William Almeida de Carvalho
O mandato do visconde do Rio Branco no GOB representa um dos pontos altos da Maçonaria brasileira. A gestão de Rio Branco, à frente do Gabinete, foi das mais profícuas do Segundo Império. Do ponto de vista maçônico, entretanto, sua contribuição mais notável foi a apresentação da lei aprovada a 28 de setembro de 1871, a qual declarava livres, daí em diante, as crianças nascidas de escravas e que passou à história com o nome vulgar de Lei do Ventre Livre (embora tenha, legislativamente, sido denominada “Lei Visconde do Rio Branco”). Sob pressão não só maçônica, mas também política, por parte dos que viam, nessa lei, uma alternativa ao caos que representaria urna imediata e extemporânea extinção total da escravatura, Rio Branco, aproveitando a viagem do imperador e da imperatriz Tereza Cristina à Europa, com a consequente regência entregue à princesa Isabel, apresentou a lei, que levou seu nome.
Como chefe do Gabinete, ele viria a enfrentar, também, a agitada Questão Religiosa, a qual, embora tenha sido uma pendência entre o alto clero e o governo imperial, acabou envolvendo ambas as Obediências maçônicas brasileiras da época. O pretexto para o desencadeamento das hostilidades foi uma festa maçônica realizada a 2 de março de 1872, para comemorar a aprovação da lei Visconde do Rio Branco. Durante essa solenidade, pronunciou-se um discurso em que enaltecia a atuação da Maçonaria na libertação dos escravos, abordando os fatos, desde a lei Euzébio de Queirós. Mas o estopim da crise foi aceso, na solenidade, quando o Grande Orador Interino, padre José Luiz de Almeida Martins, destacado maçom, pronunciou um veemente discurso, no qual enaltecia a Maçonaria e o Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, pela obra realizada em torno da abolição gradual da escravatura. O discurso foi publicado, no dia seguinte, pelos jornais diários, causando a reação do bispo do Rio de Janeiro, que, advertindo o padre, exigiu que ele abandonasse a Maçonaria. Diante da recusa deste, o bispo o suspendeu. Isso acabaria desencadeando a querela.
Diante da reação do bispo do Rio de Janeiro, as duas Obediências, do Lavradio e dos Beneditinos, apressaram-se a defender o Irmão atingido. Após o entrevero com os bispos, os dois Orientes tentaram se reunir, mas tudo foi em vão. No cenário político, no ano de 1873, ocorreria um fato de extraordinária importância para o movimento republicano: a Convenção de Itu, de inspiração maçônica e que tivera seus perídromos a 10 de novembro de 1871, quando 78 partidários da república federativa haviam se reunido, em Itu, na Província de São Paulo, com a finalidade de organizar o partido republicano local, criando um clube republicano, que pudesse servir de núcleo e centro do partido. Como corolário desse movimento, a 18 de abril de 1873, com a presença das principais lideranças políticas, era realizado a primeira Convenção Republicana no Brasil, a qual ficou conhecida como Convenção de Itu.
A par da campanha republicana, encetada por várias dessas Lojas, prosseguia a luta abolicionista, que contava com maçons de peso, como Luís Gama, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. Em 1880, nas eleições realizadas a 15 de março, Rio Branco era reeleito para o cargo de Grão-Mestre. O GOB, todavia, seria, na prática, dirigida pelo Adjunto, pois Rio Branco, cada vez mais doente, não tinha mais condições físicas para o exercício do cargo, vindo a falecer a 1º de novembro do mesmo ano.
Em 1882 e sob o Grão-Mestrado de Cardoso Júnior, chegava ao fim a cisão na Maçonaria brasileira, com a fusão das duas Obediências. Saldanha Marinho, já doente e cansado, sem poder comandar, convenientemente, seu Grande Oriente “Unido”, pedira demissão de seu cargo, a 30 de março de 1882, incentivando, inclusive, a fusão, cujas negociações foram mais incrementadas a partir do momento em que o Supremo Conselho dos Estados Unidos, jurisdição Norte, reconhecia o Grande Oriente do Brasil, em junho do mesmo ano, ocasião em que foram expedidas as patentes de reconhecimento mútuo. Assim, a 18 de dezembro de 1882, era considerado extinto o Grande Oriente Unido, antigo dos Beneditinos, oficializando-se a união 30 dias depois, a 18 de janeiro de 1883, permanecendo uma Obediência única, sob o título original: Grande Oriente do Brasil.
No plano político-social, prosseguia a luta abolicionista e recrudescia a campanha republicana, com participação ativa de muitas Lojas. A lei dos sexagenários que libertava os escravos que se encontravam nessa faixa etária, ou acima dela, e a lei Áurea de 13 de maio de 1888, que extinguia totalmente a escravidão, completariam a luta abolicionista e ajudariam a precipitar o fim do império, já que a abrupta abolição causara grande descontentamento entre os proprietários de terras, pois não houvera tempo suficiente para que eles substituíssem, em suas lavouras, o braço escravo.
A campanha republicana, por seu lado, era incrementada pela Questão Militar, que, na verdade, consistiu em uma série de atritos, acontecidos entre 1883 e 1889, entre políticos e militares, causados pelo brio destes e pela inabilidade de políticos e ministros. Esses atritos iriam criar uma atmosfera propícia para o levante militar final, em 1889, o qual resultaria na implantação do regime republicano, sob a liderança de maçons militares como Manuel Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Apesar da intensa movimentação, os velhos militares, com patente de major para cima, tinham grande respeito pelo imperador, que, durante a guerra do Paraguai, se mantivera firme ao lado dos alvos nacionais da campanha sustentada pelas forças armadas. Os postos inferiores, entretanto, estavam preenchidos por jovens alunos das escolas militares, os quais, além de não experimentar sentimentos semelhantes aos dos oficiais mais antigos, estavam altamente doutrinados pelo professor de maior prestígio da Escola militar, aquele que viria, por sua atuação, a ser cognominado “o pai da República”: o maçom e positivista tenente-coronel Benjamin Constant, que fazia aberta apologia do movimento republicano e era um dos mais categorizados críticos do governo imperial.
A par das atividades militares, com a atuação de muitos maçons, era grande a efervescência nas Lojas e nos clubes republicanos de inspiração maçônica, destacando-se, nesse período, muitos maçons civis, que seriam chamados de “republicanos históricos”: Quintino Bocayuva (fundador do jornal A República e futuro Grão-Mestre do GOB), Campos Sales (futuro Presidente da República), Prudente de Moraes (primeiro presidente civil da República), Silva Jardim, Rangel Pestana, Francisco Glicério, Américo de Campos, Pedro de Toledo, Américo Brasiliense, Ubaldino do Amaral, Aristides Lobo, Bernardino de Campos e outros.
O levante para a Proclamação da República ocorreu em 15 de novembro de 1889. Deposto todo o Conselho de Ministros, presidido pelo visconde de Ouro Preto, Deodoro, todavia, em um rasgo de sua antiga fidelidade a D. Pedro II, não se dispunha a tomar providências para implantar a república, tendo declarado, a Ouro Preto, que iria mandar procurar o imperador, em Petrópolis, para propor-lhe um novo gabinete. Foi aí que, mais uma vez, entrou em cena Benjamin Constant, que fez ver, a Deodoro, o perigo que eles correriam daí em diante, por sua rebeldia, com a sobrevivência do governo imperial. E, assim, se fez a república no Brasil.
Primeiro Ministério Republicano
Implantada a república, Deodoro assumiria o poder, como chefe do Governo Provisório, com um ministério totalmente constituído por maçons: Quintino Bocayuva, na Pasta dos Transportes; Aristides Lobo, na do Interior; Benjamin Constant, na da Guerra; Rui Barbosa, na da Fazenda; Campos Salles, na da Justiça; Eduardo Wandenkolk, na da Marinha; e Demétrio Ribeiro, na da Agricultura. Esses homens foram escolhidos pelo fato de representarem – com exceção de Rui Barbosa -, a nata dos “republicanos históricos”, que, por feliz coincidência, pertencia ao Grande Oriente do Brasil, em uma época em que a Maçonaria abrigava os melhores homens do País e a elite intelectual da nação.
A 19 de dezembro do mesmo ano de 1889, pouco mais de um mês após a implantação da república, Deodoro, sendo chefe do Governo Provisório, era eleito Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil. A partir desta data, a “matriz Benjamim Constant” positivista toma o poder no GOB.
A República Velha
Durante o período da República Velha – 1889/1930 – assistir-se-á a um changez de place na Presidência da República entre dois grupos maçônicos: a matriz positivista e militar de Benjamin Constant e o núcleo civil e liberal do Estado de São Paulo. O final desta época culmina também com a grande cisão do GOB de 1927, inicio do declínio institucional da Maçonaria brasileira, que perdura até os dias atuais. Antes de 1927 a história da Maçonaria estava imbricada com a história do Brasil, para não dizer que eram a mesma, a partir de então as duas se separam. A 24 de fevereiro de 1891, o Congresso Constituinte aprovava e promulgava a primeira Constituição da República, a qual instituiu o presidencialismo, o laicismo e o federalismo.
Dois dias depois, a assembleia elegia os governantes definitivos, colocando, portanto, fim ao Governo Provisório, que marcara a etapa de transição. Uma das chapas que se apresentaram à eleição tinha, como candidato à presidência, o marechal Deodoro, Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, e, como candidato à vice-presidência, o também maçom almirante Eduardo Wandenkolk, enquanto a chapa de oposição era encabeçada pelo maçom Prudente de Moraes tendo, como candidato a vice-presidente o marechal Floriano Peixoto. Deodoro venceu por estreita margem de votos (129 a 97), enquanto Floriano derrotava Wandenkolk. A partir de então a Marinha iria contestar o Exército que detinha as rédeas da República.
Deodoro encontrou um Parlamento hostil, que só o elegera sob a ameaça de intervenção armada. Não poderia, portanto, governar com ele. E o dissolveu, a 3 de novembro de 1891. Com isso, perdeu todos os apoios, inclusive nos meios militares, pois uma ditadura seria uma mancha muito grande para um regime republicano que ainda engatinhava e que procurava sua consolidação. E quando, a 23 de novembro, o almirante Custódio de Melo, a bordo do encouraçado Riachuelo, declarou-se em revolta, em nome da Armada, Deodoro, encontrando-se só, renunciou, para não desencadear uma guerra civil, entregando o governo ao seu substituto constitucional, Floriano Peixoto.
Deodoro, desencantado, então, com tudo, renuncia também ao Grão-Mestrado, em carta de 18 de dezembro de 1891. No plano social, os maçons, diante dos problemas surgidos com a rápida industrialização do País, principalmente no Estado de São Paulo, começavam a tratar dos interesses do incipiente operariado industrial, ainda sem organismos protetores. A 30 de junho de 1892, realizavam-se novas eleições para o Grão-Mestrado do Grande Oriente do Brasil, sendo eleito Macedo Soares.
Enquanto tudo isso ocorria, internamente, no âmbito externo político-social, os maçons, como toda a sociedade, em geral, enfrentavam tempos agitados. Existia um conflito entre os maçons militares positivistas do Estado do Rio de Janeiro e os maçons civis, principalmente do Estado de São Paulo. Após um período de conflitos civis e armados, Floriano entrega o poder, no final do seu mandato ao seu sucessor paulista, o Ir. Prudente de Moraes, que era o representante das oligarquias rurais e, portanto, do federalismo, enquanto os militares positivistas retornavam à caserna, finda que estava a espinhosa missão de consolidar o regime.
Obviamente houve, durante esse período, certa confusão entre as classes mais politizadas da nação, incluindo-se a Maçonaria, dirigida pelo conselheiro Macedo Soares. Enquanto uma parte do mundo maçônico, encontrada, principalmente, entre os oficiais das forças armadas, apoiava quase geralmente os atos de Floriano, outra facção, ligada à política regional e às oligarquias rurais, promovia revoltas, como a guerra civil do Rio Grande do Sul, envolvendo os parlamentaristas do maçom Silveira Martins e os presidencialistas, liderados por Júlio de Castilhos, que tinha o apoio de Floriano.
Terminado o governo do Ir. Prudente de Morais, o poder permaneceria, pacificamente, nas mãos das oligarquias rurais – como, de resto, ocorreu até 1930 – com a eleição do Ir. Campos Sales, expoente da Maçonaria do Estado de São Paulo, cujo governo foi caracterizado pelo grande realismo na política econômico-financeira do maçom Joaquim Murtinho, ministro da Fazenda.
Em fevereiro de 1901, realizadas novas eleições, no Grande Oriente do Brasil, era eleito, para o cargo de Grão-Mestre, Quintino Bocaiúva, que no dia da Proclamação da República, cavalgou ao lado do Mal. Deodoro, e tendo como Adjunto Henrique Valadares, discípulo na Escola Militar de Benjamim Constant. A matriz positivista mantinha o seu controle sobre o GOB. Quintino Bocayuva, apesar de todo o trabalho efetuado, não podia se dedicar integralmente ao Grão-Mestrado, pois fora eleito e, a 31 de dezembro de 1900, empossado no cargo de presidente do Estado do Rio de Janeiro, para um mandato de três anos, o que fez com que, em várias ocasiões, ele fosse substituído por Henrique Valadares. Mesmo assim, concluiu seu mandato no Grande Oriente, com grande saldo positivo, a 21 de junho de 1904, entregando o malhete de supremo mandatário da Maçonaria brasileira ao general Lauro Sodré, positivista, Senador da República por vários mandatos, candidato à Presidente da República contra o Ir. Campos Sales, e secretário de Benjamin Constant quanto este ocupou a Pasta da Guerra.
Esta matriz positivista, juntamente com os maçons, também positivistas, do Estado do Rio Grande do Sul, entrará em conflito com os Presidentes da República da época, egressos da maçonaria liberal e civil do Estado de São Paulo. Lauro Sodré será até mesmo preso, enquanto GM do GOB, no encouraçado Deodoro por quase 6 meses.
Na política republicana brasileira, nessa década, entre outros maçons, sobressaiu-se o filho do visconde do Rio Branco, o barão do Rio Branco, Patrono da Diplomacia brasileira, que, em 1902, foi nomeado, pelo presidente Rodrigues Alves, ministro das Relações Exteriores do Brasil, ocupando o cargo até sua morte, em fevereiro de 1912, durante os governos dos IIr. Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca, com grande destaque na resolução dos litígios com nações limítrofes.
No final do governo do Presidente Ir. Rodrigues Alves era eleito, para a presidência da República, o mineiro Ir. Afonso Pena, iniciando a alternância São Paulo–Minas Gerais no poder. Tendo sido eleito por uma coligação dos partidos situacionistas estadual – os verdadeiros donos da política da época –, que se havia oposto a um candidato da preferência de Rodrigues Alves, Afonso Pena encontraria o Congresso comandado por uma maioria liderada pelo senador Ir. Pinheiro Machado, líder político e maçônico, o que fazia supor que os problemas sucessórios deveriam ser submetidos, necessariamente, à apreciação desse grupo, composto por uma maioria de maçons de diversos Estados. Tendo surgido a candidatura do Ir. Davi Campista, em 1908, suscitando grande resistência, pois ele se proclamava um intervencionista, o grupo liderado por Pinheiro Machado esposou a candidatura do maçom Hermes da Fonseca, que, em sua gestão no Ministério da Guerra, criara fama de grande administrador.
Ocorreria, então, o falecimento de Afonso Pena, no auge da crise, com a consequente ascensão, ao poder, de Nilo Peçanha, também líder maçônico, o qual iria ser Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, de 1917 a 1919. Em torno dele, iria se fixar o oficializou político em relação à candidatura do Ir. Hermes da Fonseca, general e sobrinho de Deodoro da Fonseca, o que provocou, pela primeira vez na história da república, uma séria candidatura de oposição, por meio de Rui Barbosa. Hermes, todavia, seria eleito, pois tinha o apoio dos principais Estados.
Terminado o período de Hermes da Fonseca, os nomes mais cotados para a Presidência da República eram os do Ir. Pinheiro Machado e do Ir. Rui Barbosa: todavia, um acordo, entre os partidos republicanos dominantes de São Paulo e Minas Gerais traria à baila o nome do vice-presidente da República, o maçom Wenceslau Brás, o qual foi eleito sem oposição, enquanto o mundo se debatia na Primeira Guerra Mundial. Com a eleição de Lauro Sodré para governador do Estado do Pará, será eleito GM do GOB Nilo Peçanha em primeiro de junho de 1917. O Brasil entrará na guerra a 26 de outubro do mesmo ano.
No governo da República, acabado o mandato de Wenceslau Brás, em 1918 era eleito, para um novo mandato presidencial, Rodrigues Alves, que viria a falecer antes de tomar posse, o que fez com que o vice, Ir. Delfim Moreira assumisse até julho de 1919. Como este, cansado e doente, não tinha condições de comandar a política nacional, foi eleito, para completar o quatriênio, Epitácio Pessoa, que teria de enfrentar graves crises políticas.
Em 1919, a política maçônica, liderada por Nilo Peçanha, foi geralmente de oposição ao presidente Epitácio Pessoa, pois Nilo havia indicado Rui Barbosa para completar o período governamental de Rodrigues Alves. Essa posição seria mantida, embora com menor intensidade, durante o Grão-Mestrado do general Thomaz Cavalcanti de Albuquerque, que viria a suceder Nilo Peçanha, quando este renunciou ao seu mandato, a 24 de setembro de 1919. Enquanto o ambiente político estava agitado, diante da nova eleição presidencial e dos episódios que, supostamente, envolviam Arthur Bernardes, a situação do Grande Oriente também não era tranquila, pois iniciava a década com nova cisão, provocada por uma eleição fraudulenta.
Com a morte, a 28 de janeiro de 1921, do Grão-Mestre Adjunto Luis Soares Horta Barbosa realizou-se novas eleições, a 25 de abril daquele ano, para o preenchimento do cargo vago. A 3 de março, havia se realizado, no Rio de Janeiro, uma convenção para a escolha do candidato ao cargo; nessa reunião, com pouco mais de 40 convencionais, surgiram duas candidaturas: a de Mário Marinho de Carvalho Behring, sustentada por uma pequena maioria, que detinha o poder no Grande Oriente, e a do general José Maria Moreira Guimarães. Com o apoio de São Paulo, que não se fizera representar na convenção, Moreira Guimarães obteve a maioria dos votos. Manipulando, todavia, os dados, a junta apuradora anulou votos de ambos os lados, mas principalmente os do general, de tal maneira que Behring acabaria sendo eleito. Como se verá mais adiante Behring será o responsável por uma das maiores cisões que sofrerá o GOB no século XX e que perdura até os dias atuais.
Ao final da gestão do general Thomaz Cavalcanti, Nilo Peçanha era indicado, mais uma vez, para o Grão-Mestrado. Os acontecimentos políticos do País, nesse agitado período, todavia, acabaria por tornar inoportuna sua candidatura – ele fora, inclusive, ilegalmente preso, apesar de suas imunidades como senador da República –, fazendo com que elementos ambiciosos saíssem da sombra e iniciassem o trabalho de intriga, visando galgar os altos postos do Grande Oriente do Brasil.
Os elementos que ambicionavam o Grão-Mestrado estavam ligados ao Ministério da Justiça de Artur Bernardes, então ocupado pelo maçom João Luis Alves. A 20 de maio de 1922, Mário Behring seria eleito Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, com o beneplácito de João Luis Alves. Enquanto isso, ia agitado o ambiente político nacional, com a publicação das cartas, atribuídas Arthur Bernardes – e que se verificou, depois, serem falsas –, contendo insultos ao Exército. Liderando a revolta contra as cartas, encontrava-se o Clube Militar, presidido pelo então por Hermes da Fonseca, o que provocaria a reação governamental, com o fechamento do Clube e a prisão de Hermes, fatos que provocariam o maior inconformismo das forças armadas e a revolta do Forte de Copacabana, a 5 de julho de 1922, no episódio conhecido como o “dos dezoito do Forte”, que iniciou a mística do movimento conhecido como “tenentismo”, o qual iria assumir o poder com o golpe de 1930.
Eleito e empossado na Presidência da República, Arthur Bernardes teve um dos mais agitados períodos presidenciais, só comparáveis ao de Floriano, governando, praticamente, sob estado de sítio e intervenção federal nos Estados, embora combatido por alguns poucos destemidos, como o maçom Nilo Peçanha, ex-Grão-Mestre do Grande Oriente. Em seu governo, eclodiu, em São Paulo, a revolta de 5 de julho de 1924 – durante a qual as Lojas maçônicas foram fechadas – chefiada pelo general Isidoro Dias Lopes e sufocada em 22 dias; no mesmo ano, em outubro, estouraria, no Rio Grande do Sul, outro movimento rebelde, liderado pelo capitão Luís Carlos Prestes, que, juntamente com os remanescentes da revolta paulista, formou a “Coluna Prestes”, que realizou a marcha de 30 mil quilômetros pelo interior do Brasil, sempre perseguida pelas forças governamentais.
A Grande Cisão de 1927
A cisão de 1927 cria, no Brasil, as Grandes Lojas estaduais que vigoram até os dias atuais. No âmbito interno da Ordem Mário Behring estava licenciado, mas reassumiu a 23 de junho de 1925, diante do risco que corria sua reeleição. Behring ganha às eleições num pleito fraudado. A partir de então as cisões no GOB ocorrerão sempre por perda de eleições. A Assembleia Geral, em sessão extraordinária, reconhecera a fraude. Estabelecido o impasse, em nova assembleia, no dia 8, os três candidatos propõem a anulação do pleito e a convocação de nova eleição. Em decorrência disso, Behring reassume, a 23 de junho e dissolve o Conselho Geral da Ordem. Vinte dias depois, a 13 de julho, ele renunciava ao Grão-Mestrado, após ver desmoronar seu sonho de reeleição e diante da impossibilidade de saldar o empréstimo contraído em 1924. Assumiria, então, como Grão-Mestre Interino, o Adjunto, Bernardino de Almeida Senna Campos, amigo e correligionário de Behring.
Em sessão especial da Assembleia Geral, a 21 de dezembro de 1925, para apuração da nova eleição eram proclamados e reconhecidos os mais votados: Vicente Saraiva de Carvalho Neiva, para o cargo de Grão-Mestre, e João Severiano da Fonseca Hermes, para o cargo de Adjunto. Carvalho Neiva tivera 3.179 votos, enquanto Behring recebia apenas 317 em um verdadeiro julgamento plebiscitário de sua gestão. Apesar de renunciar ao cargo de Grão-mestre, Behring manteve o de Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho do REAA, contrariando o disposto na lei maior do Grande Oriente, a qual previa a ocupação dos dois cargos pelo Grão-Mestre, já que a Obediência era mista, fato que fora totalmente aceito nos Congressos Internacionais de 1907, 1912 e 1922.
Nessa ocasião, Behring já começava a tramar a cisão que viria a ocorrer em 1927, pois tratara, a 2 de novembro de 1925, de registrar os estatutos do Supremo Conselho, embora já houvesse um assento do Grande Oriente – como Obediência mista – englobando o Supremo Conselho, feito por ocasião da promulgação da Constituição de 1907. Esse registro de 1925, portanto, era totalmente nulo, mas serviria, posteriormente, aos desígnios de Behring.
Diante do conflito assume finalmente a direção do GOB Octavio Kelly, que fora eleito para o cargo e empossado a 21 de março do mesmo ano que tentará sanar os estragos promovidos por Behring. Behring, todavia, sabendo antecipadamente o que iria ocorrer, promoveu, no dia 17 de junho de 1927 (aniversário do GOB), fora do Lavradio – e, portanto, às escondidas –, uma reunião extraordinária do Supremo Conselho, com apenas 13 membros efetivos, e declarou sua separação do Grande Oriente, sem ter esquecido, antes, de subtrair todos os papéis e documentos dos arquivos do Supremo Conselho, no Lavradio, transportando-os para outro endereço, em um flagrante delito maçônico, pois os papéis não lhe pertenciam.
Behring refere-se às eleições procedidas no Supremo Conselho desde 1921 e que se tornou necessário votar o tratado entre o Supremo Conselho e o Grande Oriente; e, considerando que vinha pedindo a reforma da Constituição, sem êxito, o Supremo Conselho deliberara, por unanimidade – de apenas 13 dos 33 membros – denunciarem, à Confederação Internacional do Rito, a situação, e, consequentemente, o tratado de 1926. E termina por anunciar que se desliga do Conselho Geral.
Os dirigentes do GOB não souberam aquilatar o significado de tal decisão, apelando para uma união bem próxima, sem saber que o golpe mortal sobre o Grande Oriente já fora veladamente desferido. Behring refere-se, inicialmente, às eleições procedidas no Supremo Conselho, em 1922. Diz que, após o malogro da Constituinte, fora necessário selar o tratado entre o Supremo Conselho e o Grande Oriente, para cumprir as resoluções da Conferência de Lausanne, de 1922. Que o Supremo Conselho vinha solicitando reforma da Constituição sem a obter e que, por isso, no dia 17, deliberara denunciar à Confederação Internacional do Rito a união em que vivia como Grande Oriente e, consequentemente, o tratado celebrado em 1926. Termina dizendo que o Supremo Conselho mantém seu decreto de 1921, motivo pelo qual ele reconhece, unicamente, as Grandes Constituições e os Estatutos do Rito Escocês, só lhe restando, portanto, se retirar do seio do Conselho da Ordem. Era a suprema rebelião. Mas dava a entender que haveria, apenas, a separação das Obediências – Supremo Conselho e Grande Oriente – sem que fosse provocada a cisão no simbolismo.
Behring, todavia, programara essa cisão, criando um substrato simbólico para o seu Supremo Conselho, na figura de Grandes Lojas estaduais. A primeira delas, a da Bahia, já havia sido fundada a 22 de maio de 1927, recebendo, do Supremo Conselho, a carta constitutiva Nº 1; outras duas, logo depois de declarada a cisão, foram: a do Rio de Janeiro e a de São Paulo. A partir de então a Maçonaria brasileira entrou em um processo de declínio, deixando de ser um grupo de elite estratégico para se tornar um grupo convencional de classe média como muitos que existem no Brasil.
A Revolução de 1930 irá aprofundar mais ainda essa característica até os dias atuais quando o crescimento do GOB a taxas chinesas poderá gerar uma mudança qualitativa. A 3 de agosto de 1927, Behring e seus seguidores lançam um Manifesto às Oficinas Escocesas do Brasil e o um decreto – que ficou famoso pela atitude inusitada envolvida – declarando, oficialmente, o Grande Oriente como potência irregular no seio da Maçonaria Universal. O inusitado é uma Obediência dos Altos Graus escoceses declararem irregular uma Obediência simbólica. Mesmo assim, não deixou Behring, desde que promoveu a cisão, de cortejar a Grande Loja Unida da Inglaterra, no sentido de obter, desta, o reconhecimento para suas Grandes Lojas, o que lhes daria a tradicional regularidade emanada da Obediência Mater. Nada conseguiria, entretanto, como se verá posteriormente, pois a Grande Loja Unida da Inglaterra sempre reconheceu o GOB como seu parceiro no Brasil.
CONTINUA… Na 3ª e última parte.
Anexo 1
Grão-Mestres do GOB
- José Bonifácio de Andrada e Silva – Ministro 1822
- D. Pedro I Príncipe Regente e Imperador – 1822
- José Bonifácio de Andrada e Silva – Ministro 1831 a 1838
- Antônio Holanda Cavalcanti – Visc. de Albuquerque 1838 a 1850
- Miguel Calmon du Pin e Almeida Marquês de Abrantes 1850 a 1863
- Honorário Luiz Alves de Lima e Silva Duque de Caxias 1850 a 1863
- Bento da Silva Lisboa Barão de Cayrú 1863 a 1865
- Joaquim Marcelino de Brito – Sup. Tribunal de Justiça 1865 a 1870
- José Maria da Silva Paranhos Visconde do Rio Branco 1870 a 1880
- Francisco José Cardoso Junior – Marechal 1880 a 1885
- Luiz Antonio Vieira da Silva Visconde Vieira da Silva 1885 a 1889
- João Baptista Gonçalves Campos Visconde de Jary 1889 a 1890
- Manoel Deodoro da Fonseca Presidente do Brasil 1890 a 1891
- Antonio Joaquim de Macedo Soares – Conselheiro 1891 a 1901
- Quintino Bocayuva Ministro de Estado 1901 a 1904
- Lauro Nina Sodré e Silva – General e Senador 1904 a 1916
- Interino Francisco Glicério de Cerqueira Leite – General 1905
- Veríssimo José da Costa Júnior – Almirante 1916 a 1917
- Nilo Procópio Peçanha Presidente da República 1917 a 1919
- Thomaz Cavalcanti de Albuquerque – General 1919 a 1922
- Mário de Carvalho Behring Engenheiro e Jornalista 1922 a 1925
- Interino Bernardino de Almeida Senna Campos 1925
- Vicente Saraiva de Carvalho Neiva Ministro do STF 1925 a 1926
- João Severiano da Fonseca Hermes 1926 a 1927
- Octávio Kelly Ministro do STF 1927 a 1933
- José Maria Moreira Guimarães – General 1933 a 1940
- Joaquim Rodrigues Neves 1940 a 1952
- Benjamin de Almeida Sodré – Almirante 1952 a 1954
- Cyro Werneck de Souza e Silva – Advogado 1954 a 1963
- Álvaro Palmeira – Professor 1963 a 1968
- Moacir Arbex Dinamarco – Médico 1968 a 1973
- Osmane Vieira de Resende – Odontólogo 1973 a 1978
- Osiris Teixeira – Senador 1978 a 1983
- Jair Assis Ribeiro Empresário 1983 a 1993
- Francisco Murilo Pinto – Desembargador 1993 a 2001
- Laelso Rodrigues – Empresário – 2001 a 2008
- Marcos José da Silva – Funcionário Público – 2008 a 2013.
Anexo 2
- Grande Oriente do Brasil
Registro da Grande Secretaria Geral da Guarda dos Selos
Ano | Total Lojas | Acresc. % | |
2003 | 2.090 | ||
2004 | 2.150 | 60 | 2,79% |
2005 | 2.245 | 95 | 4,23% |
2006 | 2.318 | 73 | 3,14% |
2007 | 2.400 | 82 | 3,65% |
2008 | 2.484 | 64 | 2,78% |
2009 | 2.528 | 64 | 2,59% |
Ano | Total Obreiros | Acresc. % | |
2003 | 54.843 | ||
2004 | 54.857 | 14 | 0,03% |
2005 | 58.466 | 3609 | 6,17% |
2006 | 60.979 | 2513 | 4,12% |
2007 | 63.842 | 2863 | 4,48% |
2008 | 66.651 | 2809 | 4,21% |
2009 | 68.593 | 1942 | 2,91% |
Dados reais. Fonte: GOB
2. Grandes Lojas
CMSB Grandes Lojas 2530 Lojas Maçônicas 94486 Maçons
Fonte: List of Lodges 2009
3. COMAB
Número de Lojas: 1072
Número de Obreiros: 33497
Número de Grandes Orientes afilados a COMAB: 20
Fonte: Grandes Orientes Independentes de cada estado a Secretaria Geral da COMAB
Total (I+II+III)
Lojas: 6130
Maçons: 196576
William Almeida de Carvalho
Ex-Diretor da Biblioteca do Grande Oriente do Brasil,
ex-Secretário de Educação e Cultura do GODF-GOB.
Autor de diversos livros sobre a Maçonaria no Brasil.
Membro da Loja de Pesquisas Quatuor Coronati de Londres, da Scottish Rite Research Society.
Presidente da Academia Maçônica de Letras do DF.
Tesoureiro da Academia Maçônica do Brasil e da Academia Maçônica de Letras da Paraíba.
Doutor em Ciência Política pela Panthéon-Sorbonne.
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Exemplar em PDF para sua biblioteca: Clique aqui: HISTORIA DO GOB- WILLIAM CARVALHO
[i] William Almeida de Carvalho, Maçonaria, Tráfico de Escravos e o Banco do Brasil (São Paulo: Ed. Madras, 2010).