A LOJA DE KILWINNING ENTRE A LENDA E A VERDADE

Anestor Porfírio da Silva
10 janeiro 2015

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Num ponto afastado no tempo e num lugar distante, acha-se sepultado um acontecimento que o passar dos séculos, lentamente e de forma implacável, cuidou de encobrir deixando para os nossos dias apenas incertezas quanto à data em que efetivamente teria ocorrido o nascimento da maçonaria.

O ponto no tempo é o ano de 1.140; a região, a da antiga Caledônia (hoje Escócia); e o lugar, a Abadia de Kilwinning onde se supõe ter surgido a primeira célula da Ordem Maçônica, aquela que ainda poderia estar sendo reconhecida como a Loja Mãe da maçonaria universal o que se deu por longos anos, mas que hoje não mais se confirma unicamente pela ausência de provas materiais. Sua existência não teria sido efêmera, mas pelo período de alguns séculos, o bastante para servir de marco inicial de uma nova tomada de consciência entre os homens de bons costumes.

Aquela Oficina, cuja existência encontra-se mergulhada entre a dúvida e a certeza, teria saído de cena e adormecido em completo esquecimento não fosse uma possibilidade remota que se apresenta como via capaz de eliminar as inconseqüências geradas em torno de si no transcurso dos anos, por isso, não descartada, dada a sua persistência em não se esvair como desafio irremovível à própria história da Ordem Maçônica. Diante de hipóteses que podem retratar o fato, e se isto estiver mesmo dando conta da verdade, teria sido ela uma similitude da árvore do bem, que nasceu, cresceu, floresceu, deu bons frutos e que, antes de morrer, teria deixado as sementes que haveriam de garantir a continuidade e a proliferação de sua própria espécie como adiante se verá.

Entretanto, a condição que vinha sendo mantida de Loja mais antiga da maçonaria ficou insustentável a partir do momento em que a história da mencionada instituição passou a ser construída baseando-se em novos critérios dentre eles o de reconhecer como verdadeiros apenas os fatos cujas proposições se fundamentassem na existência de algo corpóreo, físico, de caráter probante que não deixasse dúvidas sobre a veracidade das respectivas ilações e não mais nas versões dúbias em relação à verdade, como as presunções, as suposições, as lendas etc..

Segundo afirmam os historiadores, a Escócia teria surgido no século I com a ocupação do antigo território da Caledônia situado ao norte da maior ilha britânica e que, ao ser invadido pelos romanos, passou a denominar-se Britânia. Esse fato, porém, da maneira como é narrado, contradiz a tradição local que afirma ter a Escócia nascido no ano de 843 quando Kenneth McAlpin tornou-se rei das duas únicas tribos, lá, até então existentes: a dos pictos e a dos escotos.

O feudalismo era o sistema social adotado na região e durou até por volta do ano de 1789. Há indícios de que aquela extensão insular tenha sido habitada há mais de dez mil anos.

No início, quando os pesquisadores começaram a montar o quebra-cabeça para se descobrir onde a maçonaria teria surgido, acreditou-se que tal fato se relacionasse diretamente com a criação da Loja de Kilwinning no já mencionado ano, o que a levou a ser considerada por longo tempo como Loja Mãe. Seu funcionamento teria ocorrido com anuência de alguns monges em instalações precárias contíguas às dependências (ou mesmo, nessas ditas dependências) do mosteiro da aldeia de Kilwinning, construído por uma ordem religiosa cuja sede era na província de Tyronesian (Escócia). Séculos mais tarde, dúvidas foram sendo alimentadas em torno dessa questão e não demorou muito para que os historiadores se convencessem de que o caso não passava de lenda. Daí em diante, sua condição de Loja Mãe foi desconsiderada. Também a sua existência deixou de ser levada em conta ante a obscuridade que envolve todo o período em que, supostamente, a dita loja pudesse ter funcionado em local onde só restaram escombros de uma edificação muito antiga, sem evidências concretas de quem foram, por acaso, seus fundadores, sem nenhum registro, sem atas, sem carta de fundação, sem constituição, enfim, sem qualquer elemento de valor probante quanto ao marco inicial de suas atividades, bem como quanto à data do abatimento de suas colunas.

A Abadia de Kilwinning está situada no reduto de Cuninngham e, quando do término de sua construção, os já referidos monges ocuparam-na e lá permaneceram até a sua desativação, o que deve ter ocorrido após o século XVIII, possivelmente, por força de revoluções políticas, perseguições religiosas, ou mesmo por reformas naturais decorrentes das transformações sociais que se tornaram inevitáveis ante a evolução e o progresso da região. Ao seu lado, permaneceu abandonada por muito tempo uma área vazia coberta por escombros e, a poucos metros dessa área, foi edificada uma obra onde até hoje funciona a Kilwinning Lodge. Há séculos atrás, esta loja reivindicou para si o reconhecimento de Loja Mãe de todas as outras sob a alegação de ser ela a mesma que em época anterior teria funcionado ali bem próximo, a trinta metros de distância e cujas instalações acabaram em ruínas. Todavia, a perda dos registros (atas) que poderiam comprovar sua existência entre os anos de 1.140 e 1.642, documentos que mostrariam muito bem ser ela a loja maçônica mais antiga do mundo, foi algo muito lastimável em relação à verdade. Desta feita, o reconhecimento de loja mais velha do mundo é atribuído à Lodge of Edinburgh, também na Escócia por ser, até aqui, a detentora do documento mais antigo, datado de 31/07/1599, sobre a existência da maçonaria.

kilwinninglodgeEntretanto, um fato é inegável, ou seja, o da existência já no ano de 1.140, na Escócia, das categorias profissionais que deram origem às associações corporativas surgidas na antiguidade, segundo se supõe, entre os mercadores e construtores das cidades com mais de dez mil habitantes, na Grécia, em Paris, em Roma, no Egito, entre os povos da bacia do mar Mediterrâneo etc..

Mais tarde, no transcorrer dos séculos XIII e XIV, tais categorias profissionais teriam se fortalecido no território escocês com inúmeros membros de uma organização secreta que para lá imigraram tangidos pelo receio de serem capturados e julgados pelo temível tribunal da Inquisição, do qual já tinham sido vítimas quatro de seus mais importantes líderes executados no ano de 1.314, em Paris, após condenação injusta. Dentre esses executados estava Jacques de Molay, o último Grão Mestre da referida organização que era conhecida, além de outras denominações, como Ordem dos Cavaleiros Templários. Essa organização adotava rituais (inclusive de iniciação) oriundos de crenças egípcias que foram levados para a região de Kilwinning pelos ditos imigrantes. Tempos depois, esse material, juntamente com os de outras organizações da época como ordens religiosas, ordens místicas, ordens cristãs, confrarias, associações de classes profissionais, seitas em geral, astronomia, ao que tudo indica, teria sido apreciado e servido de fonte inspiradora para o surgimento do ritual que deu origem ao Rito Escocês Antigo e Aceito, hoje, largamente difundido.

Como se observa, a imigração dos templários para a Escócia ocorreu antes de l.599, ano considerado como o do surgimento, de forma comprovada documentalmente, da primeira loja maçônica, em Edimburgo.  Sobre essa afirmativa também pairam dúvidas ao se levar em conta, mais do que a imigração dos templários, uma idéia até certo ponto plausível, baseada em coincidências entre alguns fatos ocorridos em época anterior ao ano acima mencionado, o que contra-argumenta a conclusão histórica acima e coloca frente a frente lenda e verdade, aumentando, assim, as incertezas sobre o passado sombrio daquela área anexa à Abadia de Kilwinning, em cujo espaço, escombros de uma instalação antiga se transformaram em enigma indecifrável.

Na Escócia, até então, pouco se falava em construções de obras como as grandes catedrais e castelos, mas era uma região onde viviam mercadores, construtores, pedreiros, lapidadores, artesãos, artífices etc., que faziam dessas profissões o seu meio de vida, embora tivessem pouca força representativa. Além disso, outras evidências se direcionam no sentido de que aquela loja pudesse, de fato, ter existido e uma delas é a crença da maçonaria local que há séculos vem dando como procedente essa afirmativa, por cuja razão ainda há quem a considere na posição de mais antiga do mundo e admite que possa ter sido ela a primeira a iniciar, antes do ano de 1.717, candidatos não pertencentes à classe dos construtores e pedreiros livres, mas que se destacavam por suas posições na sociedade.

Enfim, é certo que a verdade só se torna indiscutível mediante prova, porém, a ausência deste requisito, ainda que absoluta não nega a ocorrência do fato. É, pois, justamente por este motivo, o de “a ausência da prova não negar o fato,” que crenças e indícios marcantes continuam apontando a aldeia de Kilwinning como o berço onde teria surgido, funcionado ainda na fase operativa e perecido alguns séculos depois, a loja mais antiga. Foi daí, da força dos suportes basilares de uma crença alimentada há séculos pela maçonaria do mencionado lugar, que surgiu a idéia de lhe atribuírem a distinção de Loja Mãe, com a qual foi reconhecida ao longo de boa parte da história da maçonaria na Escócia. Associa-se ainda a tais argumentos, o fato de, depois de vários séculos, não se ter encontrado melhor forma explicativa de como e quando a maçonaria teria surgido naquele local e, mais ainda, como conseguiu se expandir às povoações circunvizinhas entre os anos de 1.140 e 1.642.

Se essa probabilidade contiver a certeza do fato aqui exposto, em torno do qual se avolumaram tantas contradições é sabido que dele nada restou senão crenças, evidências e fragmentos que há séculos atrás poderiam ter servido de leme para se traçar segura rota em direção à verdade, mas, hoje em dia, há que se admitir terem tornado tais evidências e fragmentos quase inservíveis a esse fim, porém não descartados de uma vez por todas como se nada tivessem a ver com o problema em foco. O que ainda é possível observar nessas trilhas em relação à verdade é a coerência entre alguns fatos históricos ligando uma coisa à outra. Isso continua lhes preservando certa dose de credibilidade que pode ser aferida se comparado o que lhes restou de valor com a importância da claridade de uma tênue luz que tenta inutilmente afastar a escuridão no final do túnel. Essas evidências, nos tempos atuais, já se tornaram inexpressivas, quase apagadas, mas ainda não deram o último suspiro, pois continuam alimentando dúvidas sobre o que afirmam os registros históricos em relação às origens da maçonaria. Nesses registros a aldeia de Kilwinning não aparece mais como o local onde, por muito tempo se acreditou, ter surgido a primeira loja do mundo, isto porque, para a história da maçonaria, o fato só não se confirmou unicamente por falta de provas materiais, ou seja, por conta de uma possível verdade transformada em mistério desde o momento em que um elo foi rompido sem antes deixar claro que espécie de instalação e a que fim teria se destinado a obra desfeita pelo tempo, cujos vestígios permaneceram visíveis, não se sabe até quando, numa área ao lado do mosteiro da mencionada aldeia.

Diante dessas e outras dúvidas não se pode então afirmar, nem tão pouco descartar a possibilidade de tais escombros serem o que teria sobrado de uma loja maçônica, daí concluir-se que a já referida área guarda mesmo um inviolável segredo acerca dos desígnios para os quais a obra lá edificada teria se destinado, se ao funcionamento de uma loja ou se ao proveito de outra atividade qualquer.

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O fato é que todo esse imbróglio que está a envolver a existência da Loja de Kilwinning coloca-a entre a lenda e a verdade, dificultando chegar-se à certeza do lugar onde efetivamente se deu a prática dos primeiros trabalhos ritualísticos com características Maçônicas. No caso da verdade, dir-se-ia que a loja em questão poderia estar ocupando o lugar número um na lista das lojas mais antigas e sendo reconhecida como a fonte primária de um legado que não ficou sepultado em meio àqueles escombros, mas que foi capaz de subsistir dando origem à maçonaria.

Mas, se o que envolveu a maçonaria e a aldeia de Kilwinning não passar de lenda como ficou patenteado pelos historiadores, o foco das atenções em torno do local onde teria surgido a mencionada instituição, sai então de Kilwinning e se volta para Edimburgo, também na Escócia, onde se constata de forma documentada, estar abrigada e já em funcionamento desde o ano de 1.599 a loja mais velha de toda a história da maçonaria.

Também foi a partir daquela época que a maçonaria passou a marcar presença na Inglaterra e a expandir-se pelos os demais países do norte oeste da Europa.

Algum tempo depois, inspirando-se no que, até então, vinha sendo praticado e aceito como preceitos basilares da Ordem Maçônica, e do que havia de textos escritos, foram traçados em definitivo, através de cartas, constituições e regulamentos, os rumos de uma nova ordem maçônica universal, com a redefinição de seus princípios e fundamentos, sua estrutura, seus objetivos e suas finalidades, concluindo-se assim um ciclo em que a busca incansável da verdade foi, sem dúvida, o mais exaustivo de todos os esforços.

Aquele acontecimento marcante na história da maçonaria se deu na Inglaterra, no ano de 1.717, a partir de quando tudo se consolidou e, de lá para cá, um acervo começou a se formar, hoje já bastante rico, como uma espécie de banco de dados que se constitui de farta documentação em poder das Lojas, obras escritas espalhadas por todos os continentes com inúmeros registros sobre sua trajetória e a descrição detalhada da vida dos mais ilustres maçons, assim reconhecidos e imortalizados, por seus relevantes serviços prestados a bem da Ordem e da humanidade.

 

            Anestor Porfírio da Silva
           M.I. e Membro Ativo da ARLS Adelino Ferreira Machado
Or. de Hidrolândia/GO
Conselheiro do Grande Oriente do Estado de Goiás  

 

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