ABREUGRAFIA

 

O EXAME BRASILEIRO QUE REVOLUCIONOU A MEDICINA MUNDIAL

 

JULIO CEZAR DE ARAUJO

SAÚDE/BEM-ESTAR
15/09/2022

 

 

Uma análise de dados de 195 países publicada pelo The BMJ indicou que, entre 1990 e 2017, o número de mortes por doenças respiratórias crônicas aumentou 18%, passando de 3,32 milhões na década de 1990 para 3,91 milhões em 2017. Junto a isso, o Fórum das Sociedades Respiratórias Internacionais (FIRS) divulgou dados preocupantes mostrando que muitas pessoas desconhecem a maioria das doenças pulmonares que matam mais do que qualquer outra doença no mundo, como o enfisema e a bronquite crônica.

Contudo, desde o século XIX a tuberculose se tornou um dos maiores inimigos dos seres humanos, principalmente no que diz respeito ao ataque aos pulmões. Estima-se que entre 1700 a 1900, a doença tenha ceifado a vida de cerca de 1 bilhão de seres humanos antes da descoberta feita por Robert Koch, com uma taxa anual média de mortes de 7 milhões de pessoas.

Entre o final do século XIX e início do século XX, a tuberculose já devastava o Brasil como uma epidemia, com maior incidência, principalmente, entre a população pobre do Rio de Janeiro, vítimas de um espaço urbano deteriorado, insalubre e de condições de vida precárias.

Em meados de 1914, após voltar de uma viagem de especialização em radiologia na França, o médico brasileiro pneumologista Manoel Dias de Abreu inventou um método que revolucionou a história da medicina: a abreugrafia, que ajudou a acelerar o diagnóstico de doenças pulmonares letais.

A trajetória

(Fonte: Academia Nacional de Medicina)

Nascido em 4 de janeiro de 1892, em Sorocaba, interior de São Paulo, Abreu começou os estudos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro com apenas 15 anos, conquistando seu diploma aos 21 anos, em meados de 1913.

Parte de um grupo de formandos que revolucionou a medicina brasileira e mundial do século passado, como Carlos Chagas, Vital Brasil e Oswaldo Cruz –, Abreu embarcou em uma viagem de 8 anos para Paris com sua família para estudar radiologia. Sob a supervisão de Nicolas Augustin Gilbert, ele trabalhou no hospital mais antigo da capital francesa, o Nouvel Hôpital de la Pitié, fotografando peças cirúrgicas, criando novas técnicas para o uso do raio-X, que ainda era uma tecnologia muito recente e desconhecida, criada em 1895 por Wilhelm Roentgen.

 

Foi dessa forma que ele descobriu que, usando o raio-X, era possível detectar casos de tuberculose que passaram despercebidos durante exames de percussão e auscultação com estetoscópio, ambos métodos usados para diagnóstico de doenças pulmonares.

Em 1918, Abreu foi prestar serviços no Hospital Laennec, também em Paris, onde se aperfeiçoou na radiologia pulmonar e desenvolveu a densimetria, que visava a mensuração das diferentes densidades do pulmão. Lá que ele percebeu que a fotografia da tela fluorescente nos exames feitos com raio-X, poderia diagnosticar a tuberculose de maneira precisa.

Durante o processo de refinação do novo método, Abreu enfrentou vários problemas técnicos, como a falta de luz suficiente da tela, o que impedia que ficasse marcada nos filmes com sais de prata das máquinas fotográficas comuns em uma fração de segundo tão mínima.

Revolucionando a medicina

(Fonte: Amambai Notícias)

De volta ao Brasil em 1922, Abreu assumiu o Departamento de Raios-X da Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose, no Rio de Janeiro, em plena epidemia da doença no país, com uma taxa de óbito diária que desnorteava o governo. Em meio a esse caos e tendo em mente que a maioria dos pacientes procurava ajuda quando a doença estava em sua fase final, o médico retomou suas pesquisas para desenvolver o exame que seria chamado de abreugrafia, anos mais tarde.

Abreu demorou até 1936 para conseguir tornar a abreugrafia um exame funcional, quando finalmente obteve a luminosidade necessária da tela. Ele batizou sua invenção de roentgenfotografia, em homenagem a Wilhelm Roentgen. Esse nome foi usado até 1939, quando o presidente do 1º Congresso Brasileiro de Tuberculose, Ary Miranda, propôs que fosse alterado para abreugrafia, em honra ao seu inventor.

O primeiro aparelho foi construído pelos técnicos da Casa Lohner, uma subsidiária do conglomerado alemão Siemens AG que havia no Rio de Janeiro, e instalada no Hospital Alemão, em maio de 1936. Imediatamente, a abreugrafia ganhou reconhecimento internacional devido a sua funcionalidade, técnica precisa e custo, visto que era 100 vezes mais barata que uma radiografia tradicional.

(Fonte: University of Washington)

O uso da abreugrafia foi incorporado pelos serviços públicos de saúde do mundo, sendo que no Brasil e no Japão, de acordo com as leis de prevenção da tuberculose, cerca de 60% dos habitantes foram triados por esse método. A disseminação foi tanta que foram criadas unidades móveis do aparelho, igual os Petites Curies inventados durante a Primeira Guerra Mundial por Marie Curie, para conseguir alcançar até aqueles que viviam à margem da sociedade ou em lugares de difícil acesso. Em dois anos, países como a Alemanha, fabricaram até 500 mil dispositivos de abreugrafia.

Em março de 1937, foi criado o primeiro Serviço de Cadastro Torácico, no Rio, onde foi instalado uma máquina aprimorada do exame para testes de sua nova tecnologia. Ao comprovar sua eficácia, novamente ela foi vendida em larga escala para toda a América do Sul, América do Norte e Europa.

Em 3 de janeiro de 1958, o presidente Juscelino Kubitschek decretou 4 de janeiro como o Dia Nacional para se comemorar a invenção de Manoel Dias de Abreu, que salvou incontáveis vidas em um dos períodos de saúde mais conturbados do século XX, e que o elegeu 3 vezes a um Prêmio Nobel.

 

 

 

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