Percival Puggina
05/04/2022
Cerca de 130 deputados federais trocaram de partido desde o início de fevereiro. Alguns se bandearam mais de uma vez nesse período. Poucas décadas atrás isso seria inconcebível. Os partidos tinham fisionomia própria e eram buscados por aqueles a quem fosse atrativa. Ali se estabeleciam relações de amizade, se formavam lideranças e se construíam carreiras políticas. Muitas filiações partidárias integravam um rito familiar porque os filhos acompanhavam os pais num encadeamento que refletia, de modo profundo ou superficial, uma visão de mundo, de valores, de economia, de sociedade, etc.
Mudar de partido era “trocar de camisa”, ou “virar a casaca”, coisa rara e inadequada. Pior do que isso só jogador de futebol sair de um clube para se integrar ao rival da mesma cidade.
Está mais do que provado, hoje, que os partidos fenecem como tal. De regra, são apropriados pelas representações parlamentares, que só pensam nas respectivas reeleições e são incapazes de escrever meia página sobre o conteúdo do manifesto de fundação da legenda que comandam. Esse documento, que é uma espécie de Carta Magna sobre os princípios, meios e fins partidários dorme o sono dos injustiçados entre as quinquilharias das siglas.
O recente surto de migrações de detentores de mandato, aspirantes a candidaturas, obedece, nacional e/ou regionalmente, às conveniências eleitorais do ano. É coisa de temporada e vem logo depois da praia e das férias. Assim como as marés são influenciadas pelas fases da Lua, os fluxos partidários são atraídos pelos “puxadores de votos” nas eleições majoritárias e proporcionais. Não guardam relação com o que esses personagens trazem na cabeça ou nas mãos.
Que fique bem claro: não estão errados os candidatos, nem os deputados, nem os senadores, nem os dirigentes partidários. As decisões políticas são comandadas pelo mais puro e franco realismo. E o que acontece com os partidos políticos nacionais é mera consequência do modelo eleitoral e do sistema de governo que, em dias de muito azar e maus presságios, nos vêm proporcionando nossos constituintes republicanos.
O que acontece com os partidos é bem sintomático desses problemas institucionais de que tanto me ocupo. Causa tristeza cívica ver partidos trocarem de nome como trocam os letreiros em pontos comerciais construídos em lugar errado. E digo o mesmo da acelerada procriação de legendas estimulada pela bilionária disponibilização de recursos públicos.
Percival Puggina (77),
membro da Academia Rio-Grandense de Letras,
é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e
Gaviões; A Tomada do Brasil.
Integrante do grupo Pensar+.