DENIS ROSENFIELD: BOM SENSO

Denis Rosenfield

Há fenômenos, como os naturais, sobre os quais os discursos nada podem, como furacões e tsunamis. Ocorre, porém, que, no que diz respeito aos fenômenos sociais, há tentativas constantes de ocultamento como se narrativas políticas fictícias facultassem não reconhecê-los.

O Brasil aproxima-se de um tsunami em suas contas públicas, se nada for feito no que concerne à reforma da Previdência. Os números não fecham, além de serem profundamente injustos relativamente às aposentadorias e pensões dos servidores públicos e dos demais trabalhadores brasileiros.

No entanto, a campanha eleitoral está se desenvolvendo como se não fosse este um problema maior do País, que deverá ser enfrentado pelo(a) próximo(a) presidente, queira ele(a) ou não. De nada servirá a demagogia, salvo se a alternativa for conduzir o Brasil para uma ruptura institucional e à insolvência fiscal.

Os números são aterradores. Em 2017, o déficit da Previdência foi de R$ 268,79 bilhões (INSS e Regimes Próprios dos Servidores Públicos – RPPS da União), configurando o maior da série histórica, superior em 18,5% ao de 2016. Se nada for feito, os seus efeitos serão avassaladores. Para ter uma ideia do que é gasto, a despesa total eleva-se a R$ 700,6 bilhões. São recursos que certamente faltarão para a saúde, a educação, a habitação e a infraestrutura. Não há governo que possa se sustentar no médio e no longo prazos.

Ademais, o rombo da Previdência é desproporcional, constituindo uma intolerável injustiça entre o despendido com os servidores públicos e os outros cidadãos brasileiros. É como se houvesse cidadãos de primeira e de segunda classes, os privilegiados e os demais. A União gasta R$ 92,9 bilhões com as despesas previdenciárias dos seus servidores, beneficiando – pasmem! – apenas 980 mil pessoas. As despesas do INSS, por sua vez, remontam a R$ 90,3 bilhões beneficiando 32,7 milhões de pessoas. A injustiça é gritante!

As contas previdenciárias equivalem a um furacão se aproximando. Ao contrário, contudo, dos fenômenos naturais, este pode ser evitado. Isso se prevalecer o bom senso na troca de governo que se avizinha.

Os candidatos têm evitado via de regra este tema, por medo de perderem eleitores. Estão prisioneiros da oposição ao governo Temer, que tornou vitoriosa a narrativa de que tal reforma tiraria direitos, prejudicando os mais necessitados. A narrativa, embora falsa, foi comprada, quando na verdade ela visava precisamente a corrigir toda uma situação de injustiça social e de privilégios. De fato, a esquerda, capitaneada pelo PT, defende os privilégios de 980 mil pessoas contra a maioria da população, constituída por 32,7 milhões de pessoas. Marx estaria se revolvendo na tumba!

Poderíamos, no que toca a esta questão, estabelecer a seguinte linha divisória. De um lado, estariam candidatos como Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Henrique Meirelles, João Amoêdo e talvez Marina Silva, que poderiam vir a encarar esta questão de frente. Há, evidentemente, distinções importantes entre eles, uns sendo mais assertivos, outros preferindo a imprecisão e a névoa de propostas. Em todo caso, a realidade terminaria, de uma ou outra maneira, se impondo.

De outro lado, teríamos os candidatos da dita esquerda, Lula/Haddad, Ciro Gomes e Guilherme Boulos, que preferem antecipar a vinda do furacão, lançando o Brasil na incerteza, na desordem e na insolvência. Seus discursos respectivos são os de encobrimento do que existe e os da defesa da atual condição de injustiça em relação à imensa maioria dos trabalhadores.

Há, todavia, uma data-limite. E essa se situa quando da declaração do vencedor ou da vencedora do pleito eleitoral de outubro, seja no primeiro, seja no segundo turno. Neste momento, a realidade não poderá ser escamoteada e deverá ser encarada de frente. De nada adiantará a mistificação das narrativas. Se essas porventura prevalecerem, o resultado se traduzirá por menores investimentos, mais desemprego e menor renda. As consequências sociais serão elas também duras.

Urge que haja uma negociação entre o(a) candidato(a) vitorioso(a)e o atual presidente logo após a eleição. O Brasil não pode mais esperar. Quanto mais tempo se perca, pior será para todos. E, quando digo negociação, refiro-me à necessidade de que a reforma da Previdência seja ainda aprovada no atual governo, nos meses de novembro e dezembro.

Há, hoje, um impedimento constitucional que diz respeito à intervenção federal do Rio de Janeiro. Nada impede que ela seja levantada, com o acordo inclusive dos militares, que não a consideram uma função sua, a policial no caso, num Estado completamente desorganizado em suas finanças, instituições e, particularmente, na área de segurança pública.

O problema é essencialmente político. O atual presidente e o(a) próximo(a) deveriam unir esforços em prol do Brasil. Cada um ganharia com isso, sendo o País o maior beneficiário. O presidente Michel Temer terminaria o seu ciclo de reformas, sendo, então, reconhecido por isso. O(a) novo(a) presidente começaria o seu mandato sem este ônus que pesará sobre si, podendo pensar em seus próprios projetos. Poderia, mesmo, fazer com o devido tempo uma segunda etapa de reforma previdenciária, se esta se revelar provavelmente necessária. Haveria um clima de confiança, gerando novos investimentos, emprego e renda para todos. O Brasil poderia ver o seu futuro imediato com a esperança de inaugurar um novo círculo virtuoso, o do bem-estar material, da segurança jurídica e do crescimento econômico.

O Brasil é maior do que seus governantes, é maior do que todos nós. Alguns denominam isso de patriotismo, outros de primado do bem coletivo. Em todo caso, não podemos ficar reféns de um furacão que se aproxima perigosamente. Mais do que nunca, torna-se necessário abandonar os interesses menores pelos maiores do País.

Fonte: “Estadão”, 20/08/2018

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