AS INCRÍVEIS “FÉRIAS MAÇÔNICAS”

José Castellani

“Férias maçônicas” é uma invenção brasileira deste século e que vem sendo cada vez mais “esticada”, para satisfação daqueles que creem que trabalho maçônico é estafante. No Grande Oriente do Brasil temos, ultimamente, o alentado período de 30 dias – 20 de dezembro a 20 de janeiro – para que “cansados” maçons repousem de seu pesado trabalho … simbólico de operário. Isso, todavia, nem sempre aconteceu.

Consultando antigos livros de atas, pode-se constatar que as Lojas não paravam seus trabalhos nem no Natal, ou na passagem de ano. Tomemos, para exemplo, alguns casos:

  1. Na Loja Amizade, de São Paulo, dois padres (padres, vejam bem!), Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade e José Joaquim dos Quadros Leite, foram iniciados a 25 de dezembro de 1832; e no dia 30 de dezembro, foi iniciado o padre José Joaquim Rodrigues. E o templo da Loja, à rua Tabatinguera, foi inaugurado num dia 3 de janeiro (de 1873).
  2. Na Loja Piratininga, de São Paulo, a 23 de dezembro de 1912, era aprovada a proposta de que se alugasse o novo prédio da Loja, à rua Líbero Badaró, à firma Luiz Osório e Cia., por quatro contos de réis mensais, com contrato por cinco anos. A 8 de janeiro de 1890, era aprovado, em sessão econômica, um voto de congratulações pela escolha do marechal Deodoro da Fonseca para o Grão-Mestrado do Grande Oriente do Brasil.
  3. A Loja Fé e Perseverança, de Jaboticabal, promoveu a sua sessão de regularização a 5 de janeiro de 1890.
  4. A Loja Monte Líbano, de São Paulo, realizava uma sessão magna para iniciação de Júlio dos Santos Martins, português, agente comercial, a 31 de dezembro de 1914.
  5. A Loja União Paulista, de São Paulo, iniciava, a 7 de janeiro de 1924, o negociante italiano Francisco Maurano. A mesma Loja, a 27 de dezembro de 1928, iniciava o comerciante italiano Carlos Castellani.
  6. A Loja Fraternidade, de Santos – que, em 1915, fez fusão com as Lojas Renascença II e Cinco de Abril, formando a Fraternidade de Santos – em sessão de 31 de dezembro de 1955, resolvia que, na procissão em louvor a São Benedito, a Loja se faria representar com a imagem de S. João, a ela pertencente, a qual seria transportada e acompanhada pelos obreiros do quadro.

A partir do final do século passado, algumas Lojas começaram a fazer um pequeno hiato em seus trabalhos, da véspera de Natal até ao dia de Reis, a 6 de janeiro. Posteriormente, porém, iria haver um aumento, em uma Obediência – que iria se estender às demais e até ser esticado – de forma pitoresca:

A 25 de janeiro de 1955 – último dia dos festejos do o Centenário da cidade de São Paulo – era inaugurado o Edifício-Sede do Grande Oriente de São Paulo, à rua São Joaquim, cuja construção fora iniciado em 1948. Para os padrões da época, o prédio era opulento: 2.320 (dois mil trezentos e vinte) metros quadrados de construção; quatro templos para trabalho de 24 Lojas e mais um templo nobre; um subsolo e mais três andares, servidos por elevador Atlas; templos aerificados, através de um sistema de insuflação de ar fresco, produzido por ventiladores centrífugos de baixa pressão e rotação com motores elétricos de 5 a 10 HP, para expulsar o ar viciado e quente, que era aspirado para o exterior através de ventiladores bi helicoidais, com funcionamento automático; abastecimento de água através de dois reservatórios de concreto, um no subsolo, com capacidade para 10.000 litros e outro no último andar, com capacidade para 4.000 litros; dez instalações sanitárias completas; oito Câmaras de Reflexão, com dispositivo para se ver, de fora, o que se passa dentro, sem que, do interior, se perceba.

Evidentemente, um prédio tão grande e complexo é de difícil manutenção; e essa dificuldade é agravada pelo grande número de pessoas que por ali circulam e que ajudam a deteriorar a construção. E foi isso que aconteceu, em pouco tempo, pois, menos de três anos depois de sua inauguração, o edifício já necessitava de reparos. Diante disso, o Grão-Mestre Benedito Pinheiro Machado Tolosa, professor de Obstetrícia da Faculdade de Medicina de S. Paulo, emitia, a 9 de dezembro de 1957, o Ato No. 146, estendendo as férias maçônicas – que, então, iam de 24 de dezembro a 6 de janeiro – até ao dia 18 de janeiro, diante da necessidade de se proceder a reparos, limpeza geral e pintura parcial do Edifício-Sede. Nos dois anos seguintes, pelo mesmo motivo, elas foram estendidas até ao dia 20.

E a coisa acabou, rapidamente, se tornando “tradicional”, mesmo que os motivos tenham sido esquecidos e mesmo que nem se pense em reparos e pinturas, chegando, mesmo, até às Constituições do Grande Oriente do Brasil, as quais, antigamente, eram omissas, não fazendo qualquer alusão a férias. Acabou, além disso, chegando a outras Obediências, que, até, talvez adorando a ideia, esticaram mais ainda as tais “férias”, dando, inclusive, um “extra” no mês de julho, como se os maçons fossem aluninhos de escolas infanto-juvenis, com direito a férias de verão e férias de inverno. Os maus exemplos, geralmente, frutificam; ou seja: passarinho que anda com morcego acaba dormindo de cabeça para baixo.

E, até hoje, não apareceu ninguém para extirpar essa prática, que é esdrúxula, porque o trabalho maçônico é constante e ininterrupto, como o de outras entidades filosóficas, iniciáticas, assistenciais e de aperfeiçoamento do Homem (seria, realmente, cômico, se a Igreja, por exemplo, entrasse em férias). Coisas como essa é que desgastam a Maçonaria brasileira, reduzindo-a à condição de simples clube, ou sociedade recreativa, o que contribui para corroer a sua credibilidade pública.

Como, notoriamente, o uso do cachimbo faz a boca torta, será difícil acabar com essa invenção, pois as justificativas são muitas:

Uns alegam que é preciso dar férias aos funcionários da Obediência e das Lojas, esquecendo-se de que qualquer empresa, ou sociedade, dá férias aos seus funcionários, sem fechar as suas portas. Outros, no exercício do mais profundo egocentrismo, justificam as tais férias (inclusive as de inverno), com a necessidade de aproveitar as férias escolares e viajar com a família, esquecendo-se – intencionalmente, é claro – de que, se os filhos têm três meses de férias escolares, qualquer trabalhador tem, no máximo, 30 dias, a não ser que seja um nababo miliardário, ou um desocupado crônico. Além disso, muitos maçons, já maduros e sem filhos em idade escolar, gostariam de frequentar os trabalhos maçônicos, constantemente, mas são tolhidos pela ditadura egoísta dos que acham que, se eles não podem frequentar, os outros também não podem.

É o caso de recorrer à velha expressão: “Vai trabalhar, vagabundo”, pelo menos, na Maçonaria, já que a indolência, hoje, é marca registrada nacional (basta ver os tais “feriados prolongados”).

 

Postado por Irineu Bianchi
domingo, 18 de dezembro de 2016

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