Olavo de Carvalho.
30.12.2019
A resposta à questão do aborto depende inteiramente de duas perguntas.
A primeira é: O feto no ventre da mãe é um ser humano ou não?
Se não é, então ele tem de se tornar um ser humano em algum momento da gestação. Há duas classes de imbecis que apostam nesta hipótese absurda.
Os imbecis espiritualistas acreditam que isso acontece no instante que a alma “entra” no corpo. Mas a alma não é uma “coisa” alheia ao corpo: é a própria vida do corpo. Para que ela entrasse num corpo já existente seria preciso que o corpo, até esse instante, não tivesse vida. Neste caso, é preciso admitir que o feto, nas primeiras semanas depois de gerado, está mortinho da silva. Já viu coisa mais doida?
Os imbecis materialistas alegam que um feto de três meses não se distingue, na aparência, de um feto de macaco – um argumento que é pura macaquice. Pablo Picasso, bem examinado, é mais parecido com o homem de Neanderthal do que com Tom Cruise.
Toda tentativa de provar que o feto não é humano esbarra em contra-sensos intransponíveis. Mas negar que o outro seja humano é a mais velha desculpa de quem deseja matá-lo. A ciência nazista provava, com argumentos parecidos, que os judeus não eram gente.
Afastada a hipótese maluca de que o feto não seja humano, surge então a segunda pergunta decisiva: Existe alguma diferença substancial entre matar um ser humano no ventre da mãe e matá-lo depois que saiu?
Os aborteiros procuram enganar as mulheres com lisonjas, assegurando que tudo que está dentro do corpo delas é delas, e que podem fazer o que bem entendem com o que é delas. Este raciocínio subentende que o feto é um órgão do corpo da mulher, e não um ser humano independente. Mas, mesmo que o feto fosse um órgão, que é um órgão? É, por definição, algo que não pode ser retirado sem dano para o corpo. Então como alegar, em apoio de retirar o feto, o argumento de que é um órgão? Se é um órgão, retirá-lo é mutilar o corpo. E, uma vez aceito o direito à automutilação, seria uma odiosa discriminação concedê-lo a quem desejasse cortar o dedão do próprio pé e negá-lo a quem pretendesse algo mais requintado, como cortar a própria cabeça, ou cortar o restante do corpo e sair por aí só com a cabeça flutuando no ar.
Excluída, por absurda, a hipótese de que o feto seja um órgão, resta saber se, mesmo sendo alguma outra coisa, ele pertence à mulher que o carrega no ventre. A resposta é não, porque não é feito só de óvulo, mas também de esperma. O esperma não é produzido pelo corpo da mãe, mas pelo do pai, que apenas o deposita no corpo da mãe. A mãe não é portanto dona do feto inteiro, mas apenas de uma parte; da outra parte, que veio do pai, é apenas depositária – e tem tanto direito de jogar o feto no lixo quanto um banco tem o direito de jogar no lixo o dinheiro dos nossos depósitos.
A rejeição categórica do direito ao aborto decorre de evidências cristalinas, que só uma mentalidade torpe pode negar. Mas o mal não está nas mulheres que abortam, enganadas pelo desespero. Está no defensor do aborto, que com fala mansa pretende induzi-las a tornar-se homicidas. Caso aceitem a proposta, das duas uma: ou estarão criando ainda mais um motivo de culpa, sofrimento e desespero, ou então terão de sufocar no seu coração todo sentimento de culpa, tornado-se frias e desumanas como seu pérfido conselheiro.
Faço um apelo à mulher pobre e desesperada, que tem medo de por um filho no mundo: não creia nesses falsos amigos. Quando ouvir um deputado, um senador, um intelectual bem situado na vida dizer que defende o aborto porque tem pena das mulheres pobres, pergunte a ele:
– Mas, doutor, se o senhor é tão bom e generoso que se oferece para ajudar a matar o meu filhinho, por que não pode me dar algum dinheiro para ajudá-lo a viver?
*Publicado originalmente em Radio Imprensa,
4 de dezembro de 1996