A QUARTA CLASSE EM AÇÃO
16/05/2017
Trinta anos atrás, 20% de meus colegas de faculdade, pelo menos os que se achavam mais inteligentes, eram de esquerda.
Queriam mudar o mundo, salvar o Brasil, expulsar o FMI e acabar com a pobreza.
Cabulavam as aulas e viviam no centro acadêmico com pôsteres de Che Guevara discutindo como tomar o poder.
A ideia de ajudar os outros fazendo trabalho voluntário na periferia nem lhes passava pela cabeça.
Dez por cento eram de direita e atazanavam a esquerda, e a impressão que se tinha é que eram dois grupos que brincavam de mocinho e bandido numa versão mais adulta.
O resto era de centro, liberais e libertários, mais preocupados em libertar o Brasil de uma ditadura que em implantar outra, a do proletariado.
Para minha surpresa, quando fiz o mestrado em Harvard, a totalidade de meus colegas era apolítica.
Eles estavam lá para estudar, adquirir conhecimentos, para poder ser úteis à sociedade e talvez ficar ricos.
Por isso estudavam, para meu enorme desespero, vinte horas por dia.
Mas, mesmo com essa carga de estudo, todos faziam trabalho voluntário, um dos requisitos inclusive para a admissão ao mestrado. Já eram voluntários antes de ingressar.
Trinta anos se passaram, e na última reunião quinquenal dos ex alunos de Harvard constatei que todos ficaram ricos como pretendiam; eu a única exceção, Prof. da USP que era.
Agora suficientes ricos, eles devotam boa parte do tempo a causas sociais e doam bilhões ao terceiro setor.
Muitos, já aposentados, gastam 25 horas por semana em conselhos como os da Cruz Vermelha, Endeavour, e assim por diante.
Mesmo eu que não sou rico, pude com pouco dinheiro criar o primeiro site de voluntários, o www.voluntarios.com.br, criar o Prêmio Bem Eficiente para Entidades Beneficentes, que a velha esquerda nunca apoiou, porque eles estavam ocupados tentando se eleger.
A reunião de trinta anos com meus colegas da USP foi ainda mais surpreendente.
O mais engajado na época, o que mais pregava a luta de classes, é hoje diretor de banco.
Seu colega socialista e portanto menos radical, o economista Joao Sayad era o dono do banco.
A maioria dos meus colegas mais inteligentes da época se desculpou dizendo: “Cansei de ajudar os outros” (sic), “estou ficando velho, preciso me preocupar com minha aposentadoria”.
Pior foi ter que ouvir esta frase:
“Quem não é de esquerda quando jovem não tem coração, quem continua quando velho perdeu a razão“, desculpa esfarrapada e ofensiva para os velhos como nós que temos ainda coração.
Pudera, com 50 anos não poupou um centavo de capital, era contra o capital, e com R$ 40.000,00 na Caderneta de Poupança e uma Previdência Social falida, percebeu que seus últimos anos seriam trágicos.
Foi quando decidiu ganhar dinheiro, muito dinheiro, apesar de não saber nada, a não ser como funciona a máquina de governo. No desespero, esqueceu sua ética, vendia favores, precisava acumular R$ 15.000.000,00 o mais rápido possível.
Passaram a vida tramando uma revolução, perderam a chance de se aprimorarem na profissão para ganhar dinheiro legalmente. Mas o pesadelo de “mendigo na sarjeta” é o que os motivavam desesperadamente.
Talvez meus colegas de Harvard não tivessem coração trinta anos atrás, talvez devessem ter sido mais de esquerda, mas tampouco tinham competência para mudar o mundo e acabar com a pobreza.
Faltava-nos na época conhecimento para tocar um botequim, muito menos uma revolução.
Por isto eu prefiro a nossa nova geração. Não são de esquerda nem de direita, nem aguentam mais essa discussão.
Não pretendem mudar o mundo, querem primeiro mudar o bairro, para depois mudar seu Estado e o país. Percebem que aqueles que querem melhorar o mundo só o pioraram.
A nova geração está desencadeando uma revolução de cidadania, usando o cérebro e o coração para o voluntariado, engajando-se no terceiro setor, cada um fazendo sua parte.
Não ficou somente no discurso, partiu direto para a ação.
Em minha opinião, nossa nova geração está com tudo, e deveríamos ficar orgulhosos por não se fazerem mais jovens como antigamente.
Artigo Publicado na Revista Veja 12 de Setembro de 2001.