William Almeida de Carvalho
Introdução
O presente artigo visa dar uma ideia panorâmica da Maçonaria Brasileira através da história do Grande Oriente do Brasil GOB, o tronco básico, e de suas posteriores cisões, principalmente a de 1927 e a de 1973. Para uma visão mais completa e aprofundada sobre o assunto pode ser consultado o livro História do Grande Oriente do Brasil de José Castellani e William Carvalho da Editora Madras de 2009. Até a primeira cisão de 1927, a história da Maçonaria brasileira se confundia com a história do Brasil. A partir de então, ou seja, no momento em que a Maçonaria deixa de ser um grupo estratégico, a história se bifurca, seguem rumos paralelos, com alguns contatos ocasionais. A partir da gestão de Jair Assis Ribeiro (1983-1993) no GOB assistiu-se a um ponto de inflexão do desenrolar da Maçonaria brasileira. Atualmente cresce a taxas chinesas, mas ainda não voltou a ser um interlocutor estratégico do país, como fora no passado.
A Maçonaria brasileira, pelo menos, está entrando num patamar de efervescência cultural e educacional com a criação de lojas de pesquisas, universitárias, academias etc. que dentro em breve, inevitavelmente terá desdobramentos significativos. Assim como no passado, a Maçonaria emprestou a sua organização para um país que não possuía partidos políticos, ele poderá, neste limiar do século XXI, ajudar o país, que ainda possui instituições políticas com ranço de desempenho pré-iluministas, a criar valores e instituições verdadeiramente republicanos. O Brasil proclamou a República, mas seus valores ainda são patrimonialistas. Este é o grande desafio que a Maçonaria poderá ajudar o Brasil adequar sua escala de valores e desempenho neste século.
Deu-se particular ênfase às duas cisões no século XX por sua importância estratégica. Compõem ainda o presente trabalho dois anexos: i) a relação dos Grão-Mestres do GOB e ii) um quadro estatístico sobre as Obediências e os maçons brasileiros, considerados regulares, tais como o GOB, as Grandes Lojas e a COMAB (Confederação Maçônica do Brasil). Convém ainda salientar que todas as cisões no Brasil se devem à perda de eleições e não a divergências doutrinárias. Pelos dados apresentados pode-se afirmar que o Brasil possui mais de 6.000 lojas maçônicas e quase 200.000 maçons. Essas são as potências ditas regulares.
Primórdios
Com os dados hoje disponíveis, a primeira referência a uma Loja maçônica brasileira que se tem notícia teria sido em águas territoriais da Bahia, em 1797, em uma fragata francesa La Preneuse, denominada Cavaleiros da Luz, sendo pouco tempo depois transferida para a Barra, um bairro de Salvador. Contudo, a primeira Loja regular do Brasil foi a Reunião, fundada em 1801, no Rio de Janeiro, filiada ao Oriente da Ilha de França (Ille de France), antigo nome da Ilha Maurício, à época possessão francesa e hoje britânica.
Dois anos depois o Grande Oriente Lusitano, desejando propagar, no Brasil, a “verdadeira doutrina maçônica”, nomeou para esse fim três delegados, com plenos poderes para criar lojas regulares no Rio de Janeiro, filiadas àquele Grande Oriente. Criaram, então, as Lojas Constância e Filantropia, as quais, junto com a Reunião, serviram de centro comum para todos os maçons existentes no Rio de Janeiro, regulares e irregulares, tratando de iniciar outros, até ao grau de Mestre. Apesar de controvérsias a exigir maiores pesquisas nesta área, essas foram as primeiras Lojas oficiais e consideradas regulares, pois já existiam, anteriormente, agrupamentos secretos, em moldes mais ou menos maçônicos, funcionando mais como clubes, ou academias, mas que não eram Lojas na acepção da palavra.
Depois da fundação daquelas três primeiras Lojas “oficiais”, espalharam-se, nos primeiros anos do século XIX, Lojas nas províncias da Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro, livres, ou sob os auspícios do Grande Oriente Lusitano e do da França. Convém salientar que os governos coloniais da época tinham instruções precisas para impedir o funcionamento de Lojas no Brasil. Tanto assim que aquelas Lojas – Constância e Filantropia – foram fechadas em 1806 no Rio de Janeiro, cessando as atividades maçônicas nesta cidade, mas continuando e se expandindo, principalmente na Bahia e em Pernambuco. O Rio de Janeiro, contudo, não podia ficar sem uma Loja, e apesar desta proibição os trabalhos prosseguiam com as Lojas São João de Bragança e Beneficência.
Um fato importante para a história do futuro Grande Oriente do Brasil foi que a Loja Comércio e Artes, fundada em 1815, conservaram-se independente, adiando sua filiação ao Grande Oriente Lusitano, porque os seus membros pretendiam criar uma Obediência brasileira. Convém ainda salientar que no ano de 1817 ocorreram dois fatos de suma gravidade em termos de crime de lesa-majestade. Estouraram duas revoluções: i) a Revolução Pernambucana de 1817, um movimento revolucionário, de caráter fortemente nacionalista, feito no sentido de implantar a República em Pernambuco; e ii) Conspiração Liberal de Lisboa de 1817 liderada pelo nosso Ir. General Gomes Freire de Andrade, ex-Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano. Dado esse clima de sedição, tanto em Portugal como no Brasil, houve a expedição do draconiano alvará de 30 de março de 1818, que proibia o funcionamento das sociedades secretas. As Lojas resolveram então cessar seus trabalhos, até que pudessem ser reabertas sem perigo. Os maçons, todavia, continuaram a trabalhar secretamente como no Clube da Resistência, fundado no Rio de Janeiro.
Estoura a Revolução Liberal do Porto em 1820, liderada pelos maçons portugueses, exigindo a volta de D. João VI para Portugal. A partir de então os acontecimentos começam a se precipitar. Também é desencadeada na Espanha a Revolução de 1820. A vaga liberal (maçônica) começava contestar os Estados Absolutistas da Península Ibérica. No Brasil, o ano de 1821 começou com uma série de acontecimentos político-militares que culminariam na Independência do Brasil. Como naquela época inexistiam os partidos políticos, foi necessária uma organização que coordenasse e mobilizasse o descontentamento político e a Maçonaria brasileira emprestou sua organização para tal fim. Voltava, então, à plena atividade.
O primeiro fato foi à sedição das tropas a 26 de fevereiro que impunham ao rei D. João VI o juramento à Constituição portuguesa, o que provocou o início de intensa conspiração, entre os quais muitos maçons, visando à independência do Brasil. Os acontecimentos seguintes foram os de 20 e 21 de abril, quando houve a sedição dos eleitores, exigindo a permanência do rei no País, o que provocou a pronta reação das tropas portuguesas, que garantiram o embarque da família real. Todos esses fatos atraíram a atenção policial contra os maçons, o que não impediu, todavia, que a Loja Comércio e Artes voltassem a trabalhar secretamente, reerguendo suas colunas a 24 de junho de 1821. Agora com o nome de Loja Comércio e Artes na Idade do Ouro, sob os auspícios do Grande Oriente de Portugal, Brasil e Algarves.
A afluência de adesões foi tão grande nos meses seguintes que logo se pensou em criar uma Obediência nacional, o que aconteceria a 17 de junho de 1822, com a subsequente divisão do “Comércio e Artes”, formando o trio de Lojas fundadoras do Grande Oriente. A partir deste momento, a Maçonaria brasileira deixava de ser um grupo heterogêneo de Lojas esparsas ou ligadas a algumas Obediências Estrangeiras para se transformar em mais uma célula do sistema obediência mundial.
Apresenta-se um breve resumo dos primórdios até a fundação do Grande Oriente do Brasil, a mais antiga, a maior e a mais tradicional Obediência brasileira. Apesar da precariedade documental, pode-se apresentar a seguinte cronologia: 1796 – Fundação, em Pernambuco, do Areópago de Itambé, que não era uma verdadeira Loja, pois, embora criado sob inspirações maçônicas não fosse totalmente composto por maçons;
1797 – Fundação da Loja Cavaleiros da Luz, na povoação da Barra, Bahia;
1800 – Criação, em Niterói, da Loja União;
1801 – Instalação da Loja Reunião, sucessora da União;
1802 – Criação, na Bahia, da Loja Virtude e Razão;
1804 – Fundação das Lojas Constância e Filantropia;
1806 – Fechamento, pela ação do conde dos Arcos, das Lojas Constância e Filantropia;
1807 – Criação da Loja Virtude e Razão Restaurada, sucessora da Virtude e Razão;
1809 – Fundação, em Pernambuco, da Loja Regeneração;
1812 – Fundação da Loja Distintiva, em S. Gonçalo da Praia Grande (Niterói);
1813 – Instalação, na Bahia, da Loja União;
1813 – Fundações de uma Obediência efêmera e sem suporte legal – que alguns consideram como o primeiro Grande Oriente Brasileiro – constituída por três Lojas da Bahia e uma do Rio de Janeiro;
1815 – Fundação, no Rio de Janeiro, da Loja Comércio e Artes;
1818 – Expedições do Alvará de 30 de março, proibindo o funcionamento das sociedades secretas, o que provocou a suspensão – pelo menos aparentemente – dos trabalhos maçônicos;
1821 – Reinstalação da Loja Comércio e Artes, no Rio de Janeiro;
1822 – 17 de junho: fundação do Grande Oriente.
A Luta pela Independência
O objetivo principal dos fundadores do Grande Oriente era a independência do país no momento em que a Família Real era forçada a voltar a Portugal, pela Revolução Constitucionalista do Porto de 1820. Os maçons brasileiros irão aos poucos perceber que, além da solidariedade e da fraternidade internacionais, a geopolítica portuguesa, manejada pelos maçons do Porto, buscaria levar o Brasil ao status quo ante de colônia, depois de ser elevado a Reino Unido de Portugal e Algarves no final de 1815 por D. João VI, então Príncipe Regente no Reinado de D. Maria I, sua mãe.
O primeiro passo oficial dos maçons, nesse sentido, foi o Fico, de 9 de janeiro, o qual representou uma desobediência aos decretos, emanados das Cortes Gerais portuguesas, e que exigiam o imediato retorno do príncipe a Portugal e, praticamente, a reversão do Brasil à sua condição colonial, com a dissolução da união brasílico-lusa, elaborada por influência do Congresso de Viena.
Assiste-se então ao embate de duas forças econômicas nos dois países: os comerciantes do Porto, que sempre foram o entreposto entre a Colônia e a Metrópole e a Base Escravocrata do Brasil, representada pelas grandes famílias do Tráfico de Escravos e os grandes fazendeiros, que a partir da vinda da Família Real em 1808, já operava com os interesses britânicos. Os maçons brasileiros que, no início estavam embalados pelas ideias do Reino Unido ou implantação de uma República, vão aos poucos se desligando das Cortes Gerais portuguesas.[i]
O episódio do “Fico” 9 de janeiro de 1822 foi feito, no Rio de Janeiro, sob a liderança dos maçons José Joaquim da Rocha e José Clemente Pereira e com a representação de diversas províncias ao príncipe, principalmente a Província de São Paulo, cujo motor principal era o Ir. José Bonifácio de Andrada e Silva, o futuro Patriarca da Independência, no sentido de que desobedecesse aos decretos, permanecendo no País.
Começava, neste momento, o processo de aliciamento do Príncipe Regente – D. Pedro que começava a perceber a força do Grande Oriente, o qual continuaria, logo depois, quando os maçons fluminenses, resolvia, a 13 de maio de 1822, outorgarmos-lhe o título de Defensor Perpétuo do Brasil, numa cartada política a qual não faltavam, porém, interesses das lideranças, que pretendiam melhorar seu prestígio político junto ao regente e até suplantar o respeito de que José Bonifácio, já então o ministro todo-poderoso das pastas do Reino e de Estrangeiros, desfrutava junto a ele. As escaramuças entre os grupos de Gonçalves Ledo, de tendência mais republicana e de José Bonifácio, de tendência mais monárquica constitucional, já começavam a se propagar.
Com o grande número de adesões à Loja líder do movimento emancipador, a Comércio e Artes, Primaz do Brasil, dividiu-se em três – Comércio e Artes, União e Tranquilidade e Esperança de Nichtheroy para então formar o Grande Oriente Brasílico ou Brasiliano, o primeiro nome do Grande Oriente do Brasil – GOB, a 17 de junho de 1822. Já existia uma instituição para maçônica chamada Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, ou simplesmente Apostolado fundada por José Bonifácio a 2 de junho de 1822. Era uma organização nos moldes da Carbonária europeia cuja atuação Bonifácio bem conhecera, durante os anos em que permanecera na Europa.
O Apostolado e o Grande Oriente viriam a representar facções diferentes da Maçonaria brasileira, a primeira, sob a liderança de José Bonifácio, que teve papel importante na História do Brasil, e a segunda, sob a de Gonçalves Ledo, com papel considerável na História da Maçonaria, ambas defendendo a emancipação política do País, mas sob formas diferentes de governo e maneiras diversas de encarar a questão. O grupo filo republicano de Ledo, Clemente Pereira, Francisco Nóbrega e cônego Januário Barbosa defendia o rompimento total dos laços com a metrópole monárquica portuguesa e um regime que o aproximasse mais daquele dos demais países latino-americanos, que, paulatinamente, iam conseguindo sua independência da Coroa espanhola. O grupo de Bonifácio, presente no Grande Oriente, mas encastelado principalmente no Apostolado, pregava a união brasílico-lusa, ou seja, uma comunidade luso-brasileira de países autônomos, que englobasse as colônias e não admitisse a escravização dos negros e, mais tarde, a união do Brasil em torno da figura imperial de D. Pedro I. Crucial para entender o Zeitgeist da época são as Anotações à Biografia de Vasconcelos de Drummond, escritas pelo próprio. José Bonifácio foi o primeiro Grão-Mestre do Grande Oriente, sendo, pouco depois, sucedido pelo próprio Imperador no grão-mestrado.
Após a Proclamação da Independência por D. Pedro I em 7 de setembro de 1822, o mesmo resolveu fechar o Grande Oriente em 25 de outubro do mesmo ano, permanecendo adormecido até 1831. Trabalhos maçônicos continuaram, contudo, a ser executados em lojas individuais. O próprio Imperador chegou a montar uma Loja no palácio.
Os maçons deputados à Assembleia Nacional Constituinte continuaram atuando em forte oposição ao Imperador que resolveu fechá-la e outorgar uma Constituição em 24 de março de 1824 que durou todo o período imperial. Depois disso, o maçom do Grande Oriente e os dos apóstolos, que tinham visto suas entidades serem fechadas pelo imperador, uniram-se contra ele, em um processo de solapamento do trono, o qual viria a culminar na abdicação de 7 de abril de 1831, após a qual foi reinstalado o Grande Oriente.
Adormecimento, Reinstalação e um Oriente Concorrente
No período compreendido entre a suspensão dos trabalhos do Grande Oriente, em outubro de 1822, e a abdicação de D. Pedro I, a atividade maçônica foi bastante atenuada, embora não tenha parado totalmente, nem nos trabalhos de Loja nem na política. Antes de abdicar, D. Pedro I, nomeou José Bonifácio, tutor de seu filho. Turbulências políticas não faltaram neste reinado de D. Pedro I, sendo que o principal fato foi o movimento revolucionário de 1824, que visava congregar sob regime republicano – na chamada Confederação do Equador – as províncias do Nordeste, que se haviam rebelado contra os atos de D. Pedro.
Movimento de nítida inspiração maçônica, a Revolução de 1824 teve, como um de seus principais líderes, o frei Caneca – Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca –, frade carmelita, maçom e republicano, que já havia sido um dos expoentes da Revolução Pernambucana de 1817 e que, entre dezembro de 1823 e agosto de 1824, fez intensa pregação republicana em 29 números do Typhis Pernambucano, jornal que publicou no Recife, desferindo campanha contra o imperador, desde a dissolução da Constituinte e a imposição da Constituição de 24 de fevereiro de 1824.
De 1824 a 1829, pouco se sabe sobre a atividade maçônica. Após a abdicação de D.Pedro I, a 7 de abril de 1831, os maçons começaram a se reagrupar. O remanescente do primeiro reconhecido Grande Oriente Brasileiro, vendo que, após a renúncia, havia um clima mais liberal, o qual seria propício aos trabalhos maçônicos, reuniram-se em outubro de 1831, reinstalando os três primeiros quadros. E, para que esse ato fosse legal, os primeiros oficiais da Obediência instalada em 1822 juntaram-se em assembleia, juntamente com o primeiro Grão-Mestre José Bonifácio, sob a determinação de que todos só serviriam provisoriamente, até que fosse concluída a Constituição do Grande Oriente do Brasil, sucessor do Grande Oriente Brasiliano. Logo depois que foi reinstalado, o Grande Oriente publicou um manifesto, assinado por José Bonifácio, dirigido a todos os maçons brasileiros e às Obediências estrangeiras, anunciando que seus trabalhos retomavam força e vigor.
Antes, todavia, da reinstalação do Grande Oriente do Brasil, já havia surgido outro, denominado Grande Oriente Nacional Brasileiro, ou simplesmente Grande Oriente do Passeio, em alusão à rua onde funcionava. O Grande Oriente do Brasil, que se considerava sucessor do Grande Oriente Brasílico (ou Brasiliano), de 1822, seria reinstalado a 23 de novembro de 38 1831. No manifesto do Grande Oriente do Brasil, entre uma visão do desenvolvimento na Maçonaria no Brasil até aquela data, havia o convite, para que os membros do Grande Oriente do Passeio se reunissem em um só círculo maçônico, o qual, todavia, foi rejeitado.
Assistir-se-á um conflito permanente entre os dois Orientes na busca de representar a Maçonaria brasileira. Os problemas aumentariam, no fim de 1832, com a introdução, por Francisco Gê Acayaba de Montezuma, filiado a ambas as Obediências, de um Consistório e um Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito, já que o Grande Oriente do Passeio iria fazer com que suas oficinas adotassem o rito. E o Grande Oriente do Brasil assumia o Rito Moderno, ou Francês.
Apesar desses percalços, o Grande Oriente do Brasil continuava trabalhando no terreno social, começando sua luta pela libertação dos escravos, com autorização de despesas para cartas de alforrias, até desembocar, na metade do século, em franca e decidida campanha abolicionista. Após a renúncia de D. Pedro, o país passou a ser governado por Regência – trina ou unas ocupadas por maçons de tendências liberais – gerando neste período uma série de convulsões políticas e sociais. Dada a fragilidade da regência fazia com que setores conservadores trabalhassem pela restauração do primeiro imperador brasileiro, enquanto os setores liberais queriam impedir qualquer tentativa de retorno do Imperador deposto.
Em 1835, o GOB instalava, a 6 de agosto, o Soberano Capitulo do Rito Francês, ou Moderno. A 26 de março de 1836, era fundado, no Rio de Janeiro, o Ilustre Conselho Kadosh Nº 1. Em 1836, José Bonifácio era reeleito Grão-Mestre. Em 1837, constituía-se, em lugar dos Capítulos, um Grande Colégio de Ritos, ficando, com isso, regulamentado o REAA, embora o rito oficial da Obediência continuasse a ser o Francês. No final do mesmo ano, a 3 de dezembro, José Bonifácio, com a saúde bastante abalada – viria a falecer a 6 de abril de 1838 – entregava o Grão-Mestrado ao futuro visconde de Albuquerque, Holanda Cavalcanti de Albuquerque, que havia sido eleito para o cargo. O novo GM tenta uma reaproximação com o Passeio. No mesmo ano ainda era reinstalada uma loja no Rito Adonhiramita, que não era mais praticado no Brasil. O Rito Adonhiramita, até a pouco tempo atrás, era praticado somente no Brasil, perecendo no resto do mundo.
No início da década de 40, o Passeio começa a entrar em decadência, perdendo diversas lojas para o GOB. No terreno político, membros das duas Obediências participavam ativamente dos acontecimentos do período da Regência, em que quase todos foram maçons, e iriam ter atuação marcante no movimento pela maioridade do herdeiro do trono. Neste período regencial, as correntes políticas organizavam-se em diversos grupos, trazendo instabilidade ao regime: o grupo dos exaltados queria chegar, logo, à república e ao federalismo; temendo esses excessos, os reacionários (chamados de restauradores, ou “caramurus”) desejavam a volta do imperador, enquanto se formava a corrente preponderante, a dos moderados, liderada pelo maçom e jornalista Evaristo Ferreira da Veiga.
Quando foi tomada a decisão de substituir a Regência Trina pela Regência Una, o Ir. Feijó foi eleito, a 7 de abril de 1835, Regente do Império, com 2.828 votos, ante 2.251 dados a Holanda Cavalcanti, futuro Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil. Assistia-se, mais uma vez, o eterno embate entre maçons liberais e conservadores.
Com o acirramento das lutas entre os restauradores, os exaltados e os moderados, os regentes, não mais podendo suportar a pressão, retiraram, por decreto de 1833, José Bonifácio da tutoria, após o que ele foi preso e posto em sua casa, onde ficaria confinado, sendo Grão-mestre do Grande Oriente do Brasil, cargo para o qual fora eleito a 6 de novembro de 1832. Embora confinado – já ostentando o 33º grau, recebido a 5 de março de 1833, do Supremo Conselho criado por Montezuma –, ele continuaria com a autoridade do cargo.
Ainda durante esse período, teria início, em 1835, a Revolução Farroupilha, movimento autonomista que se estenderia até 1845 e que, tendo sido liderado pelo maçom Bento Gonçalves da Silva, teve entre os seus expoentes outros dois maçons: David Canabarro e Giuseppe Garibaldi, que iria posteriormente lutar pela unificação italiana.
A 1º de janeiro de 1842 era dissolvida a Câmara dos Deputados, ainda durante as sessões preparatórias, o que enfureceu os liberais, ocasionando as revoluções armadas de Minas Gerais e de São Paulo, esta última chefiada, pelos maçons padre Feijó e senador Vergueiro.
A 9 de setembro de 1850, sucedendo a Holanda Cavalcanti, tomava posse, como Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, o então visconde – depois marquês – de Abrantes, Miguel Calmon du Pin e Almeida.
O Ocaso do Passeio e a Criação dos Beneditinos
Enquanto isso, o Grande Oriente do Passeio conhecia um processo de franca deterioração. No início de 1861, o Grande Oriente do Passeio estava quase liquidado, com a passagem do visconde do Uruguai, ex-GM do Passeio, para o Grande Oriente do Brasil, acompanhado por cerca de 20 Lojas.
Em 1863, quando o Grande Oriente do Brasil, que funcionava agora na Rua do Lavradio e era conhecido daí por diante como Grande Oriente do Lavradio, livre das divisões, depois de absorver o Grande Oriente do Passeio, preparava-se para um período de pujança interna e externa, eis que surge uma grave cisão, com o afastamento de cerca de 1.500 maçons, que, sob a liderança de Ir. Joaquim Saldanha Marinho fundou uma nova Obediência, a qual tomou o nome do local onde funcionava: Grande Oriente do Vale dos Beneditinos ou, simplesmente, Grande Oriente dos Beneditinos.
A 25 de novembro de 1963, em uma sessão tumultuada por elementos da oposição, o barão de Cayru era aclamado – dadas às circunstâncias – novo Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil. Com o falecimento de Cayru, a 26 de dezembro de 1864 era eleito Joaquim Marcelino de Brito para o Grão-Mestrado. Mesmo perdendo algumas Lojas para a agremiação de Saldanha Marinho, o Grande Oriente aumentou seu número de Oficinas, por meio da dinamização que a ele foi imposta, como reflexo da própria emulação provocada pela dissidência.
Em 1869, começavam gestões para reunificar as duas Obediências, por interferência da Maçonaria portuguesa, que, em outubro daquele ano, realizara a fusão do Grande Oriente Lusitano com o Grande Oriente Português, daí resultando o Grande Oriente Lusitano Unido.
Ocorre que o antigo Grande Oriente Lusitano havia assinado tratado de amizade e reconhecimento com o Grande Oriente dos Beneditinos, enquanto o Português possuía o mesmo tratado com o Grande Oriente do Lavradio, o que, depois da fusão, criou uma situação de mal-estar, 40 fazendo com que os maçons portugueses pressionassem os brasileiros, para que estes imitassem as Obediências portuguesas.
Em decorrência disso, Saldanha Marinho propõe a Marcelino de Brito, no final de 1869, o início de um diálogo para a união das duas Obediências, o que foi aceito pelo Lavradio, formando, cada um dos grêmios, em 1870, comissão destinada a estudar a questão e cujos trabalhos se estenderiam até 1871. No plano político-social, a atuação dos maçons e da Maçonaria foi, nessa década, bastante evidente e produtiva, em torno do abolicionismo, já bastante amadurecido, e do nascente movimento republicano.
Em relação ao abolicionismo, embora só nessa década e ele se tivesse tornado mais marcante, o fato é que diversos atos isolados, inclusive de maçons, já marcavam o movimento, como é o caso da atitude pioneira da República Rio-grandense, originária da eclosão da Revolução Farroupilha, liderada pelos maçons Bento Gonçalves e David Canabarro, fazendo libertar os escravos.
Depois da lei do maçom Eusébio de Queirós, de 1850, que extinguia o tráfico, a escravatura, no Brasil, continuou a ser mantida pela reprodução. Isso levou o Comitê Francês de Emancipação, entidade organizada pelo Grande Oriente da França, a solicitar, ao governo brasileiro, em 1867, a libertação total dos escravos no País; o governo imperial, por meio de Zacarias de Góes, chefe do Gabinete, responderia atenciosamente ao pedido, esclarecendo que, após a Guerra do Paraguai, em que o Brasil se empenhava, a questão seria tratada com carinho.
A essa altura dos acontecimentos, muitas Lojas já se encontravam em plena efervescência abolicionista, além de republicana, já que, na realidade, a campanha pela abolição ocorreu, nos meios maçônicos, com a campanha republicana, sendo ambas baseadas na radicalização de posições assumidas por uma ala jovem da Maçonaria brasileira, representada no governo central, no Parlamento, nos quartéis, nas letras e nas ciências.
No tocante ao movimento republicano, não foi menor a atuação no período, já que, como fruto desse trabalho, era lançado, a 3 de dezembro de 1870, o manifesto republicano, de inspiração maçônica, liderado por Saldanha Marinho e redigido pelo também maçom Quintino Bocayuva, futuro Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil. Ficava, assim, criado o Partido Republicano, que iria crescer extraordinariamente nos anos seguintes.
Os estudos para a fusão do Grande Oriente do Brasil com o Grande Oriente do Vale dos Beneditinos, encerrando a dissidência de 1863, acabariam dando em nada, diante das posições que seriam assumidas por ambas as Obediências, a partir de abril de 1871.
Uma comissão de notáveis havia sido designada para encontrar um nome aglutinador e experiente, para dirigir o Grande Oriente naqueles agitados dias. Indicado inicialmente, o conselheiro José Tomaz Nabuco de Araújo acabou por não aceitar, o que fez com que a comissão se fixasse no nome de José Maria da Silva Paranhos, o visconde do Rio Branco. Essa escolha suscitou muitas objeções, já que a oposição alegava que o visconde, não sendo membro efetivo do Supremo Conselho, não poderia se candidatar ao cargo de Soberano Grande Comendador Grão-Mestre. A objeção acabaria sendo superada, quando o Grande Oriente do Brasil resolveu considerar elegíveis todos os portadores do 33º grau do Rito Escocês, para os cargos de Grão-Mestre e de Grão-Mestre Adjunto.
Em 1870, como ministro dos Estrangeiros, no gabinete, do marquês de Itaboraí (Joaquim José Rodrigues Torres, que havia sido Grande Orador do Grande Oriente do Passeio), Paranhos havia assinado o tratado de paz com Assunção (Paraguai), o que lhe valeu a nomeação para o Conselho de Estado e o título de visconde do Rio Branco. Alguns dias antes de assumir o Grão-Mestrado do Grande Oriente do Brasil, ele se tornaria presidente a presidência do Conselho de Ministros, tendo seu Gabinete, sido o de mais longa duração de toda a história do Império, de 7 de março de 1871 a 25 de julho de 1875.
CONTINUA… Nas 2ª e 3ª partes.
Anexo 1
Grão-Mestres do GOB
- José Bonifácio de Andrada e Silva – Ministro 1822
- D. Pedro I Príncipe Regente e Imperador – 1822
- José Bonifácio de Andrada e Silva – Ministro 1831 a 1838
- Antônio Holanda Cavalcanti – Visc. de Albuquerque 1838 a 1850
- Miguel Calmon du Pin e Almeida Marquês de Abrantes 1850 a 1863
- Honorário Luiz Alves de Lima e Silva Duque de Caxias 1850 a 1863
- Bento da Silva Lisboa Barão de Cayrú 1863 a 1865
- Joaquim Marcelino de Brito – Sup. Tribunal de Justiça 1865 a 1870
- José Maria da Silva Paranhos Visconde do Rio Branco 1870 a 1880
- Francisco José Cardoso Junior – Marechal 1880 a 1885
- Luiz Antonio Vieira da Silva Visconde Vieira da Silva 1885 a 1889
- João Baptista Gonçalves Campos Visconde de Jary 1889 a 1890
- Manoel Deodoro da Fonseca Presidente do Brasil 1890 a 1891
- Antonio Joaquim de Macedo Soares – Conselheiro 1891 a 1901
- Quintino Bocayuva Ministro de Estado 1901 a 1904
- Lauro Nina Sodré e Silva – General e Senador 1904 a 1916
- Interino Francisco Glicério de Cerqueira Leite – General 1905
- Veríssimo José da Costa Júnior – Almirante 1916 a 1917
- Nilo Procópio Peçanha Presidente da República 1917 a 1919
- Thomaz Cavalcanti de Albuquerque – General 1919 a 1922
- Mário de Carvalho Behring Engenheiro e Jornalista 1922 a 1925
- Interino Bernardino de Almeida Senna Campos 1925
- Vicente Saraiva de Carvalho Neiva Ministro do STF 1925 a 1926
- João Severiano da Fonseca Hermes 1926 a 1927
- Octávio Kelly Ministro do STF 1927 a 1933
- José Maria Moreira Guimarães – General 1933 a 1940
- Joaquim Rodrigues Neves 1940 a 1952
- Benjamin de Almeida Sodré – Almirante 1952 a 1954
- Cyro Werneck de Souza e Silva – Advogado 1954 a 1963
- Álvaro Palmeira – Professor 1963 a 1968
- Moacir Arbex Dinamarco – Médico 1968 a 1973
- Osmane Vieira de Resende – Odontólogo 1973 a 1978
- Osiris Teixeira – Senador 1978 a 1983
- Jair Assis Ribeiro Empresário 1983 a 1993
- Francisco Murilo Pinto – Desembargador 1993 a 2001
- Laelso Rodrigues – Empresário – 2001 a 2008
- Marcos José da Silva – Funcionário Público – 2008 a 2013.
Anexo 2
- Grande Oriente do Brasil
Registro da Grande Secretaria Geral da Guarda dos Selos
Ano | Total Lojas | Acresc. % | |
2003 | 2.090 | ||
2004 | 2.150 | 60 | 2,79% |
2005 | 2.245 | 95 | 4,23% |
2006 | 2.318 | 73 | 3,14% |
2007 | 2.400 | 82 | 3,65% |
2008 | 2.484 | 64 | 2,78% |
2009 | 2.528 | 64 | 2,59% |
Ano | Total Obreiros | Acresc. % | |
2003 | 54.843 | ||
2004 | 54.857 | 14 | 0,03% |
2005 | 58.466 | 3609 | 6,17% |
2006 | 60.979 | 2513 | 4,12% |
2007 | 63.842 | 2863 | 4,48% |
2008 | 66.651 | 2809 | 4,21% |
2009 | 68.593 | 1942 | 2,91% |
Dados reais. Fonte: GOB
2. Grandes Lojas
CMSB Grandes Lojas 2530 Lojas Maçônicas 94486 Maçons
Fonte: List of Lodges 2009
3. COMAB
Número de Lojas: 1072
Número de Obreiros: 33497
Número de Grandes Orientes afilados a COMAB: 20
Fonte: Grandes Orientes Independentes de cada estado a Secretaria Geral da COMAB
Total (I+II+III)
Lojas: 6130
Maçons: 196576
William Almeida de Carvalho
Ex-Diretor da Biblioteca do Grande Oriente do Brasil,
ex-Secretário de Educação e Cultura do GODF-GOB.
Autor de diversos livros sobre a Maçonaria no Brasil.
Membro da Loja de Pesquisas Quatuor Coronati de Londres, da Scottish Rite Research Society.
Presidente da Academia Maçônica de Letras do DF.
Tesoureiro da Academia Maçônica do Brasil e da Academia Maçônica de Letras da Paraíba.
Doutor em Ciência Política pela Panthéon-Sorbonne.
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Exemplar em PDF para sua biblioteca: Clique aqui: HISTORIA DO GOB- WILLIAM CARVALHO
[i] William Almeida de Carvalho, Maçonaria, Tráfico de Escravos e o Banco do Brasil (São Paulo: Ed. Madras, 2010).