SOLIDARIEDADE.

tsmaia

Contaram-me os saudosos Mestres Maçons, em uma das sessões de instrução, sobre solidariedade que frequentei, como iniciado, ainda, que um dia, todos fomos…

Em um dos bárbaros confrontos bélicos que envolve a humanidade, dois combatentes encontrados, ao léu, inertes e gravemente feridos, foram removidos, às pressas para um posto de proteção estratégico, mantido como esconderijo dos inimigos, em terreno distante e acidentado. Ali, ficaram resguardados, e ali receberam os mais elementares e possíveis tratamentos e alimentos que se podia dispor.

Seus leitos colocados ao lado de uma janela alta que, sempre permanecia aberta e possibilitava, apenas, a um deles a visão um tanto distorcida do que poderia se passar no exterior daquele prédio, sem o menor refinamento, implantado numa região sabidamente, repugnante e sórdida.

Eles se mantinham atados, em suas camas rústicas, portanto, imobilizados, em face das suas condições de saúde precária.

Assim, ocorreu ao que tivera sorte de se manter, no ponto mais acessível da janela, a ideia de descrever para o seu infeliz amigo e seu camarada de martírio e infortúnio, cada detalhe do que passara a ver, no exterior daquele ambiente nefasto, pesado e que os impressionava tão, desagradavelmente.

De qualquer forma, esta ocorrência feliz tornou-se um alento precioso não só para o que se esforçava em narrar a paisagem, com sublime arte e incontida alegria, como para o que o ouvia, atentamente, se transformou numa circunstância ímpar e inarredável ventura, uma verdadeira e inimaginável satisfação, rebatendo a realidade caótica do ambiente, em volta.

E eles avaliaram bem a oportunidade, e, eles tiveram a chance de se declararem reconhecidos ao Sublime Redentor: – como Deus era misericordioso ao proporcionar aos dois mutilados de guerra em seus últimos passos e sopros da existência, o pão que mata a fome um teto que agasalha e protege das insondáveis misérias de uma luta destruidora e pungente, e, acima de tudo, ainda lhes possibilitavam, para os encherem de alegria um quadro de beleza de uma natureza incrível, num ambiente hostil, antes inimaginável. Sim, no meio de tantos impasses, foi possível que eles se reencontrassem com o seu Deus que os permitiam, ainda, gozar momentos agradáveis.

Esses longos dias, em que os dois seres se confraternizaram, se uniram, como irmãos a cada instante em que, se solidarizaram, no meio da solidão massacrante, insuportável, mesmo, puderam implantar dentro dos seus corações imagens edificantes que permaneceriam, para sempre gravadas, no íntimo de cada um deles. As ilustrações das lindas ideias seriam carregadas inevitavelmente, por onde percorressem. Como um amor de sonhos e de flores, em tardes amenas, às sombras de tamareiras. Elas fariam brilhar, sempre os seus olhares. Espalhariam, nos seus rostos, sempre, um sorriso intenso. Elas carregariam de energia os sangues de cada qual e ela os motivariam, diante de todas as suas atitudes.

Tratavam-se de fatos simples que se engrandeciam ao repercutir nos pensamentos deles: um céu ora ardente, um infinito azul como pede o universo, quando num todo, os astros que cintilavam suas chamas de lindas cores, chuvas cintilantes que se derramavam em presença de um sol brilhante, o chispar de estrelas cadentes riscando o firmamento, uma noite suave que descia como um tecido rendado  ou um sol que se revelava fulvo…

E mais e muito mais: o mugir de regatos, o fluir das pedra certamente, preciosas, as ramas que se deslocavam no ar, os silvos de cobras rasteiras, o piar de aves agoureiras, rebanhos de ovelhas tranquilas, os incontáveis pássaros que adormeciam sossegados e acordavam vibrantes a cantar em ruídos, perante uma vida sempre doce e sempre florida e linda,

Luzes amarelas que se deslumbravam, em cadência, ora em louro amarelado, ou em alaranjado, ou ainda, em amarelo-ouro, ocre castanho – um tanto avermelhado…

Assim, diante de uma natureza perenemente em festa, numa tarde morna que se tornou fugaz, ao sol posto, o sereno cintilante e tenaz narrador dessas imagens harmoniosas que tanto lutou, por elas, com todo afinco para sobreviver ao máximo se entregou finalmente a morte que lhe espreitava, com bastante afinco.

Com todo o respeito, o seu camarada dos últimos dias que passou a lhe dever importantes instantes de revigoramento, implorou que que lhe dessem o afortunado lugar em que foi possível descrever com sábia mestria as encantadas imagens que lhe multiplicaram as forças para viver, com a promessa solene de tudo fazer, conforme a sua capacidade para as manter com pleno vigor.

Assim, assumiu o lugar do venturoso amigo que havia partido, com todo esplendor que havia concebido.

Não obstante, ao assumir o posto pretendido, para sua patética surpresa, não divisou qualquer figura que seu antecessor foi capaz de lhe encher indescritível e entusiasmada comoção.

Após a janela, tão ansiosamente aguardada a visão de qualquer pessoa normal deparava-se com uma contínua e única proteção de pedras toscas que colocava os que, ali habitavam, ao abrigo de qualquer tipo de execução ou de qualquer tipo de ação ofensiva, geralmente violenta dos terríveis inimigos de guerra.

 

 

 

 

 

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