Leandro Roque
14 agosto de 2014
As notícias estão por todos os lados e já são conhecidas por todos: a atividade industrial está em queda há nada menos que quatro trimestres consecutivos. São quatro trimestres consecutivos de retração na atividade industrial.
Apenas em fevereiro de 2015, houve um tombo na produção de quase 9% em relação a fevereiro de 2014.
Para se ter uma ideia, em 12 meses, a quantidade de bens duráveis — mobiliário, aparelhos eletroeletrônicos, jóias e bijuterias, automóveis novos e usados, motocicleta e outros — produzidos pela indústria caiu 13,4%. Isso significa que há hoje 3,7% menos bens duráveis produzidos em território nacional e à disposição no mercado do que havia há 12 meses.
Uma das consequências desse mergulho da produção industrial é que o pessoal ocupado na indústria em fevereiro de 2015 recuou 3,4% em relação a fevereiro de 2014..
A narrativa de sempre
Até o momento, a explicação dada pela imprensa para essa queda da atividade industrial é bastante convencional.
Segundo os relatos, a inflação de preços em disparada estaria afetando o poder de compra das famílias, e esse efeito da carestia estaria sendo intensificado pelo elevado nível de endividamento das pessoas, que passaram a pagar mais caro pelo crédito em decorrência do aumento dos juros. Com o consumo mais fraco, os estoques do comércio aumentaram. Diante disso, os lojistas reduziram as encomendas à indústria, que então cortou a produção.
Simultaneamente, a indústria vem sofrendo com a política de aumento salarial do governo, com a falta de mão-de-obra qualificada, com o excesso de burocracia, com uma infraestrutura deficiente e com o excesso de impostos, o que faz com que as empresas já não mais consigam competir com os produtos importados.
Para piorar, a indústria também não estaria conseguindo competir no exterior porque o governo não faz acordos comerciais e transformou o Mercosul em um clube bolivariano.
Como cereja do bolo, em vez de conquistar a confiança do empresariado, incentivando os investimentos produtivos com regras consistentes, o governo preferiu intervir em contratos no setor elétrico, tirando qualquer previsibilidade sobre quanto custará a energia, item vital na planilha de custos da indústria.
Muito bem.
À exceção da parte que diz que a culpa é das importações — o Brasil é hoje a economia mais fechada do G-20, e também a mais fechada do mundo em termos de importação de bens e serviços como porcentagem do PIB —, o diagnóstico até está correto, mas ainda está incompleto.
Culpar o câmbio não cola
Em primeiro lugar, culpar o câmbio supostamente valorizado pelos problemas atuais da indústria é algo que não tem o menor sentido econômico. Veja o gráfico da cotação do câmbio. O câmbio está hoje quase 50% mais desvalorizado do que estava em meados de 2010, ano da indústria pujante.
Vale notar que o período do declínio industrial — a partir de meados de 2013 — coincide totalmente com o período da desvalorização cambial mais intensa (veja mais detalhes aqui). Ou seja, foi justamente no período em que o câmbio se comportou de maneira mais favorável às exportações — ao menos, segundo os economistas desenvolvimentistas —, que houve a queda na produção industrial.
Logo, culpar o câmbio não cola.
A real causa da desindustrialização
Descartado o câmbio, resta aos economistas entender que a derrocada da indústria brasileira possui outras raízes, as quais não poderão ser solucionadas com políticas paliativas e pacotes do governo.
Pode observar: em toda a sua história, a indústria nacional só não esteve ameaçada naqueles momentos em que o governo praticamente proibiu as importações e impôs uma reserva de mercado.
Portanto, fica a pergunta: quais os principais fatores que afetam o desempenho industrial?
São dois: a inflação monetária e os impostos sobre a renda da pessoa jurídica.
Antes de ir às explicações, duas outras perguntas complementares à resposta acima: por que é difícil encontrar países com histórico de inflação alta que possuam uma indústria robusta e eficiente? Da mesma maneira, por que são exatamente aqueles países com histórico de moeda sólida e baixa inflação que possuem indústrias eficientes e robustas?
E então, como a inflação e o imposto sobre a renda da pessoa jurídica atuam para prejudicar a indústria?
A inflação monetária — gerada pela expansão do crédito — aumenta a quantidade de dinheiro na economia. Esse aumento da quantidade de dinheiro na economia aumenta o volume de gastos das pessoas, aumenta o consumo e, consequentemente, aumenta os lucros nominais das empresas. Esse aumento dos lucros nominais faz, de um lado, com que as empresas vivenciem uma situação econômica que aparenta ser melhor do que na realidade é; de outro, faz com que o volume de impostos sobre a renda que elas têm de pagar aumente na mesma proporção.
Simultaneamente, a inflação monetária também encarece os preços dos bens de capital (máquinas), os preços das peças de reposição do maquinário, os preços da mão-de-obra e todos os demais custos operacionais (contas de luz, água, telefone, aluguel etc).
Ao final, as empresas, enganadas pelos falsos lucros gerados pela inflação, terão feito investimentos errôneos e, ao mesmo tempo, terão menos recursos (os quais foram confiscados pelos impostos) e terão de arcar com custos operacionais maiores, o que significa que houve uma redução na sua capacidade de investimento.
A inflação, portanto, gera um consumo de capital das empresas e afeta sua capacidade de investir e de aumentar sua produtividade.
Para entender como ocorre esse processo, são necessárias apenas algumas noções básicas de contabilidade.
Em primeiro lugar, para entender como a inflação cria uma aparência de lucros maiores, é necessário saber que, por uma questão de regra contábil, os custos que são computados nos balancetes das empresas são necessariamente “históricos”, representam gastos feito no passado. Ou seja, as despesas são computadas antes de as receitas serem auferidas. E é assim simplesmente porque a produção é um processo que ocorre ao longo de um período de tempo.
Mão-de-obra e bens de capital têm de ser comprados meses — ou até mesmo anos — antes de os produtos criados serem finalmente vendidos no mercado. Uma grande indústria, ao investir em máquinas novas e ao contratar mão-de-obra para produzir novos produtos, só irá auferir as receitas trazidas pela venda destes produtos muito tempo após este investimento. É comum o maquinário e as instalações serem adquiridos vários anos antes de sua contribuição para o processo de produção finalmente ocorrer.
Assim, os custos em que as empresas incorrem para produzir seus bens, e que são computados em seus balancetes, representam gastos monetários feitos com vários meses, ou anos, de antecedência. E não são corrigidos ao longo desse período — tanto porque não há como isso ocorrer quanto pelo fato de que maiores lucros valorizam ações e satisfazem acionistas.
Se a Volkswagen adquire hoje maquinários para produzir um novo modelo de carro que só chegará às ruas daqui a dois anos, os custos deste maquinário serão computados em seus balancetes hoje (entrarão como ativos, pois representam um investimento). Já as receitas com as vendas destes carros só serão auferidas daqui a dois anos.
Sendo assim, quanto maior for a inflação monetária entre o período em que foram feitos os investimentos e o período em que ocorrerá as vendas, maior será o lucro nominal desta operação.
Os investimentos foram feitos em uma época em que a quantidade de dinheiro na economia era menor, o que significa que os gastos com esses investimentos foram menores do que seriam caso fossem feitos hoje. Da mesma maneira, a receita com a venda dos produtos fabricados por estes investimentos estão ocorrendo em uma época em que a quantidade de dinheiro na economia é maior. As receitas são maiores do que seriam caso as vendas ocorressem no passado.
Ou seja, a inflação monetária ocorrida entre o momento dos investimentos e o momento da venda dos produtos faz com que o lucro nominal da indústria aumente: dado que os custos computados nos balancetes refletem despesas feitas lá no passado, esse aumento nas receitas gerado pela inflação monetária irá necessariamente aumentar os lucros da indústria.
Quais as consequências?
Imagine uma economia em que a inflação de preços seja zero e a alíquota do IRPJ seja de 35%.
Suponha que uma indústria tenha feito um investimento em mão-de-obra e maquinário de R$850 milhões. E suponha que sua receita bruta, ao final do ano, tenha sido de R$ 1 bilhão. Nesse caso, seu lucro nominal foi de R$ 150 milhões.
Com uma alíquota de 35%, os impostos que ela pagará serão de R$ 52,5 milhões, o que lhe deixará com R$ 97,50 milhões extras em caixa ao final do ano.
Como a inflação de preços é zero, tanto os custos operacionais quanto os preços dos materiais de reposição que ela terá de adquirir no ano seguinte não se alteram. Logo, nenhum centavo deste lucro terá de ser utilizado para arcar com eventuais custos adicionais para o ano seguinte, de modo que a empresa começará o ano com R$ 97,50 milhões extras e disponíveis para novos investimentos.
Agora, suponha que uma expansão do crédito ao longo do ano eleve as receitas desta indústria em 30% (embora pareça exagerado, o valor é equivalente ao IPCA acumulado ao longo dos últimos 4 anos).
Nesse caso, a indústria terá agora uma receita bruta anual de R$1,3 bilhão, mas seus custos operacionais computados continuarão sendo de R$ 850 milhões. Assim, seu lucro nominal será de R$ 450 milhões. Com uma alíquota de 35%, os impostos que ela pagará serão de R$ 157,50 milhões, o que lhe deixará com um lucro líquido de R$ 292,50 milhões.
Até aí, ela parece estar em melhor situação. Só que, por causa da expansão monetária, os preços e os custos também subiram (no nosso exemplo, 30%). Portanto, para o ano seguinte, todos os custos incorridos por esta indústria — compra de bens de capital (máquinas), compra de peças de reposição do maquinário, o salário da mão-de-obra e todas as demais despesas (contas de luz, água, telefone, aluguel etc) — subirão 30%, o que significa que uma fatia de seu lucro líquido terá de ser usada para bancar esse encarecimento.
No nosso exemplo, os custos operacionais subirão de R$ 850 milhões para R$ 1,105 bilhão (aumento de 30%), o que significa um encarecimento de R$ 255 milhões.
Para arcar com estes R$ 255 milhões adicionais, o dinheiro terá de ser retirado do lucro líquido da indústria (de R$ 292,50 milhões), o que a deixará com apenas R$ 37,50 milhões extras.
Ou seja, em relação ao primeiro cenário, além de ter menos dinheiro para futuros investimentos, a indústrias terá agora de lidar com uma economia cujos preços estão 30% maiores.
Eis um resumo:
Cenário 1 (inflação zero):
Receita: R$ 1 bilhão
Custos computados: R$ 850 milhões
Lucro nominal: R$ 150 milhões
Imposto de renda: R$ 52,50 milhões
Lucro líquido: R$ 97,5 milhões
Aumento dos custos no ano seguinte por causa da inflação: R$ 0
Fatia do lucro líquido a ser utilizada para bancar o aumento dos custos no ano seguinte: R$ 0
Capital extra disponível para futuros investimentos: R$ 97,5 milhões
Cenário 2 (inflação de 30%):
Receita: R$1,3 bilhão
Custos computados: R$850 milhões
Lucro nominal: R$ 450 milhões
Imposto de renda: R$ 157,50 milhões
Lucro líquido: R$ 292,50 milhões
Aumento dos custos no ano seguinte por causa da inflação: R$ 255 milhões
Fatia do lucro líquido a ser utilizada para bancar o aumento dos custos no ano seguinte: R$ 255 milhões
Capital extra disponível para novos investimentos: R$ 37,50 milhões (R$ 292,50 – R$ 255)
Ou seja, a inflação falsificou a contabilidade da empresa e gerou a ilusão de lucros elevados. Mas estes lucros elevados não apenas eram ilusórios, como na realidade deixaram a empresa com um poder de compra menor do que ela teria em um ambiente não-inflacionário.
Quanto maior for a inflação no período, maior será a ilusão contábil da empresa, e consequentemente menor será a sua capacidade de fazer novos investimentos no futuro.
O exemplo numérico acima ajuda a explicar por que é raro encontrar países com histórico de alta inflação que possuam uma indústria robusta e competitiva.
Da mesma maneira, ajuda a entender por que os países com histórico de moeda sólida e baixa inflação — como Suíça, Alemanha pós-1948 e Japão pós-guerra — possuem uma indústria forte, eficiente e produtiva.
Também ajuda a entender por que a China só firmou a sua base industrial após ter domado sua inflação a partir de meados da década de 1990. Processo idêntico ocorreu com a Coréia do Sul.
Consequências
A inflação, portanto, cria inicialmente um cenário de falsa prosperidade para a indústria, que imagina ter lucros maiores do que realmente possui. Essa ilusão de prosperidade faz com que a indústria faça investimentos que não são economicamente sensatos, mas que, por causa da contabilidade falsificada pela inflação, parecem fazer todo o sentido.
À medida que a inflação de preços vai encarecendo seus custos — em conjunto com outros fatores, como a subida dos juros, o maior endividamento dos consumidores, e o arrefecimento da demanda —, a situação da indústria começa a se reverter, e todo aquele bom momento inicial se revela insustentável.
Seus investimentos iniciais se revelam otimistas demais e sobre dimensionados, o que a leva a tomar medidas como redução de turnos, suspensão temporária de contratos, férias coletivas, redução das horas de trabalho e corte da produção. No extremo, há demissões e o fechamento de fábricas.
(Aqui vale um parêntese: uma eventual hesitação em recorrer a demissões é uma característica específica do setor industrial. Na indústria, a retenção de mão-de-obra costuma ser maior do que em outros setores porque o empregado industrial tende a ser mais qualificado e mais bem treinado do que os dos outros setores. Sendo assim, o custo de demissão é elevado — e, para contratar outra mão-de-obra novamente, há gastos com treinamento de pessoal na fábrica e em cursos bancados pela empresa.)
Quanto maior o histórico inflacionário de um país, mais obsoleta, atrasada e pouco produtiva é a sua indústria. Eventuais surtos de bonança são passageiros, e só ocorrem em épocas que sucedem períodos de inflação de preços mais baixa.
É por isso que não deveria ter sido surpresa nenhuma quando o próprio Ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges, veio a público confessar que a indústria brasileira está envelhecida 17 anos em média, e que os países mais diretamente concorrentes do Brasil contam com indústrias de 7 a 8 anos, na média. Na comparação com os EUA, a coisa piora; a produtividade brasileira é de apenas 20% da produtividade da indústria americana.
Com o nosso histórico inflacionário, realmente não tinha como a indústria nacional não estar envelhecida. E não tem como ela ser produtiva.
Infraestrutura também é afetada
Não é apenas a indústria. A inflação também afeta toda a infraestrutura estatal do país, de rodovias e ferrovias a portos e aeroportos.
À medida que a inflação monetária aumenta as receitas tributárias do governo, os políticos agem como se realmente possuíssem mais receitas, e saem expandindo os gastos do governo e concedendo aumentos ao funcionalismo, ignorando a necessidade de dedicar uma parte dessa receita adicional para a manutenção e o reparo dessas infraestruturas, cujos custos também aumentaram.
O resultado são estradas esburacadas, aeroportos saturados, ferrovias em frangalhos, portos com serviços extremamente lentos, túneis que desabam e sistema de saneamento ruim e pouco abrangente.
Conclusão
Durante a época da hiperinflação no Brasil, praticamente nenhuma indústria fazia planejamento de longo prazo, pois era impossível saber exatamente quais eram os custos reais e quais eram os lucros genuínos.
Após a estabilização da economia, a redução da inflação e a abertura dos mercados — o que permitiu a importação de maquinário de boa qualidade —, a indústria nacional ganhou algum vigor.
Entre 1999 e 2010, a inflação acumulada em qualquer período de quatro anos sempre foi menor do que a inflação acumulada no período de quatro anos imediatamente anterior. (Por exemplo, a inflação acumulada entre 2007 e 2010 foi menor do que a acumulada entre 2003 e 2006). A partir de 2011, no entanto, houve uma grave reversão desta tendência. E parece que essa reversão pegou a indústria de surpresa.
Qualquer tentativa de revigorar a indústria que não passe pela redução da inflação não terá nenhum efeito. E desvalorizar o câmbio, uma medida que gera ainda mais carestia, irá apenas piorar as coisas. (Aliás, isso já está acontecendo: nos últimos 3 anos, justamente o período de mais intensa desvalorização cambial, as exportações caíram continuamente, ano após ano).
Além do problema da inflação, eis uma pequena fatia da carga tributária que incide sobre a indústria nacional: IRPJ de 15%, mais uma sobretaxa de 10% sobre o lucro que ultrapassa um determinado valor, mais CSLL de 9%, mais PIS de 1,65%, e mais COFINS de 7,6%.
E não nos esqueçamos também da burocracia, das regulamentações restritivas, dos encargos trabalhistas e sociais, e dos sindicatos.
Sem que todos esses problemas sejam atacados, não haverá nenhuma solução minimamente viável. O encolhimento da indústria brasileira não será revertido por meio de medidas paliativas, por empréstimos do BNDES ou por sucessivos pacotes reciclados pelo governo. Se a inflação, a carga tributária, a burocracia e a infraestrutura (necessária para reduzir os custos operacionais e para escoar os bens produzidos) não forem atacados, a produtividade e a competitividade da indústria continuarão em declínio.
Por fim, é válido enfatizar que deixar indústrias obsoletas quebrarem é mais economicamente sensato do que tentar salvá-las com os paliativos de sempre, com mais subsídios, mais reservas de mercado, mais proteção cambial e mais tarifas de importação.
E isso nos leva às perguntas que realmente interessam: o país realmente tem a propensão para produzir coisas valiosas? É economicamente sensato tentar produzir todas as linhas de industrializados no Brasil, de panelas e pentes a navios e satélites? Por acaso cortar, entortar e rebitar ferro — tarefas que um xing-ling é capaz de executar a custos irrisórios — são coisas economicamente prementes para o país ou será que o governo quer que isso seja feito apenas para exibir estatísticas de produção industrial?
Tentar manipular o câmbio e proibir brasileiros de comprar produtos estrangeiros e de maior qualidade com o intuito de exibir estatísticas positivas para a balança comercial servirá apenas para inflar as contas bancárias dos barões da FIESP. Não podemos ser obrigados — por causa da incompetência do governo — a comprar porcarias fabricadas em solo nacional em detrimento de produtos de maior qualidade fabricados no exterior.
Leandro Roque
é editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.