Ode ao Dois de Julho

Castro Alves

À Batalha de Pirajá. Bahia – nov. de 1822

Era no dois de julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia…
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
“Neste lençol tão largo, tão extenso,
“Como um pedaço roto do infinito…
O mundo perguntava erguendo um grito:
“Qual dos gigantes morto rolará?!…

“Debruçados do céu… a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado…
Era a tocha — o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma – o vasto chão!
Por palmas – o troar da artilharia!
Por feras – os canhões negros rugiam!
Por atletas – dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro — era a amplidão!

Não! Não eram dois povos, que abalavam
Naquele instante o solo ensanguentado…
Era o porvir – em frente do passado,
A Liberdade – em frente à Escravidão,
Era a luta das águias — e do abutre,
A revolta do pulso – contra os ferros,
O pugilato da razão — com os erros,
O duelo da treva – e do clarão!…

No entanto a luta recrescia indômita…
As bandeiras — como águias eriçadas —
Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz…
Tonto de espanto, cego de metralha,
O arcanjo do triunfo vacilava…
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis!…

Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço… e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina:
Eras tu— Liberdade peregrina!
Esposa do porvir-noiva do sol!…

Eras tu que, com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Livre sagravas a Colúmbia terra,
Sagravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide,
Formada pelos mortos de Cabrito,
Um pedaço de gládio — no infinito…
Um trapo de bandeira — n’amplidão!…

 

 

 

Nota

O poeta Castro Alves

O poeta Castro Alves (1847-1871)  escreveu três poemas em homenagem à vitória dos brasileiros na guerra da independência na Bahia – esta Ode aqui reproduzida, declamada em São Paulo, em junho de 1868 e o poema ”Ao Dois de Julho”, escrito na Bahia em 1867, ambos para o livro Espumas Flutuantes. O outro, o soneto “Ao Dois de Julho”, escrito no Recife em 1864, foi publicado na obra póstuma Hinos do Equador (1921), livro onde consta também outro poema que comemora a independência do Brasil: “Ao Dia Sete de Setembro”, escrito na Bahia, em 7 de setembro de 1861.Escolhi reproduzir aqui a “Ode ao Dois de julho”, de 1868, pela homenagem que presta a todos os brasileiros que pegaram em armas pela independência mas cuja epopeia ficou oculta pela tese dominante de que a independência não resultou da luta dos brasileiros, tendo sido uma “doação” da Coroa Portuguesa. Ao saudar a “liberdade, esposa do porvir”, o poeta condoreiro saúda aqueles que lutam pelo Brasil e ajuda a desmentir as róseas fábulas que descrevem conquistas sem luta (José Carlos Ruy).

Do livro História Poética do Brasil.
História do Brasil Narrada Pelos Poetas
.
Jamil Almansur Haddad (seleção e introdução). São Paulo, Editorial Letras Brasileiras, 1943

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