em contato com a verdade, formado, o homem estaria apto para exercer, na sua plenitude, a cidadania e usar o conhecimento adquirido por um processo seletivo, em benefício do Estado (pólis).
A concepção de educação platônica é alvo de críticas não só pela sua postura idealista, como também pelo caráter elitista. Platão, parte do princípio, ponto de partida de seu ideário, que somente os sábios podem dirigir o Estado. Desta forma, a relação saber-poder, fundamentalmente estabelece, sem dívida alguma, uma conexão com o processo de uma escola excludente e os fundamentos da exclusão social. Porém, vale ressaltar a confiança que Platão depositou na educação, principalmente, no aspecto do processo de construção de uma elite dirigente. Somente a educação poderia criar homens dirigentes compromissados com o bem comum, ou seja, uma aristocracia descompromissada com a cobiça da riqueza.
Portanto, no conjunto de sua obra, mais de perto em A República, Platão constrói a idéia de uma comunidade alternativa contrapondo-se às comunidades existentes, com real destaque para a Educação. Por entre linhas, Platão se projeta como o primeiro pensador a se posicionar em favor do caráter público da educação, entregando ao poder estatal a responsabilidade não só de sua execução como também a formulação de seus pressupostos teóricos.
Referências bibliográficas
BOBBIO, Norberto (2000). A teoria das formas de governo. 10ª ed. Brasília: ed. UnB.
CHAUI, Marilena (2000). Convite à Filosofia. São Paulo: Martins Fontes.
JAEGER, Werner (1994). Paidéia, a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes.
PLATÃO, A república. In: Coleção Os Pensadores. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
PESSANHA, José Américo (2004). Platão e as idéias. In: Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação. Rio de Janeiro: Zahar.
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Ademir da Costa
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, Sociólogo e Licenciado em História. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil – UFS/UNICAMP – Núcleo de Pesquisa, Sociedade e Educação em Sergipe (NPSE) do departamento de Ciências Sociais, vinculado ao Programa de Mestrado. Membro da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), filiada ao International Standing Conference for the History of the Education (ISHE), presidida pelo Profº Dr. Dermeval Saviani da Unicamp. Membro e Pesquisador do GEINT/USP/PUCRS (Grupo de Estudos do Integralismo). Pesquisador do CNPq
[2] Diógenes Laércio afirma que sua ascendência recua até o grande Legislador Sólon, por parte de mãe. Vejamos sua geneologia. O ir,ao de Sólon, Diopides, era pai de Crítias. Não se deve confundir este crìtias com o sofista Crítias, filho de calaiscros (ou Calescros), que educou Sócrates na juventude. Este parente de Platão era um dos trinta tiranos, grupo criado para governar Atenas em 404 aC, após a vitória espartana na Guerra do Peloponeso. O líder Original desta comissão era Lisandro, que foi eleito por um pequeno grupo de cidadão atenienses sob a pressão do exército espartano, e incumbido de realizar reformas e elaborar uma nova constituição. Mas o grupo de colegiados, liderados por Crítias, implantou um regime de terror, no qual mais de 15000 cidadão morrera. A comissão dos trinta tiranos deposta um ano depois, em 403 ac. O tirano Crítias era pai de Calaiscros, que por sua vez era pai de Gaucon. Este aprece no famoso diálogoa de Platão “A República”, junto com admento. RIBEIRO JR., W.A. Platão. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Disponível em http://greciantiga.org/fil/fil03.asp. Data da consulta: 26.03.2007.
ORIGINAL
https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/estado-educacao-platao.htm