Oculto em séries de televisão, o talento de David Schwimmer se revela neste surpreendente Confiar, primeiro filme para cinema por ele realizado.
O novo cineasta também apareceu como ator em papéis menores e parece não ter ocupado seu tempo apenas atuando. Foi daqueles que soube assimilar as técnicas de captação e desenvolvimento de imagens para a tela maior, muito diferentes daquelas utilizadas nas narrativas para a tela pequena.
Seu primeiro filme verdadeiro exibe competência da primeira à última cena. Porém, não estamos apenas diante de um filme bem dirigido. O novo cineasta é daqueles interessados acima de tudo em povoar o espaço captado pela câmera com figuras reais.
Além disso, eis um filme preocupado em dar testemunho sobre uma época, seus avanços tecnológicos, seus indivíduos emocionalmente frágeis, seu culto do supérfluo, seu desconhecimento das leis que conduzem a conduta humana.
Este retrato de uma família aparentemente sólida e que de um momento para outro é ameaçada por algo que, de certa maneira, nasce em seu interior, é construído de forma exemplar, na medida em que todos os elementos da trama expressam as inconformidades geradas por limitações e desconhecimentos.
O futuro dirá sobre o papel do diretor no panorama do cinema atual. Mas o primeiro trabalho merece toda a atenção.
Tudo parece normal na família focalizada. O pai é um publicitário de sucesso; a mãe, uma mulher articulada; os filhos, felizes à espera do futuro.
A cena do aniversário transmite tal impressão. E, certamente, não por acaso que o presente recebido é um desses instrumentos que permite um tipo de contato que, ao estimular a imaginação e preencher vazios, pode abrir caminhos tão reveladores como perigosos.
De repente, a cena tradicional da família unida, tão explorada pelo cinema mais convencional, recebe um elemento adicional.
Não estamos mais no universo dos filmes de décadas passadas, até porque nos diálogos a presença de certa irreverência nos adverte que os tempos são outros.
A menina encontra, através da tecnologia, o companheiro da mesma geração, uma voz que vem transformar sonhos em realidade.
O filme não permanecerá apenas na crítica moralista e no ataque ao mau uso da internet.
Sua ambição é outra, mesmo não recusando falar sobre os males decorrentes do uso precipitado das fascinantes tecnologias de nosso tempo.
Tudo isso não chega a ser uma novidade. Sempre que um instrumento tecnológico se transforma em algo destinado a ocultar ou a substituir superficialmente necessidades básicas, temos a deformação e consequentemente a angústia e o sofrimento.
O filme passa a acompanhar, paralelamente, o sofrimento da filha e do pai.
É quando o valor do trabalho de Schwimmer se revela inteiramente. Não estamos apenas diante dos filmes de advertência e condenação.
O apelo que emana das imagens é outro. Confiar é filme que trata da falta de conhecimento e de impulsos não clarificados.
Há momentos em que a cólera paterna se transforma em cenas de ciúmes. Em outros, como na cena da sedução, é como um incesto simbólico se concretizasse.
O novo cineasta não é um Bergman, mas certamente ele e seus roteiristas – Andy Bellin e Robert Festinger – conhecem A fonte da donzela e outras obras bergmanianas que tratam do tema, inclusive a versão da ópera A flauta mágica.
Outro recurso a ser ressaltado é que o filme não se conclui da forma esperada. No último plano da narrativa, o recurso da montagem afasta a câmera, como se o diretor tomasse distância de uma solução superficial para o problema.
Tal afirmativa pode ser confirmada com a cena que acompanha os créditos finais, quando na normalidade do núcleo familiar a imagem encontra a figura deflagradora de todo drama.
Não estamos diante de um marginal, mas perante o integrante de um universo onde reinam as convenções e as máscaras. Confiar, em outros momentos, ao acompanhar as atividades do pai, revela uma sociedade convivendo mal com a sexualidade e com limitações a ela impostas.
HÉLIO NASCIMENTO
hr.nascimento@yahoo.com.br
Cinema
Jornal do Coméricio