Os 4 colapsos que destruíram o comunismo

Por décadas, os graduais colapsos do socialismo já vinham minando todo o regime
Diogo Costa

Que o comunismo europeu estava fadado ao fracasso ninguém deste lado do Kremlin parece discordar.Mas, há 30 anos, a velocidade com que as revoluções começaram a redefinir o leste europeu pegou especialistas ocidentais de surpresa. Eles não enxergavam que, por trás da cortina de ferro, os colapsos comunistas já duravam décadas.

1. O colapso moral da ideologia

Vaclav Havel descreveu a experiência atrás da cortina de ferro como uma vida dentro da mentira. Muitas vezes repetida, talvez a mentira vire verdade, mas na repetição infinita o eco se esvazia de qualquer significado.

Quando um comerciante, dizia Havel, pendurava na vitrine da sua loja uma placa dizendo “trabalhadores do mundo, uni-vos!”, seu ato não era movido por convicção e proselitismo. Era um ato de costume, de obediência, de coerção.

urss.jpgPara Havel, seria mais honesto que a placa dissesse, “eu tenho medo e portanto sou inquestionavelmente obediente”.

Os hinos e peças socialistas pregavam uma sociedade fraterna, mas vizinhos se enxergavam como competidores por alimentos e roupas num regime de escassez material. A desconfiança torna-se generalizada quando toda pessoa com quem você interage é um potencial agente secreto.

Sob a promessa de prosperidade igualitária, os poloneses moradores das montanhas Bieszczady foram desapropriados para que 60 mil hectares pudessem ser usados como terreno de caça da elite partidária.

Enquanto o cidadão romeno não tinha acesso a bens básicos, o cachorro de Nicolae Ceaucescu comia biscoitos importados da Inglaterra e sua família desfrutava de 15 palácios espalhados pelo país.

Até para o trabalhador de Berlim Oriental, no país com as melhores condições de vida dentro do bloco comunista, ficava difícil acreditar na ideologia da igualdade quando ao norte se via a elite governante vivendo em Waldsiedlung, com direito a restaurantes, cinema, academia e complexo esportivo dentro de seu condomínio fechado. E a oeste se via seus primos com salários 5 vezes maiores.

Na Checoslováquia de Havel e nos países vizinhos, a história da revolução se repetia nos ouvidos como farsa.

2. O colapso tecnológico da censura

videocassete.jpgEm 1948, o governo soviético permitiu que os cinemas exibissem As Vinhas da Ira. Baseado no romance homônimo de John Steinbeck, o filme retratava o sofrimento da classe trabalhadora americana durante a Grande Depressão. Não passou muito tempo e o partido decidiu suspender o filme. Os soviéticos saíam do filme impressionados com o fato de que, nos Estados Unidos, até os pobres trabalhadores possuíam automóveis.

Quarenta anos mais tarde, quando os filmes passaram das salas de projeção para fitas VHS, o controle social se tornou mais difícil. Com a personalização tecnológica dos anos 1970 e 1980, videocassetes e walkmen permitiam que a abundância ocidental fosse testemunhada por um número maior de pessoas. Imagine assistir às lamentações dos personagens de Cheers quando se tem que acordar de madrugada para ficar na fila do leite.

Como escreveu o cientista político Tom Palmer, que nos anos 1980 contrabandeou eletrônicos para dentro da União Soviética, “talvez os heróis silenciosos das revoluções de 1989 tenham sido Sony e Mitsubishi”.

3. O colapso econômico do império

Economistas ocidentais passaram décadas sob a ilusão de que a economia soviética crescia em alta velocidade comparada às economias ocidentais. O manual de economia mais lido do século XX, de Paul Samuelson, projetava a possibilidade de a economia soviética ultrapassar a americana pela virada do século:

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Mas em vez de criar riqueza, os soviéticos gastavam em produção conspícua: produziam por produzir, para mover indicadores econômicos em vez de para satisfazer demandas dos consumidores.

Sim, a URSS tinha satélites, foguetes e tanques. Só que, exatamente para poder ter essas coisas desnecessárias, sua economia era incapaz de produzir outras muito mais essenciais. Havia foguetes, mas não havia geladeiras, carros, fogões, máquinas de lavar e nem sapatos. As pessoas tinham de ficar em filas humilhantes para deixar seu nome numa lista para, dali a vários meses (ou anos), conseguir um sapato do governo.

No socialismo é assim: ou você imobiliza matéria-prima em foguetes e tanques, ou em fogões, geladeiras, carros e máquinas de lavar. É impossível ter os dois ao mesmo tempo.

O colapso econômico soviético serviu para legitimar o trabalho dos economistas Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Sem um sistema de preços, alertavam, uma economia centralmente planejada não possuía o conhecimento e os incentivos para a organização econômica racional.

A manutenção de um império também tem um alto custo. Durante o expansionismo britânico, por exemplo, o dinheiro que saía do tesouro para a manutenção das colônias era maior do que o retorno em tributos. Também para os soviéticos, o custo de manutenção de um leste europeu ocupado incluía uma crescente despesa com a repressão de dissidentes, incluindo gastos militares com armas, soldados e espiões. A Perestroika, lançada como um salva-vidas para o afogamento da economia soviética, acabou como sua lápide.

4. O colapso ambiental da indústria

Em 1990, os ambientalistas ocidentais começaram a noticiar o tamanho da tragédia dos comuns sobre a população russa:

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Cerca de 40% dos cidadãos vivem em áreas onde a poluição do ar excede de três a quatro vezes o limite máximo permitido. O saneamento é primitivo. E onde existe, por exemplo em Moscou, não funciona adequadamente. Metade de todo o lixo sanitário da capital não é tratado.

Em Leningrado, quase metade de todas as crianças têm doenças intestinais em decorrência de beberem água contaminada daquilo que um dia já havia sido o abastecimento mais puro da Europa.

A candidatura ao prêmio de local mais poluído do mundo é um dos trágicos legados da União Soviética. Hoje banhado de concreto, o lago Karachai nos montes Urais tornou-se o lixão radioativo de uma das maiores fábricas soviéticas de armamento nuclear. De 1951 a 1968, o despejo de resíduos nucleares enxugou o lago para um terço do seu tamanho original. Ao ser dispersada pelo vento, a poeira radioativa do Lago Karachai contaminou os arredores envenenando cerca de meio milhão de pessoas. Por isso decidiu-se cobrir o lago com 10 mil blocos de concreto oco.

Quando Boris Yeltsin permitiu a presença de cientistas ocidentais no local, no início da década de 1990, noticiou-se que o nível radioativo nas margens do lago ainda era de 600 röntgens por hora, o suficiente para matar um turista desavisado em trinta minutos.

Seu professor de geografia deve ter lhe ensinado que o capitalismo moderno deixa um rastro de poluição e devastação ambiental por onde passa. Talvez ele tenha deixado de mencionar que a existência de propriedade privada é o melhor mecanismo para responsabilizar a degradação ambiental. Como o industrialismo soviético operava fora de um regime de propriedade privada, não havia mecanismos de responsabilização ambiental.

Os custos de poluir e desmatar não eram internalizados. Para alcançar as metas anuais de produção, por exemplo, os coletivos usavam de qualquer meio disponível. A União Soviética foi a maior responsável pelo abatimento de baleias no século passado, superando Japão e Noruega, mesmo que seu aproveitamento fosse menor que o dos outros países. Enquanto no Japão se aproveitava 90% do corpo de uma baleia, na URSS, se aproveitava apenas 30%. Mas o importante é que as metas eram atingidas.

Conclusão

ab0b309c-6388-11e4-_797157b.jpgNinguém, de nenhum dos lados de Berlim, acordou no dia 9 de novembro de 1989 planejando a abertura do muro, lembra Mary Elise Sarotte em The Collapse: The Accidental Opening of the Berlin Wall.

Dez dias antes da queda do muro de Berlim, ainda havia gente morrendo tentando alcançar o outro lado da cidade. Foi um mal entendido da fala na TV de Günter Schabowski, membro do Politburo, que levou os alemães a acreditarem na abertura do muro.

Durante décadas, no entanto, os graduais colapsos do socialismo já vinham minando o que seria o súbito colapso de tijolos e regimes.

Diogo Costa

é presidente do Instituto Ordem Livre e
professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG.
Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC.
Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.
Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York.  Seu blog: http://www.capitalismoparaospobr

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