32 reflexões
20 de Abril, 2015.
OrdemLivre
Alberto Benegas Lynch
Estas linhas constituem um resumo de um trabalho que apresentei na Academia Nacional de Ciências Econômicas da Argentina, e que, ampliado e desenvolvido, se converteu em um livro sobre esse tema tão espinhoso e delicado. Apresento agora o referido resumo em 32 pontos.
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A tese ou coluna vertebral em torno da qual gira esta apresentação é que não é moral criminalizar o que não constitui crime. Neste sentido, não se deve confundir um vício pelo qual uma pessoa prejudica a si mesma ou a sua propriedade com uma lesão ao direito de terceiros, através do qual se prejudicam outras pessoas ou suas propriedades.
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O vício em drogas é uma tragédia. Frequentemente produz lesões cerebrais irreversíveis, abatimento psíquico, distorção dos sentidos e da capacidade perceptiva. A abstinência muitas vezes vem acompanhada de dores musculares intensas, cãibras estendidas por todo o corpo, expulsão de abundantes fluidos, calafrios, notória diminuição da atividade cerebral, debilitamento extremo, aumento da frequência respiratória, dilatação das pupilas, tudo no contexto de uma tremenda ansiedade.
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A tragédia se revela ao observarmos seres que dizemos humanos apenas por algumas características externas, deitados nas ruas, no final da sarna, com pernas e braços que se assemelham a vassouras, cheios de veias saltadas e buracos por toda parte, rostos contorcidos, olhos injetados de sangue sem expressão, bocas babando e lábios púrpura ressecados e rachados, peles de um amarelo mórbido, septos nasais perfurados e geralmente vestidos em cores fúnebres, estampados com caveiras de vários tamanhos. Essa é a imagem da tragédia, ainda que se deva colocar claramente que uma coisa é o uso e outra o abuso, do mesmo modo que nem todos que bebem álcool estão em estado de delirium tremens. O poeta que se crê mais inspirado ou o operador de Wall Street que se acha mais eficiente consumindo drogas não necessariamente estão incluídos no quadro que acabamos de pintar.
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Pelas razões que em seguida exporemos, a proibição das drogas alucinógenas para usos medicinais intensifica em grau exponencial o vício em drogas, e estende de modo horripilante a tragédia dos que decidem se intoxicar, do mesmo modo que ocorreu com a Lei Seca nos Estados Unidos, que precisou revogá-la devido à organização criminal que se criou, ao aumento colossal do alcoolismo, à extensa corrupção de autoridades que gerou e aos prejuízos e mortes de inocentes que produzir, junto com os custos astronômicos que precisaram ser confrontados.
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A compensação pelo risco de operar nesse mercado faz com que o preço da droga se eleve substancialmente, gerando grandes margens de lucros.
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Esse preço elevado permite que irrompam no mercado as drogas sintéticas, de efeitos muito mais devastadores do que as naturais.
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Também os altos preços permitem que apareça a figura do “pusher“, que obtém milhares de dólares por semana e que se localiza geralmente na entrada de colégios e outros lugares para atrair a clientela, especialmente os jovens.
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O custo da escalada, só nos EUA, se elevou em cerca de 50.000% desde que começou a chamada “Guerra Contra as Drogas”, na década de 1970. Todos, consumidores e não consumidores de drogas, precisam arcar com isso.
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O comércio no mercado negro não permite a contenção por parte de médicos ou a intervenção de tribunais em caso de fraude na venda, com o efeito de evitar castigos.
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O comércio no mercado negro obriga os consumidores a entrar no circuito do crime, com todos os riscos que disso se derivam, o que em algumas ocasiões também dificulta o uso de drogas para fins terapêuticos.
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O comércio no mercado negro macula as atividades legítimas através da “lavagem” de dinheiro, que obscurece as contabilidades e os registros de negócios de uma e outra característica.
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As documentações relevantes atestam a monumental corrupção de autoridade policiais, de juízes, governantes, militares e agências encarregadas de controlar o mercado de drogas.
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Quanto maior a perseguição, mais mão-de-obra intensiva se usa no mercado de drogas, já que, por razões de segurança, os contatos se fazem em forma de rede, onde cada um tem relação com um grupo, e assim sucessivamente, incluindo menores por serem considerados inimputáveis.
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Quanto maior é a perseguição em uma zona, maiores são os estímulos e incentivos para extensão do mercado para outras áreas.
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Quando maiores são as dificuldades para entrar com a droga em uma área, mais capital intensiva se torna a atividade montando laboratórios locais.
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Quanto maior é a perseguição, maior é o número de pessoas violentas que se contrata na atividade das drogas.
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Quanto maior é a perseguição, maior é o número de vítimas inocentes feridas e mortas.
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Cada vez mais se observa a impunidade com que atuam e o interesse por parte dos administradores de controlar o mercado de drogas para partilhar dos bens dos barões das drogas e de muitos outros que nada têm a ver com o vício.
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Devido a se tratar de uma relação contratual voluntária, no mercado de drogas não há vítima e nem algoz; portanto deve-se recorrer à figura do delator, o que necessariamente significa abuso de direitos e lesão de liberdades, através do intrometimento no sigilo bancário, escutas telefônicas, invasão de domicílio e prisão sem julgamento.
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Existe uma conexão entre as avultadas margens operacionais do negócio da droga com o terrorismo, quanto ao financiamento de suas atividades criminais.
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Em muitas ocasiões se apresenta uma anomalia estatística, via um erro de inclusão, na relação entre drogas e crime. Não é relevante tomar o universo de crimes e constatar que existe uma alta proporção de viciados em drogas. O relevante é tomar o universo de viciados em drogas e constatar que uma proporção mínima dos mesmos cometem crimes. Mas ainda assim, em inúmeros casos o nexo causal se inverte: o criminoso se droga devido ao fato de que, habitualmente, cometer um crime sob o efeito de drogas constitui um atenuanteem vez de um agravante.
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Paradoxalmente, geralmente se considera o viciado doente, e, no entanto, se manda o mesmo para o cárcere. Diz-se que é preciso protegê-lo contra suas próprias necessidades, e no entanto, ele é castigado. Existe o erro de atribuir a uma doença qualquer conduta incivilizada, como se tratasse de difteria ou câncer. Também se costuma atribuir ao viciado a condição de “doente mental”, sem ter em conta que a patologia define a doença como uma lesão orgânica, e, portanto, é uma metáfora perigosa extrapolar a noção de doença da psique, da alma ou da mente, onde não existem problemas químicos. Não somos apenas quilos de protoplasma, os estados mentais é que nos permitem rechaçar o determinismo físico e aderir aos propósitos deliberados que, por sua vez, tornam possível a distinção entre proposições verdadeiras e falsas, e consequentemente, a argumentação e as ideias autogeradas que, por sua vez, abrem a possibilidade de revisar nossos próprios juízos. Diz-se, no entanto, que o viciado em drogas não é livre, como se não tivesse decidido livre e voluntariamente afetar sua estrutura intelecto-volitiva. Esse último ponto nos lembra a pessoa que assassinou aos próprios pais e logo, em juízo, pedia misericórdia porque era órfã.
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São muito bem-vindas todas as campanhas e ações pela reabilitação de viciados optantes por deixar o vício que se financiem com recursos próprios, mas não se deveria usar coercitivamente o fruto do trabalho alheio através dessa contradição em termos chamada o “estado benfeitor” (já que a caridade, a beneficência e a solidariedade não se realizam pela força) para atender a quem deliberadamente se colocou nessa situação.
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Em nossa proposta, a lida com menores seria da mesma forma como hoje se trata o tema da pornografia, a licença para dirigir e o álcool. Pelas mesmas razões não se daria lugar à propaganda de drogas e em lugares públicos se castigaria a quem se revela incapaz de controlar a si mesmo, seja por ter ingerido tranquilizantes, álcool, drogas, ou o quer que seja, do mesmo modo que ocorre quando um veículo transita sem freios, ou, à noite sem luzes.
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Qualquer um poderia atuar como substituto para defender o direito de uma criatura por nascer se a mãe ingere drogas que provocam malformações, geralmente conhecidas como “bebês do crack”. Desconto que nessa qualificada audiência se sabe que a microbiologia moderna ensina que há um ser desde o momento da fecundação do óvulo com toda a carga genética completa, e que, como há diversos comportamentos possíveis da mãe no período de gestação, pode caber um julgamento que não autorize mutilar, malformar ou aniquilar a pessoa que vai nascer.
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Nossa análise está dirigida às relações entre adultos. Há infinidades de atividades arriscadas, como o boxe e o atletismo, e uma infinidade de causas que produzem muito mais mortes do que o vício em drogas, como o alcoolismo, o tabaco e as dietas perversas. Em nosso caso, se trata de sublinhar que a contrapartida da liberdade é a responsabilidade individual. Não resulta daí, “julgar a Deus”, ou melhor dizendo, ter a arrogância e a soberba de “ser mais que Deus”, já que inclusive nas grandes religiões se acredita que Deus, através do livre arbítrio, permite que o homem se condene ou se salva segundo sua conduta. Por outro lado, como já se disse, se damos mais importância à alma do que ao corpo, teriam que se proibir coisas como a leitura de livros daninhos ou obras teatrais prejudiciais à mente.
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As causas do vício em drogas sempre têm raízes em um problema de caráter. Frequentemente este começa com a ideia de vencer a timidez de cantar em público, ou combater o temor para falar diante de uma audiência, com a ideia de facilitar a socialização, como rebeldia, como curiosidade para seguir o que outros fazem. Em qualquer caso, é sempre consequência de decisões pessoais e de uma má administração do próprio caráter. O que não é admissível é atribuir a responsabilidade a fatores como a pobreza, posto que, dado que todos provemos das cavernas, seria uma falta de respeito a nossos ancestrais sustentar tais tese, sem prejuízo de constatar que em não poucos círculos da “alta sociedade” o vício em drogas é generalizado, com a diferença de que muitas vezes se salva ao castigo pelos contatos que mantém com o poder da vez, com o que frequentemente não contam os de menores recursos.
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Se terminada esta chamada “Guerra Contra as Drogas”, a eliminação do elemento crucial de “fruto proibido”, o desaparecimento dos “pushers” e a inexistência de propaganda constituem três fatores que mudariam o que na economia convencional se chama de “função da demanda”, ocorrendo um deslocamento da curva correspondente para a esquerda. Mas devemos repetir que não estamos propondo essas medidas de liberação de mercado de drogas por razões primordialmente utilitárias, e sim por motivos morais, ou seja, não criminalizar o que não constitui crime. Podemos inclusive supor que simultaneamente à liberação mudam as estruturas axiológicas das pessoas, e mais gente decide se drogar até a inconsciência, ou, por efeito da droga, decidem constipar-se até morrer ou não ingerir alimentos nutritivos. Cada um deve assumir responsabilidade pelo que faz, e, em uma sociedade aberta, o aparato da força que denominamos governo deve utilizar a violência somente a título defensivo, nunca ofensivo. Ainda que não seja o que ocorre, devemos admitir também que a proibição pode mudar os valores das pessoas, reduzindo o consumo de drogas, do mesmo modo que havia mais cristãos convertidos durante a Inquisição, ou que se lia menos sobre liberdade depois da queima de livros por Hitler, mas insistimos que se trata de um assunto eminentemente ético.
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As drogas naturais a que aludimos vêm sendo consumidas desde 2000 AC. Os problemas começaram com a proibição, que, diga-se de passagem, foram resultado de estudos de mercado que realizou a máfia depois que os deixaram sem o negócio do álcool. Os casos de liberação da maconha em oito estados nos EUA e o caso de liberação parcial na Holanda não são conclusivos, posto que estão cercados de medidas contraditórias como o estabelecimento de cotas, e, neste último país, políticas contraproducentes como a reserva de espaços públicos para viciados, a oferta de seringas sem cobrança etc.. Por outro lado, em geral, se criticou a possível liberação com o argumento de que a diminuição notável nos incentivos que teriam lugar onde se liberam as drogas fará com que os traficantes passem a outros crimes, o que é absolutamente correto, mas fará com que se reconsiderem políticas nesses outros lados, do mesmo modo que ocorre quando em alguns lugares se combate com maior eficiência a delinquência e os delinquentes tendem a buscar espaços mais propícios a seus crimes.
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Sem dúvida os interesses criados para que se mantenha o controle são muitos e muito fortes. Imaginemos as remunerações dos químicos, as tarefas agrícolas, as fábricas de pesticidas, os transportes, a atividade financeira e bancária, os especialistas em contabilidade e administração de carteiras, os governantes, policiais, juízes, militares, agentes de organismos de controle, os traficantes, as “mulas”, e tantas empresas e empreendimentos vinculados às drogas, horizontal ou verticalmente.
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Os interesses criados se impõem frente aos resultados nefastos que produz a perseguição no mercado das drogas: o aumento do vício, a lesão aos direitos das pessoas, o custo da “guerra” e a corrupção escandalosa. Thomas Sowell afirma que “As políticas se julgam por seus resultados, mas as cruzadas são julgadas pelo bem que faz sentirem os cruzados.”
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Deve-se entender que quando sugerimos não criminalizar o que não é crime, e, consequentemente, liberar o mercado de drogas, não nos limitamos ao consumo, como se fez em alguns lugares, legislação que parece fabricada pelos comerciantes de narcóticos, já que os coloca no melhor dos mundos: restringem a produção, com o que asseguram margens de lucro suculentas, e se deixa livre o consumo. Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia e precursor contemporâneo da liberação das drogas, escreve que “As drogas são uma tragédia para os viciados. Mas criminalizar seu uso converte a tragédia em um desastre para a sociedade, tanto para os que a usam como para os que não a usam.” Quero concluir esse breve resumo com uma citação de Thomas Jefferson que diz: “Não podemos renunciar, e nunca renunciaremos, ao direito à nossa consciência. Só respondemos por ela ante Deus. Os poderes legítimos do governo se aplicam somente se há lesão a outros.”
* Publicado originalmente em 22/02/2010.
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