– cinco maneiras
Philipp Bagus
Histeria coletiva também é possível em uma sociedade livre, mas há mecanismos de autocorreção
A história da histeria coletiva, ou doença sociogênica em massa, é fascinante. Casos de histeria coletiva são documentados desde a Idade Média.
Aqui, iremos mencionar apenas alguns dos casos mais recentes.
Quando uma peça de rádio de Orson Welles, Guerra dos Mundos, foi transmitida em 1938, logo após a suspensão do Acordo de Munique, a peça supostamente causou pânico entre seus ouvintes, que pensavam estar sob o ataque de marcianos.
Outro caso intrigante foi o de um episódio de uma série de televisão portuguesa chamada Morangos com Açúcar. Neste episódio, os personagens foram infectados por um vírus fatal. Após o programa, mais de 300 alunos relataram sintomas semelhantes aos vivenciados pelos personagens do programa de TV, como erupções na pele e dificuldade para respirar.
Algumas escolas chegaram até mesmo a suspender as aulas. O Instituto Nacional de Emergências Médicas de Portugal concluiu que o vírus não existia na realidade e os sintomas eram causados por histeria coletiva.
Da mesma forma, no voo 203 da Emirates, em setembro de 2018, dezenas de passageiros começaram a acreditar que estavam doentes após observar outros passageiros com sintomas semelhantes aos da gripe. Como consequência do pânico, todo o voo foi colocado em quarentena. No final, apenas alguns passageiros de fato apresentaram um resfriado comum ou uma gripe sazonal.
Nocebo e placebo
É amplamente sabido que existem efeitos Nocebo, que são opostos aos efeitos do Placebo. Devido ao efeito placebo, uma pessoa se recupera de uma doença porque ela espera se recuperar. Por outro lado, quando sofremos o efeito nocebo, adoecemos simplesmente porque esperamos adoecer.[1]
(Em um caso famoso, um homem tentou suicídio. Ele acreditava estar engolindo vinte e nove cápsulas de uma droga experimental. No entanto, elas eram na realidade placebos. Mas ele realmente acreditava que estava se matando. Chegou ao hospital com pressão arterial extremamente baixa e outros sintomas graves. Quando o médico do ensaio clínico chegou e lhe disse que ele havia tomado apenas placebos, o homem se recuperou em apenas quinze minutos.)
Em uma espécie de profecia autorrealizável, a expectativa pode causar os sintomas. A ansiedade e o medo exacerbam esse processo. (Hoje já está comprovado que, durante a gripe espanhola, o pânico contribuiu para mortes que de outra forma não teriam ocorrido.)
A histeria coletiva pode causar sintomas nas pessoas. Adicionalmente, a histeria, seja ela coletiva ou não, faz com que as pessoas se comportem de maneiras que pessoas prudentes não-afetadas pela histeria considerariam absurdas.
O campo das pesquisas empíricas ainda está totalmente aberto para investigar se — e em que amplitude — o mundo tem sofrido histeria coletiva durante a epidemia de covid-19 (vale lembrar que a pressão psicológica e a ansiedade sofrida pela população durante os lockdowns foram enormes.)
Todos nós vimos pessoas acumulando papel higiênico e usando máscaras enquanto dirigiam sozinhas em seus carros. Conhecemos pessoas que praticamente não saíram de suas casas por meses. E também conhecemos pessoas que têm medo do vírus, embora seu próprio risco de morte seja minúsculo.
O estado e o estímulo à histeria coletiva
Embora investigar a possibilidade de uma histeria coletiva gerada pelo corona seja certamente interessante, o objetivo aqui é abordar outra questão mais fundamental: até que ponto a existência do estado pode exacerbar as histerias coletivas.
Certamente, é possível haver casos de histeria coletiva em uma sociedade livre, devido ao viés de negatividade do cérebro humano. Nós tendemos a nos concentrarmos em notícias negativas e sofremos estresse psicológico quando pensamos que não temos o controle da situação.
Isso também pode acontecer em uma sociedade livre, quando predominarem notícias negativas. Entretanto, em uma sociedade livre existem certos mecanismos de autocorreção que tornam mais difícil uma histeria coletiva sair do controle. Existem estratégias bem conhecidas para reduzir o medo e a ansiedade.
Em uma sociedade livre, as pessoas são livres para fazer uso dessas estratégias. Pode-se liberar a tensão do corpo por meio de esportes e exercícios. Adicionalmente, é essencial se distrair das notícias negativas e se socializar. Em uma sociedade livre, essas distrações são abundantes.
É verdade que a histeria pode levar as pessoas a infligirem enormes danos a si mesmas e aos outros. No entanto, em uma sociedade livre, há uma essencial restrição para a destruição causada pela histeria coletiva: os direitos de propriedade privada.
Em uma sociedade livre, a histeria coletiva não tem como gerar uma violação maciça dos direitos de propriedade privada pelo estado, simplesmente porque o estado não existe.
Além disso, ao passo que qualquer pessoa histérica em relação à saúde pode fechar voluntariamente seu negócio, usar uma máscara ou ficar em casa, em uma sociedade livre ninguém pode coagir terceiros inocentes e que não sucumbiram à histeria a fecharem seus negócios, usarem máscaras ou ficarem em quarentena. Isso seria uma agressão explícita à propriedade privada de terceiros inocentes.
Uma pequena minoria que continua a viver sua vida normal e é livre para fazê-lo pode ser um chamado de alerta para aqueles que sucumbiram à histeria coletiva. Imagine que um pequeno grupo de pessoas continua normalmente fazendo compras, indo trabalhar, respirando livremente e encontrando-se com amigos e familiares. E tudo isso sem morrer. Outros poderão seguir seu exemplo. Consequentemente, o grupo de histéricos irá diminuir.
Embora a destruição infligida pela histeria coletiva seja limitada pelos direitos de propriedade privada em uma sociedade livre, tais limites não existem quando há um estado (a obra clássica de Gustave Le Bon sobre a psicologia das massas e sua irracionalidade é indispensável). Com efeito, um grupo bem organizado que sucumbiu à histeria coletiva pode obter o controle do aparato estatal, atentar contra a propriedade privada impondo medidas coercitivas ao resto da população e, com isso, infligir danos inauditos.
Cinco maneiras como o estado exacerba a histeria coletiva
A possibilidade de histeria coletiva é uma razão importante pela qual a instituição do estado — e a possibilidade este estar sob o comando dos histéricos — é tão perigosa.
Ademais, embora em uma sociedade livre existam mecanismos que reduzem o pânico coletivo, a histeria coletiva pode ser exacerbada pelo estado por várias razões:
Em primeiro lugar, o estado pode — e, com efeito, ele de fato fez isso durante a epidemia de covid-19 — proibir e restringir as atividades que reduzem medo e ansiedade, como esportes e diversão.
O estado, na prática, promove o isolamento social, contribuindo para a ansiedade e a tensão psicológica, ingredientes que estimulam a histeria coletiva.
Em segundo lugar, o estado adota uma abordagem centralizada para lidar com a fonte da histeria; no nosso caso, a ameaça de um vírus.
Como consequência, não há nenhuma — ou muito pouca — experimentação prática para resolver o problema, pois o estado impõe apenas a sua solução. Pessoas que não sucumbiram à histeria e se opõem à abordagem do estado são reprimidas. Elas não podem demonstrar formas alternativas de enfrentar a “crise”, pois essas formas alternativas foram proibidas pelo estado.
Desta maneira, o pensamento de manada aumenta e a histeria se retroalimenta, pois nenhuma alternativa é mostrada às pessoas.
Terceiro, havendo um estado, a mídia é frequentemente politizada.
Os meios de comunicação e as plataformas de mídia social mantêm relações estreitas com o estado. Os meios de comunicação ou podem ser de propriedade direta do estado, como canais de TV públicos, ou podem precisar de licenças estatais para operar, ou podem depender de verbas publicitárias do estado, ou podem simplesmente buscar agradar agências estatais ou mesmo empregar pessoas que foram educadas em escolas estatais.
Essas agências de notícias e plataformas de mídia social se envolvem em maciças campanhas de notícias negativas, intencionalmente visando a assustar as pessoas, e suprimem totalmente informações alternativas.
Se as pessoas ouvem, assistem ou leem histórias negativas e unilaterais durante todo o dia, seu estresse psicológico e ansiedade irão aumentar. A histeria coletiva patrocinada por um setor tendencioso da mídia pode ficar fora de controle.
Quarto, notícias negativas divulgadas por fontes tidas como confiáveis são especialmente prejudiciais para a saúde psicológica e produzem ansiedade.
Se existe na sociedade uma instituição de poder total, como o estado, que intervém na vida das pessoas desde o nascimento até a morte, as declarações de seus representantes ganham peso. Muitas pessoas atribuem grande autoridade a esses representantes e às advertências das instituições estatais.
Sendo assim, quando uma autoridade médica conhecida fala em nome do estado e diz às pessoas para se preocuparem e usarem máscaras, torna-se mais fácil desenvolver uma histeria coletiva do que ocorreria em uma sociedade descentralizada.
Quinto, o estado às vezes deseja ativamente instilar medo na população, contribuindo assim para a produção de histeria coletiva.
Com efeito, durante os primeiros meses da epidemia de corona, um documento interno do Departamento do Interior da Alemanha vazou para o público. No estudo, os especialistas recomendavam que o governo alemão ativamente instigasse o medo na população alemã. O artigo recomendava aumentar o medo por meio de três medidas de comunicação.
- a) as autoridades devem enfatizar os problemas respiratórios dos pacientes com Covid-19, pois os seres humanos têm um medo primordial da morte por asfixia, o que pode facilmente desencadear o pânico.
- b) o medo também deve ser instilado nas crianças. As crianças podem ser infectadas facilmente quando se encontram com outras crianças. Elas deveriam ser informadas de que, quando elas, por sua vez, infectassem seus pais e avós, estes poderiam sofrer uma morte dolorosa em casa. Essa medida pretende invocar sentimento de culpa.
- c) as autoridades devem mencionar a possibilidade de danos irreversíveis de longo prazo após uma infecção por Covid-19 e a possibilidade de morte súbita de pessoas que já foram infectadas.
Todas essas medidas visavam a aumentar o medo na população. O medo, afinal, é a base do poder de todo governo.
Como H.L. Mencken colocou:
Todo o objetivo prático da política é manter a população em constante estado de alarme (e, portanto, clamando para ser conduzida à segurança), ameaçando-a com uma série infinita de monstros, todos eles imaginários.
Para concluir
A histeria coletiva é possível em uma sociedade livre, mas existem mecanismos de autocorreção, e o dano que essa histeria pode infligir é limitado pela aplicação dos direitos de propriedade privada.
Já o estado, ao contrário, amplifica e exacerba o pânico coletivo, causando uma devastação tremenda. O que seriam surtos locais, limitados e isolados de histeria coletiva em uma sociedade livre, o estado pode converter em uma histeria coletiva global.
Infelizmente, não há limite para o dano que a histeria coletiva pode causar à vida e à liberdade caso ela tome conta do governo, uma vez que o estado não respeita a propriedade privada.
A violação inescrupulosa das liberdades básicas durante a epidemia de Covid-19 é um exemplo disso.
A possibilidade de histeria coletiva é outra razão pela qual o estado é uma instituição tão perigosa de se ter.
Por último, vale uma observação de cunho mais espiritual.
Há inevitáveis consequências práticas quando uma população deixa de acreditar em Deus e passa a acreditar no estado. Quando as pessoas se afastam da religião e param de acreditar em uma vida após a morte, elas começam a temer mais a morte. Um forte medo da morte é outro fator que contribui para o pânico, os distúrbios e a histeria coletiva.
Como disse Erik von Kuehnelt-Leddihn:
É difícil temer a morte quando se é muito devoto. É difícil não adorar a saúde quando se teme a morte. É difícil impor a saúde geral sem uma intervenção estatal em grande escala, e é igualmente difícil imaginar um aumento da intervenção estatal sem a perda de liberdades.
Philipp Bagus
é professor adjunto da Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.
É o autor do livro A Tragédia do Euro. Veja seu website.