A FÁBRICA DE TECIDOS QUE CONSTRUIU UMA CIDADE
A FÁBRICA… UMA CIDADE… UMA HISTÓRIA
No final do Século 19, os operários arregaçavam as mangas e iniciavam uma longa jornada que, além de lhes dar o sustento, seria primordial para o surgimento de Camaragibe como cidade. Na Região que, na época era um distrito de São Lourenço da Mata surgia a COMPANHIA INDUSTRIAL DE PERNAMBUCO, que mudaria, a partir dali, as tendências nas atividades, onde até então predominavam os engenhos de Cana-de-Açúcar. Mas, para iniciarmos este relato, vamos seguir uma certa cronologia:
O PLANEJAMENTO
Por volta de 1890, concluía-se a instalação da olaria, que teria como atividade de funcionamento, a fabricação de tijolos para erguer o prédio da fábrica, projeto, de certa forma, arrojado na época. A olaria tinha capacidade de fabricar 18 mil tijolos por hora. A estrutura foi toda planejada. Um grupo de 13 acionistas, dos quais podemos destacar Pereira Carneiro e Carlos Alberto de Menezes, foi responsável por todo o processo de planejamento, construção e funcionamento da fábrica.
Em 1891, era concluída a construção do prédio. Tinha início, um caminho muito importante, não só para os acionistas, mas para o lugar. Era o ponto de partida para uma cidade. Mas isso, vamos contando aos poucos. Apesar de sua conclusão em 1891, ainda não era a hora da fábrica começar a funcionar.
Pouco tempo depois, provavelmente em torno de 1893, era construída toda a estrutura de encanamento que abasteceria a fábrica e toda a vila de operários, também erguida dentro do planejamento do projeto.
Encanamento que abastecia a fábrica e a vila
Vamos por parte:
Primeiro: O encanamento foi montado numa distância de 1.170 metros, que é o percurso entre a fábrica e a queda d’água. No meio do caminho, havia um desvio na estrutura, que estrategicamente passava pelo açude São Bento, no caso de precisarem de um outro local, para o abastecimento. A estrutura do encanamento, era toda revestida com cimento.
Açude São Bento (Ponte do Balde). Foto de 1908.
Segundo: A vila operária construída nas proximidades da fábrica, é, segundo pesquisadores e historiadores, a primeira da América Latina. Como o nome sugere, era povoada pelos operários que trabalhavam na fábrica, no início de sua história. Por isso seu nome eternizou-se como Vila da Fábrica. Tudo como a indústria planejou, inclusive com um pequeno prédio para abrigar os que não eram casados, chamado “República dos Solteiros.”
Entrada da Vila da da Fábrica.
Ao fundo (azul) a antiga república dos solteiros.
No segundo semestre de 1894, tinha início, o funcionamento da fábrica, no entanto, em fase de testes, com apenas 4 máquinas de tear. A forma como desenvolveu-se a atividade da fábrica, impressiona pelas estratégias de planejamento e paciência dos seus acionistas, tendo em vista que todo o investimento inicial da construção, passou desde a fabricação de tijolos, até encanamento e casas, chegando aos galpões da fábrica propriamente dito. E mesmo com tudo preparado, não iniciaram os trabalhos a todo vapor. Ainda houve um período de cautela.
O INÍCIO DA LABUTA
A partir de 1895, a fábrica iniciou, de fato, suas atividades com sua força máxima, fabricando tecidos rústicos, destacando-se o brim e o algodão, com a carga de 400 máquinas de tear, numa produção que envolvia 3 turnos de operários, o que permitia 24 horas de funcionamento. O primeiro nome da fábrica foi COMPANHIA INDUSTRIAL DE PERNAMBUCO (CIPER). Em pouco tempo já se destacava entre as mais importantes do estado.
A partir dali, o local foi povoando cada vez mais, tanto na vila como no crescimento do entorno, surgindo outras comunidades, inclusive com vila de operários em outra localidade mais distante do que a primeira. Por exemplo, a fundação da Vila Nova, no centro de Camaragibe, em meados da década de 1940. Era uma cidade começando seus passos de forma mais concreta.
Na verdade, Camaragibe já tinha uma história que iniciou-se no século 17, com o Engenho Camaragibe e todos os passos do lugar, que chegou a ser palco de combate histórico num confronto entre a província e o exército holandês. Mas, enqunto cidde, seu crescimento e moldagem aconteceu justamente com o crescimento da CIPER.
Uma curiosidade a se comentar, é que um dos acionistas (e um dos principais nomes da história da cidade), Carlos Alberto de Menezes, não teve muito tempo pra ver o crescimento da fábrica. Ele morreu aos 49 anos, vítima de arteriosclerose, no dia 19 de novembro de 1904, ou seja, menos de dez anos após o início oficial da Companhia Industrial de Pernambuco.
Ao longo de sua história, a CIPER foi o arrimo de muitas famílias, que buscavam as oportunidades de trabalho da época, exatamente na fábrica, o que explica uma geração onde a grande maioria não nasceu em Camaragibe, mas fincou raízes no lugar, sendo responsável pelas gerações seguintes, que, invertendo a situação anterior, tem raízes na cidade, mesmo nos tempos de distrito.
Estrutura da Chaminé.
Assim como as primeiras construções, toda em tijolo aparente.
Em tempo: Esta situação de arrimo, talvez seja parte do planejamento dos 13 acionistas da fábrica, tendo em vista a tendência da indústria, no universo capitalista já naquela época. Este conhecimento por parte dos fundadores da CIPER, em relação ao condicionamento do sistema no final do século 19, pode ter sido um dos trunfos para o sucesso da fábrica.
O fato é que a CIPER continuou sendo a grande referência de Camaragibe até a década de 1970, quando estourou a grande crise. A primeira vez que a fábrica parou por causa da crise, aconteceu exatamente no final daquela década.
Uma visão detalhada na estrutura
A partir daquele momento, buscavam-se saídas de todas as formas, no entanto, tudo parecia estar sendo levado a um poço sem fundo. Foi uma crise violenta, e as tentativas de reerguimento foram sendo frustradas, até que no dia 10 de maio de 1983, Antônio Carlos Azevedo de Menezes (neto de Carlos Alberto de Menezes, na época, diretor-gerente da fábrica, suicidou-se em pleno escritório.
Local onde ficava o escritório
Ainda nos anos 80, o grupo BRASPÉROLA adquiriu a unidade, que deixou de ser CIPER e a partir de então ganhou o nome do grupo-proprietário. Recomeçaram as produções, acrescentando o linho entre as matérias-primas de fabricação. Ali, parecia que tudo voltaria a engrenar. Mas após alguns anos de funcionamento, a crise voltou a rondar o local, com outras paradas, demissões e ameaças de fechamento definitivo.
Galpão recente – Nos tempos da BRASPÉROLA
Até que a BRASPÉROLA não resistiu, e parou suas atividades. Naquele momento, todos imaginavam que havia sido o último suspiro da história da fábrica… Mas ainda não era o momento.
Bela estrutura que teve sua construção concluída em 1891.
Em 2005, a empresa foi adquirida pelo grupo francês VIVALIN, no entanto, assim como no início de sua atividade, este reinício não foi com toda a capacidade, embora as situações e motivações nos dois momentos tenham sido diferentes.
Mesmo sem colocar toda sua carga, a fábrica seguiu acumulando prejuízos, até que em 2009 e 2010, seus donos fizeram empréstimos na vã tentativa de dar novo fôlego à fabricação de tecidos… Não deu…
Primeira Portaria
Vendida novamente, a área de 26 hectares será utilizada em um outro projeto que, quem sabe, poderá estar entre os arrimos de uma nova geração.
Prédio empresarial (advocacia e consultórios), faculdade e shopping são as possíveis tendências de ocupação do lugar, que, até onde fomos informados, terá o primeiro prédio, a chaminé (o que sobrou da olaria) e a casa de Carlos Alberto de Menezes (também situada no terreno), preservados.
A casa onde residiu Carlos Alberto de Menezes
Hoje, muitas pessoas que trabalharam no local, se emocionam quando fazem referências ao período em que a fábrica trabalhava a todo vapor, e até no seu “renascimento” na década de 1980.
E apesar de todo o peso histórico que nos permite dar asas ao nosso imaginário, numa transportação a momentos importantes da empresa, nota-se uma sensação angustiante nos caminhos da fábrica. Algo difícil de se explicar.
É como uma inquietação… A certeza do “fim da linha” de uma história que durou mais de um século, talvez contribua para isso.
Mas é importante dizer, que a sensação de sofrimento não parte de quem transita por lá… O que vou comentar vai parecer dramático, mas é como se as paredes gritassem … É como se cada tijolo ali, sentisse que o momento chegou.
É como se muitas pessoas que ali trabalharam e que cumpriram seu ciclo no nosso plano, não estivessem conformadas com o fim da estrada da fábrica.
A estranha inquietação é a prova de que é chegada a hora da despedida. Não é pelos concretos. É pelo caminho trilhado. Pela cidade. Pelas gerações distintas…
A fábrica cumpriu seu ciclo. Fato. Houve o último suspiro…Agora um novo ciclo começa… Novas gerações seguirão os rumos da lida… Da labuta… Mas isso é uma outra história… Que será contada pelos nossos netos, bisnetos e assim por diante.
Galpão recente
Queda D’água que abastecia a Fábrica e a Vila
Uma das casas da Vila da Fábrica, com a estrutura original
A Vila nos dias atuais
Na descida, avista-se a chaminé. A Fábrica cumpriu seu ciclo, mas deixou uma herança forte. Uma cidade em ebulição.
TEXTO:
André Agostinho
AGRADECIMENTOS:
COLABORAÇÃO – REVISÃO (TEXTO)
Dayse Alves – Tereza Valéria
COLABORAÇÃO – FATOS HISTÓRICOS
Rivaldo Borba (Lala Borba)
FOTOS:
Açude São Bento – acervo de Rivaldo Borba (Lala Borba)
Todas as demais – André Agostinho