“A queda dos mitos econômicos”, lIvro de autoria de Ives Gandra Martins – 03

Querido mestre Ives Gandra,

Destaco no livro de sua autoria “A queda dos mitos econômicos”, publicado em 2004, o capitulo 10.1 abaixo que apresenta um resumo de nossa tragédia como nação, e que os inocentes, ingênuos e estúpidos

acreditam que basta eleger um “salvador da pátria” para mudar uma catástrofe dessa magnitude, sem uma revisão constitucional. Parabéns!

Com essa Constituição o Brasil é uma usina geradora de crises. Assim sendo, somente nos resta aguardarmos as futuras crises.

Que Constituição no mundo tabela juros, oficializa o calote, garante imortalidade aos idosos, nacionaliza a doença e dá ao jovem de 16 anos, ao mesmo tempo, o direito de votar e de ficar impune nos crimes eleitorais? Nosso título de originalidade será criarmos uma nova teoria constitucional: a do progressismo arcaico (Roberto Campos).

Essas rápidas pinceladas talvez nos deixem realmente convencidos de que o País tem pendente uma questão de urgência urgentíssima: reformar a Constituição e retirar o País do claustro, a fim de que os brasileiros respirem os ares do novo mundo em gestação (Roberto Campos).

 

10.1 AS AMARRAS DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

A Federação Brasileira é maior do que a sociedade. Não cabe dentro do PIB. A estrutura do Estado   e as máquinas  administrativas de 5,5 mil entidades que a compõem tornam o país pesado demais para o povo.

A carga tributária de 38% é insuficiente para sustentar os detentores do poder, políticos e burocratas,  assim como para pagar o alto  endividamento do País, ocasionado principalmente por parte do próprio poder público, visto que o endividamento privado  só é preocupante  no que diz respeito a empréstimos externos avalizados pelo Tesouro.

Na Constituinte de 1987/1988, os lobbies dos servidores públicos foram incomensuravelmente maiores  do que o dos cidadãos, sem tempo  nem recursos para estar em Brasília. Grande também foi a pressão dos políticos para multiplicar o número de entidades federativas (estados e municípios) e de seus departamentos nos três Poderes, assegurando, dessa forma, parcela maior para seu enquistamento no Poder.

Embora constitucionalistas tenham alertado para o risco que tal linha de aprovação na Constituinte provocaria  — em O Estado de S. Paulo,  Celso Bastos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho e eu, em 10 de novembro de 1987, participamos de mesa de debates, alertando  para os efeitos  que infelizmente se realizaram nessa monumental “engorda” da Federação —, o certo é que, em 5 de outubro de 1988, foi aprovada a Constituição,denominada “Cidadã”.

O deputado Ulisses Guimarães — homem digno e sério —, que foi presidente da Constituinte  e tinha  plena  consciência  dos  efeitos  que  ocorreram,  confessou-me, em 1991, que, se fosse novamente nomeado presidente da Revisão Constitucional  de 1993,  criaria uma  Comissão  de Juristas para elaborar um pré- projeto a fim de corrigir tais distorções. Essa conversa telefônica ocorreu no próprio  dia  (23 de  janeiro  de  1992)  em que saía, em O Estado de S. Paulo, um artigo meu intitulado “O custo da Federação”, tendo ele, tão logo lido o artigo, me  telefonado.  Disse-me  que, se a Constituição fora excelente no que diz respeito à enunciação  dos direitos  do cidadão e de  suas garantias,  pecou por excesso  de corporativismo e de inchaço da Federação.

Sua morte trágica inviabilizou a Revisão de 1993 — só ele teria carisma suficiente para levar adiante uma real revisão —, e o Brasil  continua amarrado,  com um Estado maior do que o PIB e os detentores do poder — os grandes beneficiários dessa situação — sem coragem e, o que é pior,sem vontade de alterar o quadro.

Basta dizer que, de 3,9 mil municípios, fomos para 5,5 mil, todos com Câmaras  Municipais,  remunerando pelo menos 9 vereadores, e  com estruturas duplicadas. O mesmo povo passou a ter que sustentar a duplicação das máquinas administrativas,  gerando a necessidade de  receitas tributárias  cada vez mais elevadas. E foram criados três novos pequenos Estados com um estamento que os tornam,  de imediato,  Estados deficitários.

Por outro lado, servidores e políticos asseguraram-se tantos direitos adquiridos,  principalmente no campo  previdenciário, que a  remuneração  média no serviço público  passou a  ser 15  vezes  maior do que no setor privado, bem como a aposentadoria integral  ofertou-lhes  privilégios  que os cidadãos  jamais tiveram ou terão.

Como exemplo, é de se lembrar que o déficit público, em 2002, da Previdência, relativa a 3 milhões de servidores públicos aposentados, foi de quase 52 bilhões  de reais, nas três esferas, enquanto os mais de 20 milhões de trabalhadores do setor  privado geraram um déficit  de aproximadamente  17 bilhões.

Como tais direitos são considerados adquiridos e imutáveis, os detentores do poder,  que elaboraram  a Constituição em  causa própria,  defendem agora que não podem perder os privilégios auto-outorgados, porque a Constituição proíbe que tais direitos  adquiridos  sejam  atingidos.

Dessa forma, além das estruturas esclerosadas, privilégios fantásticos para os  detentores  do poder,  a existência  de 5,5  mil entidades  federativas  — em nenhuma Federação do mundo os municípios têm estruturas de entidade federativa  — leva o Brasil  a ser dividido  em 5,5  mil  “países”,  sendo o prefeito de cada município, pelas prerrogativas, autonomia e independência que tem, um verdadeiro  “presidente  da  república”  em sua localidade.

A “inflação legislativa”, para coordenar as milhões de leis vigentes no Brasil, torna o  País excessivamente  burocratizado e  descompetitivo  em relação a outras nações,  no cenário internacional,  o que termina por gerar  desemprego, pouca participação  no comércio  exterior  — o  Brasil assegura apenas 1,1% das operações mercantis externas no concerto global — e falta de evolução  tecnológica necessária,  nem  sempre  atraindo  os investimentos necessários.

Ao se promulgar a Constituição, em 1988, o Brasil era a oitava economia do mundo,  na frente  até da  China, apesar  das sucessivas crises  por  que passou, na década de 1980. Hoje é a décima quinta, podendo ainda cair mais.

De certa forma, o único setor avançado no País é o financeiro, que vale, todavia,  o que vale  o governo, visto  que mais de 70%  de seus ativos  que circulam no País são títulos do governo.

O certo é que alto endividamento, direitos e privilégios oficiais incompatíveis com a  realidade  brasileira,  carga tributária escorchante  e  juros exagerados para atrair capitais e evitar a fuga deles, além de máquinas administrativas desnecessariamente  multiplicadas,  arcaicas e  onerosas, dificultam  que o setor produtivo (empresários e trabalhadores) evolua para transformar o grande mercado   potencial  que o  Brasil  representa em alavanca de desenvolvimento.

A grande amarra, portanto, a ser desatada é a constitucional, política burocrática.

 

Ricardo Bergamini
(48) 99636-7322 – (48) 99976-6974
ricardobergamini@ricardobergamini.com.br
www.ricardobergamini.com.br

Facebook Comments

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *