O socialismo não é apenas pobreza: é pobreza carcerária
O Muro de Berlim foi erguido pela socialista República Democrática da Alemanha no dia 13 de agosto de 1961 e só foi derrubado pelo povo no dia 9 de novembro de 1989.
Foram o equivalente a 28 anos, dois meses e 27 dias dividindo famílias, amigos, companheiros de trabalho e conterrâneos dentro da capital alemã.
Neste ano de 2019, comemoraremos 30 anos de sua derrocada. Isso significa que os berlinenses já estão reunificados por mais tempo do que foram mantidos separados pelo socialismo.
Esta data constitui uma excelente ocasião não apenas para celebrar a restauração das liberdades mais básicas para os berlinenses, como também para denunciar novamente a monstruosidade em que, necessariamente, todos os regimes socialistas acabam se transformando.
O Muro de Berlim não foi um acidente histórico
Como é próprio da história, o passar do tempo tende a suavizar — e até mesmo a ofuscar — as causas dos eventos e a ser mais cordial e tolerante com os responsáveis diretos.
Olhar friamente os relatos históricos dá a entender que o Muro foi apenas um pitoresco acidente histórico, uma frivolidade feita por um regime megalômano — uma frivolidade sem nenhuma conexão com o substrato ideológico desse regime.
No entanto, o muro da vergonha socialista não foi nenhum acidente histórico: foi, isso sim, a consequência natural e inexorável de uma ideologia que institucionalizava a exploração do homem pelo homem, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, dizia estar abolindo essa exploração.
Só que a exploração — a verdadeira exploração, aquela baseada na repressão sistemática da liberdade — é inerente à ditadura do proletariado: não porque a ditadura afirma saber sem ambiguidades qual deve ser o destino dos não-proletários, mas sim porque, inclusive dentre os proletários, existem várias divergências de interesses entre eles, divergências essas que a ditadura socialista só pode resolver por meio da coerção estatal — isto é, chancelando e exercendo o uso da força policial e militar em prol de alguns proletários e em detrimento de outros proletários (na realidade, em prol dos quadros com maior poder dentro da burocracia socialista e em detrimento do coletivo dos proletários).
E todo regime assentado sobre a selvagem escravização do homem pelo homem terá de erigir muros para impedir que os escravos fujam do jugo de seus senhores, especialmente quando existem sociedades muito mais livres ao redor.
Afinal, sem um celeiro de cobaias não há paraíso socialista. Por isso, os muros de contenção são imprescindíveis: não para evitar que as “massas depauperadas pelo capitalismo” emigrem em debandada para os paraísos socialistas, mas sim para evitar que as “massas enriquecidas pelo socialismo” sejam tentadas a fugir para o inferno da exploração capitalista.
O socialismo inevitavelmente exige muros
Ao passo que o socialismo promete criar o paraíso na Terra, ele entrega apenas o inferno político, social e econômico do qual a maioria da população ardorosa e desesperadoramente deseja fugir.
Por isso, aos regimes socialistas não resta outra solução senão estabelecer rígidos e violentos controles de fronteiras, bem como construir barreiras mortíferas para evitar a travessia de pessoas. E a intenção não é evitar que as hordas de trabalhadores explorados pelo capitalismo adentrem em massa o Éden socialista, mas sim impedir que os proletários fujam aos milhões desse Éden socialista com destino a essa máquina exploradora e alienadora que supostamente é o capitalismo.
A República Democrática da Alemanha não foi uma exceção a esta regra, não obstante se tratasse de uma das sociedades mais ricas do planeta. Entre 1949 e 1961 — ou seja, antes da construção do Muro —, 3,8 milhões de pessoas abandonaram a Alemanha Oriental para se instalar na Alemanha Ocidental: aproximadamente 20% da população (vide gráfico abaixo).
Para se ter uma perspectiva desta calamidade migratória, vale lembrar que o número de refugiados que escaparam da Síria em decorrência de sua devastadora guerra foi de 5,5 milhões para uma população original de 22 milhões, ou seja, 25% de seus habitantes.
Ou, dito de outra maneira, os efeitos do estabelecimento do socialismo sobre uma população foram análogos aos de uma guerra civil — e o fato é que a ditadura socialista não é outra coisa senão guerra e perseguições permanentes de uma parte da sociedade à outra.
Esta intensa e irrefreável migração da Alemanha Oriental para a Alemanha Ocidental acabou por forçar a nomenclatura socialista a impor, já a partir de meados da década de 1950, estritos controles sobre a fronteira do lado oriental: ali foram sendo progressivamente erguidos alambrados e barreiras de metal, bem como uma zona de acesso restrito, a cinco quilômetros da fronteira, repleta de minas anti-pessoas e valetas anti-veículos para obstaculizar qualquer tentativa de fuga.
Uma vez controlada a fronteira que separava as duas Alemanhas, ainda faltava resolver o problema específico de Berlim: uma cidade submetida a duas jurisdições distintas, onde a abolição da livre circulação de pessoas seria não apenas mais complicado do ponto de vista técnico, como também muito mais desagregador do ponto de vista humano e comunitário.
Para o socialismo real, no entanto, pouca importava este sofrimento: frear a sangria de exilados, a qual ilustrava de maneira prática e viva para o resto do mundo o fracasso do regime, constituía um objetivo prioritário. Esse êxodo em massa representava um enorme constrangimento tanto para o governo soviético quanto para o governo da Alemanha Oriental. Também representava uma enorme perda de mão-de-obra qualificada e de inúmeras ocupações profissionais. Assim, foi feita a opção pela restrição total, ainda que à custa de fraturar Berlim por meio da construção de um muro.
Consequentemente, no dia 13 de agosto de 1961, começou a construção do Muro de Berlim. O muro era constituído de tijolo e concreto, e levou dois anos para ser totalmente finalizado. Quando concluído, ele tinha 45 quilômetros de extensão e 2,74 metros de altura, com arame farpado no topo. Os guardas do lado oriental estavam sempre armados com metralhadoras e atiravam em qualquer um que tentasse cruzar o muro. Havia também uma área de 183 metros, entre o primeiro obstáculo e o muro, coberta de minas terrestres e patrulhada por cães policiais.
Após o soerguimento de tão anti-humana e anti-natural barreira, o número de emigrantes caiu drasticamente: se, entre 1949 e 1961, 3,8 milhões de pessoas fugiram do socialismo ditatorial para o capitalismo, entre 1961 e 1988 apenas 600.000 conseguiram esta façanha (sendo que metade era formada por aposentados cuja saída foi autorizada pela Alemanha Oriental pelo simples fato de que eles não mais eram úteis como mão-de-obra socialista).
Outros conseguiram escapar sobre, sob e através do Muro. Alguns escaparam através da rede de esgoto que passava debaixo do muro. Outros cavaram túneis — o mais longo deles, o Túnel 57, tinha 153 metros, e 57 pessoas utilizaram-no para fugir para Berlim Ocidental em 1964.
Figura 1: migração da Alemanha Oriental para a Alemanha Ocidental entre 1950 e 1995 (em milhares)
O Muro de Berlim resumiu perfeitamente a ideia, típica do século XX, do indivíduo como propriedade do estado. Por trás daquele muro, o governo da Alemanha Oriental dizia às pessoas onde elas deveriam morar e trabalhar, quais bens elas poderiam consumir, e quais recreações e entretenimentos elas tinham a permissão de ter. O estado determinava o que elas deveriam ler, ver e dizer. E elas não podiam sair do país — seja para visitar alguém ou para sempre —, a menos que isso servisse aos objetivos e interesses de seus senhores políticos.
E se alguém tentasse sair sem permissão, ele poderia ser metralhado e abandonado à própria sorte, agonizando sozinho e sem ajuda, com outras pessoas sendo obrigadas a assistir à cena para se horrorizarem e abandonarem eventuais ideias de fuga.
O leste alemão hoje
Mais de 25 anos após a queda do Muro de Berlim, aquelas áreas da Alemanha que estiveram submetidas ao socialismo continuam mais pobres que as outras áreas da Alemanha que não adotaram o socialismo. Em 2014, no aniversário de 25 anos da queda do muro, o jornal The Washington Post fez uma reportagem mostrando como a Alemanha Oriental ainda apresenta níveis menores de renda, taxas de desemprego mais altas e, em geral, é menos próspera que o lado ocidental alemão. Esta situação fez com que a região oriental da Alemanha sofresse um êxodo de jovens, muitos dos quais se deslocaram para o oeste do país à procura de melhores empregos e maiores salários.
O leste alemão até hoje sofre as consequências das décadas que passou destruindo seu capital sob o domínio soviético. Como consequência, o leste está décadas atrasado em relação ao oeste em termos de acumulação de capital e aumento da produtividade do trabalho.
Durante a Guerra Fria, muitos oponentes do socialismo apontaram a Alemanha como o exemplo perfeito de como o socialismo destruía a prosperidade econômica. A piada recorrente era: se o socialismo não funcionou nem na Alemanha, como querer que ele funcione em qualquer outro lugar?
Conclusão
Embora não exista mais na Alemanha, o socialismo real continua vivo em outras partes do mundo, e segue devastando sociedades inteiras, cujas pessoas, assim como ocorreu durante 10.316 dias na República Democrática da Alemanha, estão desesperadas para escapar do cárcere vermelho e que, exatamente por isso, são retidas por seus respectivos regimes autocráticos mediante barreiras naturais (o estreito da Flórida, em Cuba) ou artificiais (a “zona desmilitarizada” que fortifica a Coreia do Norte e o fechamento das fronteiras pelo governo da Venezuela).
O socialismo não é apenas pobreza: é pobreza carcerária. Por isso, ele necessariamente tem de construir muros ao seu redor: não para impedir que estrangeiros entrem buscando prosperidade, mas sim para impedir que os nativos fujam da miséria que ele inexoravelmente gera.
professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.
É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.