Não basta investir

Roberto de Oliveira Campos
30/01/2000

  Até o fim da II Guerra pouco se falava em desenvolvimento econômico. A questão mais quente era como controlar as flutuações cíclicas da economia, os ciclos de prosperidade e depressão. Depois da guerra, no entanto, tudo mudou, e depressa.

Tinha havido uma enorme transformação do ambiente. Depois de 10 anos de depressão e mais seis da guerra, todos os povos queriam recuperar o tempo perdido. A palavra-chave era “reconstrução”.

Isso queria dizer políticas, programas e projetos que só pareciam factíveis com recursos e liderança do setor público. Em 1936, Keynes havia feito a cabeça dos economistas – deixando sem graça, por um quarto de século, os neoclássicos tradicionalistas – com uma ideia surpreendentemente simples: a de que, numa conjuntura recessiva, em que há ociosidade de mão-de-obra e de máquinas e equipamentos, pode-se aumentar a demanda real simplesmente pela injeção de recursos para aumentar a demanda monetária. Criando dinheiro, o governo conseguiria provocar um aumento efetivo da renda e, graças a isso, reduzir o desemprego da força de trabalho.

No pensamento de Keynes, isso só ocorreria em situações recessivas, mas a tentação de esquecer esse “detalhe” seria grande demais para os políticos.

Outra novidade teórica de um brilhante economista soviético dos anos 20, N. Kovalesky, que passaria despercebida durante muito tempo, foi o uso da relação capital/produto para projetar o crescimento do país. Essa ideia manipulada décadas mais tarde por dois economistas ocidentais – R. Harrod e E. Domar – se transformou num famoso modelo, que se popularizou de modo fulminante entre os planejadores desenvolvimentistas.

Depois da guerra, todas as regiões coloniais queriam ficar independentes. Alguns partiram para a luta armada contra as metrópoles mais renitentes, como Bélgica, Holanda, França e Portugal. Outros colonizadores, Inglaterra e Estados Unidos, tiveram mais bom senso. No final de três décadas, perto de uma centena de novos Estados havia surgido, todos sequiosos por rápido desenvolvimento.

Receitas simples têm grandes vantagens. E foi o que aconteceu com o modelo Harrod-Domar. Naquele momento, era razoável supor-se que:

1) havia grande redundância de mão-de-obra na agricultura;
2) o capital (máquinas, equipamentos) era o fator mais escasso; e que
3) seus rendimentos eram lineares, isto é, diretamente proporcionais à quantidade disponível.

Tornou-se irresistível a tentação de um modelo fácil: com um coeficiente capital/produto de 3, para o país crescer a 7% ao ano, digamos, bastaria ao governo promover um investimento líquido de 21% do PIB – dele próprio, dos investidores privados e de fontes estrangeiras.

Inutilmente Domar, algum tempo depois, renegou sua fórmula por simplista demais. Era exatamente esse simplismo que a popularizava. Os teóricos sérios sempre souberam que a realidade era muito mais complexa, incluindo complicadores tais como a distribuição dos recursos naturais, a posição geográfica, a tecnologia, a cultura, os valores sociais, as instituições, a segurança e estabilidade das leis, a liberdade de iniciativa e o direito aos frutos da atividade econômica. Max Weber chegou mesmo a explicar o êxito histórico do desenvolvimento capitalista do centro-norte europeu pelos valores individualistas do protestantismo.

O simplismo de Harrod-Domar fez esquecer um princípio econômico elementar, que o professor W. Easterly formulou da seguinte maneira: “As pessoas respondem a incentivos”.

Em 1960, W.W. Rostow publicou um best-seller, Os Estágios do Crescimento Econômico, em que classificava cinco estágios econômicos até se chegar à “decolagem” para o desenvolvimento auto-sustentado. Este dependeria do aumento da formação de capital. E se tornaria mais ou menos automático, quando atingida uma relação adequada entre investimentos e o PIB. No contexto da Guerra Fria, quando os Estados Unidos pareciam estar perdendo a corrida tecnológica e econômica contra a falecida União Soviética, surgiram os grandes planos de ajuda externa para subsidiar o crescimento econômico. Era preciso fazer alguma coisa para ganhar a guerra, e a fórmula de crescimento automático pela intensificação de investimentos era uma arma disponível para os países ricos exportadores de capital.

Solow, cujo modelo foi o sucessor do de Domar, chamou atenção para o princípio que ficou conhecido como “produtividade total dos fatores”. Ou seja, a produção não é função apenas do capital e do trabalho, mas também da tecnologia. Disso tirou o resultado surpreendente de que o crescimento a longo prazo é função apenas das mudanças tecnológicas e não da taxa de investimento, a qual determina só o nível do produto. Ultimamente, houve uma inovação teórica importante. A lei dos rendimentos decrescentes só se aplicaria aos setores convencionais. Nos setores de alta tecnologia, como a Internet, os rendimentos seriam crescentes, pois a ampliação indefinida dos usuários reduziria os custos de transação, aumentando a produtividade global.

Dois exemplos ilustram a importância da qualidade e eficiência do investimento. Um deles é o da União Soviética, que experimentou estagnação econômica na década dos 80, apesar de taxas de investimento da ordem de 30% do PIB. Outro é o do Brasil em seus investimentos sociais. Nossos gastos sociais são bastante elevados como proporção do PIB, mas os resultados são pífios, colocando-nos em posição desonrosa em matéria de índice de desenvolvimento humano.

Na ânsia de descobrirem o milagre do desenvolvimento, os economistas vêm sempre acrescentando novas variáveis explicativas. No final, talvez aprendam que não podem prever trajetórias tão exatas como a física permite em relação aos foguetes. Voltamos sempre aos velhos fundamentos conhecidos desde Adam Smith: governo pequeno e honesto, tributação moderada, respeito ao direito de propriedade e melhoria do agente econômico pela competição e pela educação. Não basta investir. É preciso investir bem.

 

 

Roberto de Oliveira Campos

Defensor apaixonado do liberalismo.
Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento,
senador por Mato Grosso,
deputado federal e embaixador em Washington e Londres.
Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

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