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Vinícius Montgomery de Miranda
10/12/2019
No início do mês de novembro, o Brasil assistiu perplexo à conclusão da votação no STF contra a prisão após a condenação em segunda instância. Ao contrário de deliberações anteriores dessa mesma corte, a decisão foi de que réus condenados só poderão ser presos após o trânsito em julgado, isto é, depois de esgotados todos os recursos processuais; na prática, isso livra da cadeia, ainda que por tempo indeterminado, poderosos políticos que recentemente assaltaram os cofres públicos brasileiros. Sem dúvida que esse julgamento aumenta a sensação de impunidade, além de acrescentar uma pitada de insegurança jurídica no já esgarçado arcabouço jurídico brasileiro – que por sua excessiva prolificidade e complexidade, muitas vezes, não permite à autoridade judiciária compreender os efeitos de sua decisão na ordem econômica e no cotidiano de seus concidadãos. Todavia, a questão ganha ainda maior dramaticidade quando se considera o instituto da indicação política para os membros do Supremo Tribunal, que supostamente deveria atuar de forma isenta, se restringindo a questões constitucionais, em vez de tentar reescrever a Carta Magna.
A livre indicação do presidente da República, apesar dos critérios estabelecidos – reputação ilibada e notório saber jurídico – e da sabatina no Senado, sequer exige do indicado formação em direito ou atuação prévia em tribunais inferiores. Ainda assim, ao contrário do que possa parecer, a indicação por afinidade política ou ideológica não é práxis exclusiva do Brasil, embora haja multiplicidade de critérios entre diferentes países. Inclusive os Estados Unidos, referência em estabilidade jurisdicional, já experimentaram questionamentos a respeito do possível viés ideológico na formação de sua magistratura. Países como o Canadá e Israel, entre outros, exatamente para mitigar a propensão política e ideológica na composição da esfera máxima da justiça, adotam parâmetros mais sólidos e estáveis em sua formação. A despeito disso, ao contrário do Brasil, quase a totalidade dos países adota a prisão em primeira ou em segunda instância, com permissão de recurso ao réu encarcerado. É o mínimo que se espera de uma sociedade onde prevaleça o império da lei.
Parece pouco sensato, portanto, ir na contramão do mundo e ignorar o interesse público em benefício de quem quer que seja. Se a letra da lei é controversa e permite essa intensa discussão jurídica, com efeitos deletérios na economia, cabe exclusivamente ao poder legislativo buscar a solução da questão. De preferência da forma mais urgente possível. Afinal, decisões de investimentos, que resultam em produção, empregos e renda, não podem continuar suspensas em função dos caprichos do parlamento ou de filigranas jurídicas. Acontece que, no Brasil, a multiplicidade de partidos políticos e a representação parlamentar proporcional, delineados a partir da Constituição de 1988, parecem deliberadamente idealizados para subestimar o interesse popular, presumido como soberano na democracia representativa. Nem as manifestações de rua surtem efeito. Nesse país estranho, sequer a teoria da separação dos poderes de Montesquieu, na qual se supõe a atuação harmônica e independente dos mesmos, resiste ao corporativismo intraestatal. A sensação é de que a sociedade se tornou refém da vontade própria do Estado, cabendo a ela apenas a tarefa de sustentá-lo.
Indubitavelmente a secular hegemonia estatal tem condenado gerações a uma vida medíocre, muito aquém das possibilidades que a terra brasilis pode oferecer. Quem não conhece ao menos uma família que padeceu diante do desemprego ou que suplicou por um atendimento hospitalar digno? O que dizer dos apuros diante da violência, das catástrofes naturais ou da falta de perspectiva e de valorização profissional? Decisivamente são incontáveis os problemas econômicos e sociais que poderiam ao menos ser mitigados se a avidez do Leviatã fosse restringida. O fato é que o mecanismo estatal age como uma infecção oportunista, que se aproveita da fragilidade da sociedade para lhe extrair o máximo de riqueza. Para tanto, conta com a ajuda da silenciosa marcha ideológica. São décadas de populismo, sindicalismo, assistencialismo e dependência estatal regados com muito dinheiro público. Inúmeras gerações foram nutridas com ódio ao capitalismo, à competição e à meritocracia, como se sonhar com a prosperidade fosse pecado mortal. Melhor mesmo é idolatrar o pai Estado que defende a todos da ganância dos poderosos. Assim, todos os beneficiários, inclusive as corporações que buscam proteção contra a concorrência estrangeira, agem como se os recursos públicos jorrassem de uma fonte inesgotável. Não surpreende, portanto, que a dívida pública se aproxime perigosamente de 100% do PIB, mantendo a economia no limiar da hecatombe.
Leandro Narloch muito apropriadamente decifrou a lógica do estado grande, onipresente, ultra-regulador, que intervém em tudo e cuida de todos: de um lado ficam grupos de interesses bem organizados, com as mais variadas bandeiras, para abocanhar o maior naco possível do orçamento público; do outro, ficam os pagadores de impostos, que precisam se equilibrar para conquistar um pouco de paz. Nada diferente do alerta Hayek em O Caminho da Servidão, apontando para o desfecho de todas as variantes de regimes coletivistas: sujeição, privação e miséria para a população; imunidade, regalias e favores para o entorno do poder. Claro que o orçamento público atrai todo tipo de aproveitador – o que não pode ocorrer é a sociedade entregar-lhes a chave do cofre.
Nelson Rodrigues dizia que o mundo estaria a salvo se os homens de bem tivessem a mesma ousadia dos canalhas. Bingo! Para cada projeto de lei que aumenta os gastos, para cada medida que prolonga o protecionismo e compromete a produtividade da economia, para cada ato do Estado que reforça o corporativismo e garante a impunidade, sem reação alguma da sociedade e dos pagadores de impostos, maior o atrevimento dos que rodeiam o poder. Exatamente por isso, é preciso limitar o raio de ação estatal. Estado grande é, e sempre será, sinônimo de privilégios, de corrupção, de concentração de renda e de poder. Lord Acton foi assertivo quando vislumbrou a essencial limitação da autoridade governamental, ao afirmar que, sem limites, nenhum governo é legítimo. De fato, é perceptível a desilusão dos brasileiros com a democracia tupiniquim. O fato é que sem a vigilância diuturna da sociedade civil e a defesa permanente dos direitos individuais, invariavelmente o Estado cresce sem controle e transforma a todos em súditos do poder.
A grande questão é como deter o ímpeto estatizante. Em primeiro lugar é preciso entender que a concentração de poder, o conluio com grandes empresas, a cartelização do setor privado e a limitação das liberdades individuais são características de um sistema de governo fascista, socialista. O problema é que, como afirma Lew Rockwell, tais características se tornaram tão comuns que as pessoas nem mais se dão conta de sua gravidade. Claro que compreender os fatos que colaboram para a voracidade estatal é fundamental para refrear seu impulso controlador e autoritário. A sociedade precisa entender que não existe defesa de causas sociais sem grupos de interesses por trás; e que o assistencialismo nada mais é que uma estratégia para a manutenção do poder. Por acaso alguém consegue superar o estado de pobreza, de forma definitiva, mantendo-se dependente de outrem? A verdade é que ao longo da história, até aqui, nada conseguiu transformar realidade de forma sustentável senão uma educação de qualidade e a liberdade de iniciativa para criar novos negócios e prover soluções para o mercado. Todas as outras alternativas redundam em submissão, destruindo a dignidade dos pobres.
Qual a justificativa para tamanha burocracia estatal, senão aumentar o próprio poder e os benefícios conferidos aos burocratas? Por que os intelectuais e a mídia sempre defendem interesses coletivistas? Se os homens de bem não esquadrinharem o porquê de um país tão rico permanecer atrasado, os oportunistas certamente continuarão na sinecura. Afinal de contas, nem é preciso ser especialista em economia para perceber que nenhuma nação prospera sem liberdade. Evidentemente que não há evolução sem a livre competição, o estímulo do lucro e o aumento de produtividade nos processos produtivos. Sucede que diante de um inimigo tão poderoso, que concentra renda e enclausura o progresso, escolas e universidades não podem continuar indiferentes, como se não houvesse alternativa. Com tanta expectativa frustrada, chegou o tempo de abrir a mente para uma das maiores lições atemporais de Ludwig von Mises de que “ideias, somente ideias podem iluminar a escuridão”. Claro que somente o livre debate de ideias e alternativas para êxito econômico pode transformar a realidade desta nação, como sucedeu em outras sociedades que ousaram fazer diferente.