“Eu tenho esse direito!”
Várias pessoas fazem essa afirmação sem nem sequer pensar na natureza e na fonte dos direitos. O que são direitos? De onde eles vêm?
A visão progressista ou intervencionista diz que, desde que a legislação seja criada de acordo com as regras do devido processo legal, o governo tem o poder de criar e extinguir direitos.
Por exemplo, o governo pode, por meio dos votos do legislativo, criar ou extinguir o direito a um emprego, a uma educação “gratuita”, a um tratamento de saúde “gratuito”, ou até mesmo a receber comida “de graça”.
Quando os progressistas querem expandir os tentáculos do governo, eles frequentemente inventam uma distinção bastante peculiar entre “privilégio” e “direito”. De acordo com eles, está ocorrendo um privilégio quando uma pessoa pode adquirir um bem ou serviço por meio de suas próprias posses; já quando o governo usa o dinheiro de impostos ou outros poderes coercitivos para fornecer esse bem ou serviço para indivíduos, independentemente de quais sejam as posses desses indivíduos, isso seria apenas um direito.
Coisas realmente importantes, dizem os progressistas, devem ser direitos, e não privilégios. Por exemplo, acesso a serviços de saúde já foi um privilégio, mas agora é louvado, tanto na retórica quanto na lei, como um direito. O mesmo é dito sobre educação e moradia.
O que realmente são direitos
De fato, a natureza dotou os seres humanos de alguns direitos. Tais direitos são chamados de “direitos naturais” — isto é, direitos que são inerentes à natureza humana; direitos que todos nós como seres humanos usufruímos pela simples virtude de sermos humanos.
Esses direitos não podem ser negados, pois, se isso ocorrer, a pessoa que os nega estará caindo em contradição, pois estará negando sua própria condição de ser humano.
Esses direitos naturais, por essa sua natureza, são logicamente anteriores à existência do governo. Caso estivéssemos em um mundo sem nenhum governo, ainda assim tais direitos existiriam. Eles não dependem de nenhum governo para existir. E o governo não tem nenhuma autoridade legítima para acrescentar ou subtrair direitos. No máximo, ele pode apenas protegê-los.
Se quisermos avaliar se um determinado direito, um suposto direito, é de fato um direito genuinamente válido, então é necessário fazermos um teste crítico e logicamente irrefutável, a saber: todos nós temos de ser capazes de usufruir esse mesmo direito, ao mesmo tempo e da mesma maneira.
Apenas assim esse direito pode ser natural, ou seja, inerente ao fato de sermos humanos.
A obviedade dessa afirmação vem do fato de que, para um direito ser natural, seu usufruto não pode levar a nenhum conflito ou a nenhuma contradição lógica.
Se algo é um direito natural, então ele se aplica a todos os indivíduos simplesmente pela virtude de serem humanos. Se uma pessoa tem um determinado direito, então todos os outros seres humanos devem logicamente ter esse mesmo direito. Não pode haver conflito. Um indivíduo não pode, sem cair em contradição, alegar que possui um direito humano e, ao mesmo tempo, negar esse direito para terceiros. Fazer isso seria o equivalente a admitir que esse direito não é realmente um direito “humano”, mas, aí sim, um privilégio.
Adicionalmente, tem de ser possível que todos os indivíduos possam usufruir esse suposto direito simultaneamente, sem nenhuma contradição lógica. Se, quando eu exerço um direito que alego possuir, estou fazendo com que seja impossível outra pessoa exercer esse mesmo direito ao mesmo tempo, então minha ação implica que este suposto direito não é inerente à natureza humana. Minha ação implica que tal direito é apenas meu, e não de outra pessoa.
Exemplos práticos
Suponha que eu alegue ter o direito de receber serviços de saúde ou de educação gratuitos.
Se tal alegação significa que eu terei acesso a estes serviços sempre que eu quiser ou necessitar (e o que mais ela significaria?), então tem de haver outra pessoa com o dever de me fornecer estes serviços. Ou então, ainda mais realisticamente, tem de haver outra pessoa com o dever de pagar para que eu receba estes serviços.
Médicos e professores não trabalham de graça. E nem deveriam. Logo, se eu quero que eles me forneçam serviços gratuitos, então uma terceira pessoa tem de ter sua renda (propriedade) confiscada para bancar os serviços destes médicos e professores.
E aí começa a contradição: essa outra pessoa não mais tem o mesmo direito que eu tenho. Meu direito é receber serviços gratuitos; o “direito” dela é me fornecer — ou financiar — estes serviços. Meu direito criou um dever para essa pessoa: ela agora é obrigada a efetuar uma ação que ela não necessariamente queria efetuar. Embora nós dois sejamos humanos, a liberdade de escolha dessa pessoa foi subordinada à minha liberdade de escolha. Aquele direito que concedi a mim (saúde e educação gratuitos) está sendo negado a esta outra pessoa, pois ela, ao ficar com o fardo de pagar pela minha saúde e educação, perdeu seu “direito” à educação e saúde gratuitos.
Para que eu adquirisse um direito, essa pessoa teve de arcar com uma obrigação.
Pior ainda: ela teve sua propriedade espoliada, o que seria uma flagrante agressão ao seu direito de propriedade.
Aplique esse mesmo raciocínio a coisas como moradia, transporte, alimentação, lazer, seguro-desemprego etc. Ao dizer que você tem o direito de usufruir estes bens e serviços gratuitamente, você está necessariamente dizendo que terceiros têm a obrigação de fornecer (ou financiar) tais coisas a você.
Você pode acreditar que tem o direito à moradia, mas você não tem o direito de obrigar terceiros a pagar por sua moradia.
Você pode acreditar que tem o direito ao transporte gratuito, mas você não tem o direito de obrigar terceiros a pagar pela sua locomoção.
Você pode acreditar que tem o direito ao lazer, mas você não tem o direito de obrigar terceiros a bancar — ou subsidiar — o seu lazer.
Você pode acreditar que tem o direito à saúde, mas você não tem o direito de obrigar terceiros a pagar pelos seus serviços de saúde.
Você pode acreditar que tem o direito à educação, mas você não tem o direito de obrigar terceiros a pagar pela sua escola ou faculdade.
Todos esses “direitos” exigem que haja uma transferência forçada de recursos (propriedade) de alguns pagadores de impostos para outros cidadãos.
Nenhum desses “direitos” configura um direito humano. Dado que eles significam que indivíduos irão receber saúde, educação, moradia, comida e lazer independentemente do desejo das outras pessoas, então eles não representam direitos humanos fundamentais.
Todos nós temos o direito fundamental de nos oferecermos para comprar ou vender serviços de saúde, educação, moradia, comida e lazer nos termos que quisermos; porém, se não encontrarmos terceiros dispostos a aceitar nossas ofertas, então não temos o direito de forçá-los a aceitá-las.
Outros direitos
O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos seguintes direitos: liberdade religiosa, liberdade de associação, liberdade de expressão, e liberdade de imprensa.
Todos estes, por si sós, são direitos genuínos e naturais, mas somente quando não configuram agressão a terceiros.
Cada um de nós pode exercitar nosso livre arbítrio em termos de religião sem ao mesmo tempo negarmos esse mesmo direito a terceiros. No entanto, não temos o direito de nos afiliarmos a uma organização religiosa que não queira nos aceitar. Igualmente, não podemos obrigar que determinadas religiões aceitem práticas contrárias às suas crenças.
Todos nós podemos nos associar a qualquer outro indivíduo ou grupo de indivíduos, mas somente desde que eles estejam dispostos a se associar a nós. Exercer esse direito não impede que outros façam exatamente o mesmo.
Todos nós podemos dizer o que quisermos, pois isso, por si só, não impede que outras pessoas façam o mesmo. No entanto, não temos o direito de obrigar outras pessoas a nos ouvir ou a nos fornecer um espaço para nos expressarmos. Não temos o direito, por exemplo, de publicarmos nossas opiniões em um veículo ou em um website que não as queira. Isso é uma mera questão de direitos de propriedade. Todos nós somos livres para tentar angariar os recursos necessários, por meio de acordos voluntários com terceiros, para publicar um jornal ou uma revista (ou criar um blog na internet). Porém, não temos nenhum direito de obrigar outras pessoas a nos fornecer os recursos necessários para nos expressarmos.
Visões em choque
Ambas as visões — a progressista e a dos direitos naturais — não são apenas diferentes; elas são incompatíveis.
Sempre que um suposto direito reivindicado por alguém impõe uma obrigação sobre outra pessoa, a qual agora será obrigada a efetuar uma ação, este suposto direito é uma fraude. Na realidade, ele é um privilégio. Ele não pode ser efetuado simultaneamente por ambas as partes sem que haja uma contradição lógica.
Essa visão progressista sobre direitos é normalmente chamada de “visão positivista”, pois tais direitos necessariamente impõem a terceiros a obrigação de efetuar ações positivas. Faz parte de uma filosofia mais ampla chamada de positivismo legal, a qual afirma que direitos são determinados pelo governo. Qualquer coisa que o governo determine como sendo um direito se torna um direito.
Já os direitos naturais são frequentemente chamados de “direitos negativos”, pois a única obrigação que tais direitos impõem a terceiros é a de não efetuar uma determinada ação. Assim, o indivíduo tem o direito de que não tirem sua vida, não restrinjam sua liberdade, e não confisquem sua propriedade honestamente adquirida.
Ou seja, o direito negativo simplesmente impõe a terceiros o dever de não iniciar coerção contra inocentes, seja na forma de violência bruta, seja na forma furtiva obrigá-lo a pagar por bens e serviços que serão ofertados a terceiros.
De acordo com esta visão, o próprio governo deveria estar restringido e limitado pelos direitos humanos universais de todo e qualquer indivíduo. Consequentemente, aquele indivíduo que não reconhece a legitimidade de um governo não deveria ser submisso a ele.
Conclusão
Da próxima vez que você gritar “Eu tenho esse direito!”, faça a si mesmo a seguinte pergunta: “E de quem é a obrigação?”
Se houver um fardo recaindo sobre um terceiro, o qual agora terá a obrigação de fazer qualquer outra coisa que não seja não coagir você, pergunte-se: “Por que teria eu o direito de subordinar aquela pessoa aos meus caprichos?”