Juliano Oliveira
05/02/2020
“É pela justiça que um rei firma seu país, mas aquele que o sobrecarrega com muitos impostos, o arruína”. (Pv. 29:4)
Recentemente fiz uma postagem provocativa em minha página pessoal do Facebook: uma foto em que vestia uma camiseta com os dizeres “Imposto é roubo”. Entre manifestações de aprovação e desaprovação, surgiu um comentário de um velho conhecido, o qual sugeriu, por meio de trechos da Bíblia Sagrada, que o imposto foi legitimado por Jesus e que, portanto, eu errara em meu diagnóstico sobre a tributação.
Como todo estatista defensor do aparato estatal e da espoliação das riquezas geradas pelo setor privado da sociedade costuma fazer, o referido comentarista lançou mão do evangelho de Mateus em seu capítulo 25 e versículos 15 a 22 para me mostrar que ao dizer “Dai a César o que é de César” Jesus Cristo estava legitimando e tornando lícita a cobrança de impostos. Será?
Em seu livro, A Ética da Liberdade, Murray Rothbard deixa claro que todos os cidadãos que desejam obter uma maior variedade de bens e serviços o fazem por meio de trocas voluntárias ou por meio de doação, o que não ocorre com o Estado, o qual é comparado pelo autor a criminosos que usam de sua força para obter suas posses. Diz o autor:
“Todas as outras pessoas e grupos da sociedade (exceto criminosos confessos e esporádicos, como ladrões e assaltantes) obtêm seus rendimentos voluntariamente: ou pela venda de bens e serviços ao público consumidor, ou por doação voluntária (por exemplo, participação em um clube ou associação, legado ou herança). Somente o estado obtém sua receita por meio da coerção, ameaçando a aplicação de terríveis penalidades caso a renda dos súditos não lhe seja disponibilizada.
Esta coerção é conhecida como “taxação” ou “impostos”, embora, em épocas menos regulamentadas ela fosse frequentemente chamada de “tributo”. De maneira pura, simples e direta, imposto é roubo, apesar de ser um roubo em uma escala maciça e colossal, a qual nenhum criminoso comum poderia jamais sonhar em igualar. Imposto é um confisco compulsório da propriedade dos cidadãos — ou súditos — que vivem sob um estado.
Para o leitor cético, seria um exercício instrutivo tentar formular uma definição de imposto que não incluísse roubo. Assim como o ladrão, o estado exige dinheiro do cidadão, sob a mira de um revólver; se o pagador de impostos se recusar a pagar, seus bens serão confiscados; se ele oferecer resistência a esse confisco, será preso; e se resistir à prisão, será assassinado”.
Como conciliar o mandamento “Dai a César o que é de César” com esta monumental explicação de Rothbard sobre a essência criminosa do Estado?
Teologicamente é necessário entender que a passagem bíblica acima referida não alude a uma obediência cega e irrestrita às políticas públicas. Em artigo publicado no site do Instituto Mises Brasil, Norman Horn, mestre em estudos teológicos, afirma que “os governos ou estados não são especialmente instituídos da mesma forma como o são a família e a igreja”. Não obstante, aponta o autor, “o estado não está operando fora dos planos de Deus”. “Nesse sentido, o estado é divinamente instituído da mesma forma que Satã é divinamente instituído”. Noutras palavras, poder-se-ia dizer que a anuência dos cidadãos cristãos em relação às pesadas tributações perpetradas pelo estado tem forte correlação com os princípios cristãos que os norteiam e não com a legitimidade dos impostos. O que quer dizer o autor é que, para os cristãos, o reino de Deus difere do reino da Terra e, portanto, sua prioridade absoluta precisa estar centrada nas coisas de Deus. Didaticamente, se é preciso sofrer, que soframos por amor a Cristo e não por uma desobediência deliberada ao Estado. Em momento algum há reconhecimento de que imposto é algo instituído por Deus para bem de seu próprio povo.
Já no campo da política e da legislação, poderíamos utilizar um argumento apresentado por Paulo Kogos em artigo que trata das regulamentações estatais que oferecem o benefício da meia-entrada em casas de espetáculos ou cinemas a “estudantes”. Segundo o autor, o fato de uma obrigação ou direito ser criado por lei não o torna moral ou justo, afinal, algumas das maiores atrocidades da História foram cometidas em nome das leis impostas pelos estados.
Não existem direitos positivos, apenas direitos negativos. Eu tenho direito de que não roubem minha propriedade, e imposto nada mais é, agora nas palavras de Hans-Hermann Hoppe, que roubo de propriedade privada. Segundo o filósofo, “impostos não podem ser considerados pagamentos normais e voluntários por bens e serviços, pois você não tem a permissão de parar de pagá-los caso não esteja satisfeito com o produto que lhe é entregue”.
O estatista, diante do argumento apresentado neste texto, poderia recorrer à velha argumentação de que, sem o Estado, não haveria ordem social e os conflitos incessantes lançariam o homem à mais abjeta desordem e ao caos desenfreado. Segundo escreve Lacombi Lauss, estes são os adeptos do contratualismo de Thomas Hobbes, o qual sustentou que, em estado natural, as pessoas iriam reivindicar cada vez mais direitos, ao invés de menos, levando a conflitos incessantes e cada vez maiores. Seria urgente, diante deste cenário, a necessidade de um arbitrador soberano, acima e exterior à sociedade civil.
A ideia jurídica por trás disso é clara: acordos requerem um fiscal externo que os torne vinculantes.
Ora, mas não é o próprio estado que, com suas ingerências e impostos, gera pobreza, miséria, corrupção e todo tipo de maledicências com que somos afligidos? Não pretendo me alongar com o detalhamento de como o Estado causa todas estas atrocidades. Caso o leitor deseje entender porque o estado é o grande causador dos males dos quais ele promete nos livrar com suas mãos pesadas, sugiro a leitura deste breve artigo de Adriano Gianturco.
Para concluir, ressalto que a discussão que evoca um financiamento alternativo para os serviços essenciais é de extrema relevância para o debate sobre a coerção estatal praticada em nome do bem estar coletivo. Que fique claro, no entanto, que a dificuldade de se visualizar um caminho que seja fundamentado nas inúmeras possibilidades que certamente surgiriam no bojo da capacidade criativa e inventiva da iniciativa privada se deve à brecha totalmente preenchida pelo aparato estatal. Por fim, a defesa de um mundo ideal, livre de impostos, por mais utópico que pareça ser, não destrói a realidade de que Imposto é Roubo e reconhecer esse fato não fere os princípios bíblicos.