Mas e se os investimentos forem ruins?
Roberto Ellery
É comum escutarmos economistas, empresários e políticos falando da importância do investimento para que o Brasil entre em uma trajetória de crescimento de longo prazo.
De fato, eles não estão errados: são os investimentos que geram crescimento econômico. Sem investimentos, dificilmente voltaremos a crescer.
Os investimentos são importantes porque aumentam a quantidade de capital (máquinas, equipamentos, instalações e estruturas) na economia e permitem que novas tecnologias se integrem ao processo de produção por meio da aquisição de máquinas que trazem embutidas essas tecnologias.
Tanto o aumento do capital quanto a introdução de novas tecnologias no processo produtivo tendem a aumentar a produtividade do trabalho, levando, portanto, ao crescimento de longo prazo.
Até aqui, todas as escolas de pensamento econômico concordam.
Mas há um porém: tamanha a importância do investimento não o torna uma panaceia.
Para que o investimento cumpra sua função é necessário que o aumento da capacidade de produção ocorra e seja sustentável, isto é, produza bens que estão realmente sendo demandados pelos consumidores. Adicionalmente, é necessário que novas tecnologias de fato sejam incorporadas na produção e sejam mais produtivas que as tecnologias anteriores.
Um investimento que não leve a um efetivo aumento da capacidade de produção equivale, para ficar no popular, a jogar dinheiro fora.
Estádios
Considere, por exemplo, os estádios construídos para a Copa do Mundo e que estão sem uso: as estruturas e equipamentos dos estádios foram contabilizados como investimentos, mas não houve nenhum aumento na capacidade de produção do país. Só os três grandes “elefantes brancos” da Copa — Mané Garrincha, Arena Amazônia e Arena Pantanal — custaram R$ 2,716 bilhões. A troco de quê?
Para começar, tais obras aumentarem o endividamento do governo (bancado por nós).
Em segundo lugar, e ainda mais importante, tais obras desnecessárias, ao consumirem grandes quantidades de aço, cimento, vergalhões e argamassa, fizeram com que todo o resto do setor da construção civil do país tivesse de pagar mais caro para conseguir a mesma quantidade de aço, cimento, vergalhões, argamassa.
Eis uma realidade incontornável: vivemos em um mundo de escassez. Logo, se há um aumento no consumo destes insumos, sobra menos para ser usado por outras pessoas. Tais obras desnecessárias causaram o aumento dos preços desses itens, fazendo com que todos os bens que utilizam esses itens em sua construção — como imóveis e carros — ficassem mais caros. Investimentos que realmente estavam sendo demandados pela população tiveram de pagar mais caro para obter estes insumos.
Esses estádios representam um perfeito exemplo de destruição de capital e de desperdício de recursos escassos, os quais agora estão imobilizados em algo que não eleva a produtividade e não cria riqueza para ninguém. Tais construções são um monumento ao erro econômico.
Caso todo este dinheiro tivesse sido simplesmente queimado, as consequências seriam melhores: no mínimo, não causaria novos prejuízos e nem induziria outros investimentos perdidos.
Em Brasília, com efeito, o governo local tem passado por dificuldades para encontrar alguém que queira administrar o estádio construído para a Copa e arcar com os milhões de reais anuais necessários para sua manutenção.
Mas não pára por aí.
Investimentos que pareciam bons
Investimentos que de fato aumentam a capacidade de produção instalada, mas não são sustentáveis, também são um problema.
Peguemos o caso da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. R$ 58 bilhões já foram “investidos” ali. Até agora, nada.
O prejuízo para a Petrobras e para quem investiu acreditando no projeto é evidente, mas os tais bilhões foram computados como investimento e, consequentemente, ajudaram a aditivar os números do PIB. Qual foi o benefício real para a economia?
Já o drama da região onde seria o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) mostra de maneira ainda mais clara como investir mal pode ser desastroso: após R$ 66 bilhões terem sido “investidos” ali, verdadeiras cidades foram criadas ao redor na expectativa da materialização deste complexo petrolífero. Milhares de pessoas largaram seus empregos em outras cidades e se mudaram para os arredores do Comperj na expectativa de empregos e altos salários. Hoje, estas cidades estão tomadas por desempregados, cujas expectativas não se concretizaram.
Outro exemplo clássico é o da indústria naval. Recorrentemente, o governo de plantão resolve dizer que, por termos um imenso litoral, temos de ter uma indústria naval forte Na era FHC, os navios eram feitos fora do Brasil, pois eram mais baratos. Sob Lula, os navios passaram a ser feitos aqui, tudo com o objetivo de “aumentar investimentos e gerar empregos”. O que de fato ocorreu?
Vamos analisar.
Quando eram construídos lá fora, os navios tinham um custo menor para a Petrobras. Quando passaram a ser construídos aqui dentro, o custo aumentou.
Dica: em toda e qualquer decisão política — em absolutamente todas, sem nenhuma exceção — sempre haverá ganhadores e perdedores. Sempre. Não há exceção a essa regra.
Logo, quem ganhou com essa política? As empreiteiras que construíram os estaleiros, os fornecedores das empreiteiras, os fornecedores dos materiais de construção e as pessoas ligadas a essa área naval.
Quem perdeu? Todo o resto do país.
Em primeiro lugar, os cidadãos tiveram de pagar por esse populismo via impostos. Não apenas para pagar as empreiteiras, como também porque parte desses navios foi comprada ou pela Marinha ou pela Petrobras. Se não foi via impostos, então o governo teve de se endividar para financiar tudo isso.
Depois, como explicado acima, os cidadãos tiveram de arcar com preços maiores de todos os materiais de construção que, ao passarem a ser direcionados para a indústria naval, tiveram seus preços aumentados. Isso afetou o resto do setor da construção civil, que teve de arcar com insumos mais caros.
Ademais, os próprios serviços das empreiteiras não apenas encareceram artificialmente (por causa da contratação do governo), como elas próprias — ao serem contratadas pelo governo para construir estaleiros — deixaram de atuar em outras áreas, como construção de infraestrutura, estradas e aeroportos.
Em toda intervenção sempre há aquilo que você vê e aquilo que você não vê. Você viu os empregos sendo criados na indústria naval. Você não viu as consequências que essa criação forçada de empregos gerou para todo o resto do país.
Para piorar, veja o que aconteceu com a Sete Brasil, a empresa que foi criada para construir e alugar 28 sondas de perfuração, em um projeto orçado em US$ 25 bilhões: o governo decidiu incentivar a indústria naval, e a empresa criada, tendo a Petrobras como sócia, quebrou.
Areia de praia não faz navios, e os investimentos gigantescos na (re)construção da indústria naval deixaram um rastro de destruição de capital e desemprego em investimentos feitos na esperança que os estaleiros prosperassem.
Nossa história
Todos esses são exemplos de investimentos ruins por causa de capital mal alocado. E a má alocação de capital é uma das chaves para explicar o não-crescimento de alguns países.
No Brasil, temos larga experiência com ciclos de alta de investimento que terminam em desgraça. A figura abaixo ilustra dois exemplos.
O primeiro ocorreu nas décadas de 1960 e 70. Entre 1965 e 1981, a taxa de investimento foi de 14,7% para 24,3% do PIB. Na sequência, tivemos a década perdida, que durou mais de dez anos e apresentou a hiperinflação.
Fenômeno semelhante, porém menos intenso, ocorreu entre 2003 e 2011, quando tivemos um novo ciclo de alta da taxa de investimento, que foi de 15,3% em 2003 para 19,3% em 2011. Na sequência, tivemos a maior retração do PIB de nossa história.
A figura acima mostra os dois períodos.
O período 1965 a 1981 pode ser subdividido naquele do Milagre Econômico, que começa com os ajustes de 1965 e toma forma no crescimento do começo da década de 1970; e no período da Marcha Forçada, que ocorre na segunda metade da década de 1970.
O primeiro período pode ser visto como um aumento natural da taxa de investimento como consequência dos ajustes da dupla Roberto Campos e Octávio Bulhões na segunda metade da década de 1960. O segundo período, a Marcha Forçada, foi uma tentativa de manter o aumento do investimento na marra por meio de incentivos, subsídios, alto endividamento externo e inflacionismo da oferta monetária.
No século XXI, também temos dois períodos distintos: o primeiro, que vai até 2008, pode ser visto como resultado das reformas da década anterior, inclusive do primeiro governo Lula, e do boom das commodities. A esse período sigo a sugestão de Lula e me refiro a ele como “Espetáculo do Crescimento”.
A partir de 2008, repetindo o final da década de 1970, o governo resolveu comprar a saída de uma crise mundial por meio de incentivos e subsídios ao investimento.
A Marcha Forçada original durou vários anos e terminou com a década perdida, uma inflação descontrolada e o fim da sequência de generais que governou o país a partir de 1964. Já o que seria a segunda Marcha Forçada teve pouco fôlego e ficou mais parecida com uma corrida forçada, deixando o país na maior crise de nossa história.
Por fim, o leitor deve ter notado um pico de investimento no final da década de 1980. Muito provavelmente esse pico é resultado de distorções de preços relativos e não deve ser levado em conta. De toda forma, o movimento foi curto e não configura um ciclo de aumento do investimento. Porém, caso o leitor insista em ver este período como um ciclo de aumento de investimento, então a conclusão inevitável é que o fim deste ciclo foi uma hiperinflação e um congelamento de ativos financeiros (sob Collor).
Conclusão
Fica a lição: investimentos estimulados pelo governo não seguem regras de mercado e não estão preocupados em atender a genuína demanda dos consumidores. No final, eles geram destruição de capital e empobrecimento.
O crescimento econômico ocorre em função de investimentos privados feitos voluntariamente por empreendedores, que se orientam pelo sistema de lucros e prejuízos e por genuínas demandas de mercado, e não de investimentos conduzidos por políticos visando a ganhos eleitorais.
De resto, é possível que nos próximos semestres a economia comece a se recuperar. Se isso acontecer, é certo que irão aparecer políticos, economistas e empresários pedindo para o governo estimular investimentos por meio de subsídios, incentivos e protecionismo. Irão falar de “ganhos de produtividade” e várias outras coisas boas associadas ao aumento consistente da taxa de investimento. O ciclo será reiniciado.
Quando isso acontecer, não se esqueça da figura desse artigo e da lição de que investimento ruim é pior do que simplesmente não investir.
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Leandro Roque contribuiu para este artigo