A HEROINA ESQUECIDA

Irm.’. José Alberto Pinto de Sá

 

Somos um povo sem memória, senão pela nossa formação cultural machista ou mesmo pelo proposital esquecimento do fato. Verdade é que a história não faz justiça a uma personagem que teve papel preponderante, senão decisivo, para a independência do Brasil.

D. Leopoldina.

Estamos nos referindo à Imperatriz do Brasil, nascida Carolina Josefa Leopoldina de
Habsburgo-Lorena, arquiduquesa da Áustria, Princesa da Hungria e da Bohêmia, primeira
Imperatriz do Brasil.

Dotada de grande cultura, poliglota, falava fluentemente esloveno, croata, tcheco, alemão, húngaro, turco, boêmio, espanhol, italiano, latim e português, foi a estrangeira que se
tornou uma legítima cidadã brasileira, culminando com a assinatura do decreto que no dia 2 de janeiro de 1822 decretou a separação do Brasil de Portugal, em reação à ordem das cortes portuguesas que determinava o regresso de D. Pedro a Portugal e, por via de consequência, o retorno do Brasil à condição de colônia.

Evidentemente que a história enaltece o gesto de D. Pedro às margens do riacho Ipiranga momento após receber a carta de D. Leopoldina e de José Bonifácio relatando a exigência da Corte Portuguesa do seu retorno imediato ao Reino Lusitano e das providências que havia tomado em defesa dos interesses do Brasil.

Talvez por evidenciar a atuação da princesa Leopoldina no processo de independência traria prejuízo à imagem de herói de D. Pedro, mercê do seu comportamento abusivo e desrespeitoso a ela, a história não faz justiça à primeira Imperatriz do Brasil, sequer faz menção de seu profundo amor à pátria brasileira e de todas as atividades que exercera em benefício do povo e da libertação do Brasil do domínio lusitano.

Uma das cartas escrita à sua irmã narra a sua tristeza e incômodo com o abandono de seu esposo e diz, textualmente:

“Há quase quatro anos, minha adorada mana, como a ti tenho escrito, por amor
de um monstro sedutor me vejo reduzida ao estado da maior escravidão e totalmente esquecida pelo meu adorado Pedro. Ultimamente, acabou de dar-me a última prova de seu total esquecimento a meu respeito, maltratando-me na presença daquela mesma que é a causa de todas as minhas desgraças. Muito e muito tinha a dizer-te, mas faltam-me forças para me lembrar de tão horroroso atentado que será sem dúvida a causa da minha morte”.

Seu envolvimento com a política a levaria a desempenhar um papel fundamental na
independência ao lado do maçom José Bonifácio de Andrada e Silva, ambos claramente
favoráveis a uma separação total e definitiva das cortes portuguesas, enquanto o próprio D.
Pedro, mesmo às vésperas da proclamação da independência, não desejava dissolver os
laços entre Portugal e Brasil, assim, de forma tão definitiva.

As correspondências da princesa Leopoldina à sua irmã demonstram cabalmente que ela abraçou a causa de brasileiros e, até, portugueses, que se movimentavam em direção a um
governo próprio, autônomo, mas, ainda, sem a pretensão de uma independência total de
Portugal.

Inegavelmente, pelos valores que sempre defendeu em favor do povo a fez ser amada e venerada pelos brasileiros e não é sem razão dizer que o seu prestigio junto à população se
tornava evidentemente maior do que o de D. Pedro, não somente pelas suas ações sociais,
mas, em especial, pela sua imagem sofrida de uma mulher traída e humilhada pelo Príncipe Regente, publicamente amasiado com Domitila de Castro e Silva.

O curso da história leva, a partir do Dia do Fico, a ações mais agressivas dos separatistas e, assim, passou a ser bem assimilada por D. Pedro e D. Leopoldina, tornando-os
protagonistas do movimento pela independência, vistos pelos brasileiros como aliados e, não, como possíveis inimigos a serem derrotados.

Apercepção feminina aliada à inteligência e ao profundo conhecimento dos bastidores
políticos e de sua efetiva participação nas decisões de D. Pedro deu-lhe a clara visão de que o Brasil poderia vir a ser uma nação portentosa muito mais relevante do que as cortes
portuguesas, em estado latente de decadência.

Aatitude de D. Leopoldina, defendendo os interesses brasileiros, acha-se presente no
texto da correspondência enviada a D. Pedro, que antecedeu o “grito do Ipiranga”:

“É preciso que volte com a maior brevidade. Esteja persuadido de que não é só o amor que me faz desejar mais que nunca sua pronta presença, mas sim as circunstâncias em que se acha o amado Brasil. Só a sua presença, muita energia e rigor podem salvá-lo da ruína”.

O legado da Princesa Leopoldina não se restringe, apenas, no episódio da independência, mas, é uma atuação permanente em defesa dos interesses brasileiros, conselheira de D. Pedro quando dos atritos entre Brasil e Portugal e a sua profunda preocupação com a situação escravagista, embora não houvesse nenhuma intenção do Príncipe Regente em abolir o comercio de escravos.

Mulher culta e de descendência nobre, D. Leopoldina foi uma constante incentivadora da arte no Brasil, inclusive, mister se faz registrar, que da sua comitiva fazia parte uma missão
científica composta de pintores, cientistas e botânicos europeus, devendo a pátria rasileira as cores da bandeira nacional, o verde representando a casa real de Bragança (Portugal) e o
amarelo a casa imperial de Habsburgo (Áustria) e, não as riquezas minerais e naturais como se tem dito nos livros de história.

Embora de origem aristocrática e absolutista, a Princesa Leopoldina abdicou de suas convicções para, de forma veemente e intensamente, defender os ideais e formas representativas de governo para o Brasil, influenciados pelo liberalismo e constitucionalismo.

AImperatriz Maria Leopoldina faleceu no dia 11 de dezembro de 1826 e seu corpo sepultado no Convento da Ajuda, na cidade do Rio de Janeiro, posteriormente trasladado para o Convento de Santo Antônio. Hoje os seus restos mortais estão no sarcófago de granito verde, ornado de ouro na Capela Imperial, sob o Monumento do Ipiranga, na cidade de São Paulo.

Num país de tão poucos heróis, enaltecer a figura ímpar da Imperatriz Leopoldina é uma imposição da história, e fazê-la lembrada como partícipe do mais importante movimento político brasileiro torna-se imperiosa obrigação de todos nós, principalmente.

 

 

BIBLIOGRAFIA:
PRANTNER, JOHANA– IMPERATRIZ LEOPODINADO BRASIL.
KAIZER, GLÓRIA– DONALEOPOLDINA– UMAHASBURGO NO TRONO BRASILEIRO.
IAN BETINA, SOUZALIMAPATRÍCIA– CARTAS DE UMAIMPERATRIZ.
RAMIREZ, EZEQUIELSTANLEY– AS RELAÇÕES ENTRE AÁUSTRIAE O BRASIL.
REZUTTI, PAULO – D. LEOPOLDINA: AHISTÓRIANÃO CONTADA.
BEZERRA, JULIANA– IMPERATRIZ LEOPOLDINA.

 

 

 

 

 

 

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