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Bibi Ferreira.
Fotógrafo não identificado.
Cedoc-Funarte
Abigail Izquierdo Ferreira nasce no Rio de Janeiro em 1 de junho de 1922. Filha do ator Procópio Ferreira e da bailarina espanhola Aída Izquierdo, desde cedo dá bandeira de que nasce com o gene do teatro. Estreia no palco com apenas 20 dias na peça Manhã de Sol, no colo de sua madrinha Abigail Maia, esposa do autor e padrinho Oduvaldo Viana. Com a separação dos pais, segue com a mãe, que vai trabalhar numa companhia espanhola de teatro de revista, a Companhia Velasco. Lá, aprende seu primeiro idioma, o espanhol, faz participações cantando zarzuelas e torna-se conhecida como “la niña de Velasco”.
De volta ao Brasil com cerca de 7 anos, ingressa na escola de dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde estuda com Maria Olenewa. Começa a trabalhar na companhia do pai famoso. Aos 9 anos, por ser filha de artistas, tem sua matrícula negada no tradicional Colégio Sion. Mas papai Procópio responde à altura: manda a filha fazer cursos em Londres, onde a menina aproveita para estudar seriamente teatro.
Em 1936 participa do filme Cidade Mulher, de Humberto Mauro, produzido e estrelado por Carmen Santos. Atua ao lado de Carmen, Mário Salaberry, Sara Nobre, Jaime Costa e outros. No filme, canta o samba Na Bahia, de Noel Rosa e José Maria de Abreu. Em 1941 protagoniza a peça La Locandiera, de Carlo Goldoni, como a esfuziante Mirandolina. No ano seguinte, monta sua própria companhia, por onde passam futuros grandes nomes do teatro, como Cacilda Becker, Maria Della Costa, Henriette Morineau, Sérgio Cardoso e Nydia Licia. Torna-se uma das primeiras mulheres a dirigir teatro no Brasil.
Em 1947 filma O Fim do Rio (The End of River), de Derek Twist, no qual tem como partner o ator indiano Sabu. Em 1950 é protagonista de Almas Adversas, de Leo Marten, com argumento de Lucio Cardoso, e contracena com Fregolente, Lúcia Lopes, Graça Mello, Pérola Negra e Labanca.
Na década de 50 monta repertório com sua companhia e depois de bem-sucedidas temporadas cariocas, sai viajando pelo Brasil com elenco numeroso, grandes cenários e produções caprichadas. Dentre seus maiores sucessos está A Herdeira, de Henry James, em que além de protagonizar, também dirige, contando com Herval Rossano, Wanda Marchetti e Francisco Dantas no elenco.
Em 1960 inaugura a TV Excelsior com o programa Brasil 60, no qual usa o moderno recurso do videotape para transmitir reportagens das capitais brasileiras, aposentando o programa ao vivo que até então era comum na TV brasileira. O sucesso é tanto que se desdobra em Brasil 61, 62 etc. Na mesma emissora faz também Bibi Sempre aos Domingos. Em 1968 volta à televisão, mas sem o tape, e comanda na TV Tupi carioca o musical Bibi ao Vivo, com direção de Eduardo Sidney. Nele apresenta, canta e dança com a orquestra do Maestro Cipó e as coreografias de Nino Giovanetti no histórico auditório da Urca.
Novela, não
Bibi nunca aceitou papéis em telenovelas, pois não se sente à vontade vivendo personagens na telinha. O veículo se adequa melhor ao seu temperamento histriônico de apresentadora, onde cria estilo único. Ao lado de Hebe Camargo, Sonia Ribeiro, Lídia Mattos e Marly Bueno, entre outras, ela é, como as colegas, a personificação da apresentadora clássica, mas com acessórios a mais: além de ser poliglota, transmite uma credibilidade que vem de sua ampla cultura, e faz isto com charme imbatível. Na transmissão que fez para a TV Tupi, em 1972, da entrega do Oscar, mostrou todo esse potencial.
Na década de 60 estrela dois musicais memoráveis: Minha Querida Lady (My Fair Lady), de Frederich Loewe e Alan Jay Lerner, baseado em Pigmaleão, de George Bernard Shaw, ao lado de Paulo Autran e Jayme Costa, e Alô Dolly (Hello Dolly!), adaptado a partir de The Matcmaker, de Thornton Wilder, com Hilton Prado e Lísia Demoro. Por seus impecáveis desempenhos nesses musicais, torna-se a primeira atriz do teatro musical brasileiro, aquela que interpreta, canta e dança com perfeição.
Nos anos 70 atua em outro musical, que se torna tão importante quanto os citados: O Homem de La Mancha, de Dale Wasserman, com letras versadas por Chico Buarque. Como Aldonza/ Dulcinéa, a prostituta que inspira D. Quixote, faz composição memorável ao lado de Paulo Autran e Grande Otelo. A direção é de Flávio Rangel.
Sempre alternando interpretação e direção, assina Brasileiro, Profissão: Esperança, (1970) de Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho, inspirado no compositor Antonio Maria, inicialmente como show intimista de boate com Ítalo Rossi e Maria Bethânia e, depois, como grande espetáculo, com Paulo Gracindo e Clara Nunes. O musical faz enorme sucesso e entra para a galeria dos grandes espetáculos montados no palco do Canecão, tornando-se uma das maiores bilheterias dos shows da década.
Em 1975 recebe o Prêmio Molière pela personagem Joana, de Gota D’Água, de Paulo Pontes e Chico Buarque, adaptação da tragédia Medéia, de Eurípedes, para os morros cariocas. Em cena, despojada, sem maquiagem, como uma moradora da comunidade, causa impacto na plateia acostumada a vê-la bem produzida em musicais. As músicas de Chico e Dori Caymmi, o brilhante texto escrito em versos por Pontes e mais o elenco afiado, com nomes como Roberto Bonfim, Luiz Linhares, Isolda Cresta, Oswaldo Loureiro, Bette Mendes e Norma Suely, enriquecem seu comovente desempenho, que tem a regência do diretor Gianni Ratto.
Piaf, um marco
Em 1983, após cinco anos ausente do palco, volta em Piaf – A Vida de uma Estrela, em que vive a cantora francesa Edith Piaf. Sua performance elaborada chega a ser “mediúnica”, tal a sutileza na encarnação da anima/persona da cantora: a semelhança da voz, do frágil aspecto físico e do temperamento quente. Com isso, abiscoita diversos prêmios: Molière, Mambembe, Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), Governador do Estado e Pirandello.
Na virada do milênio, personifica a fadista Amália Rodrigues em Bibi Vive Amália. Causa novo impacto nas plateias brasileira e portuguesa tal a verossimilhança. Em anos mais próximos, o público a vê brilhar nos recitais Bibi In Concert e Bibi In Concert Pop, acompanhada por grande orquestra e coral, nos quais mostra, de forma totalmente à vontade, um dos seus maiores prazeres: o de cantar. Em 2003 recebe homenagem da escola de samba niteroiense Viradouro, e se torna o enredo A Viradouro Canta e Conta Bibi, homenagem ao Teatro Brasileiro, do carnavalesco Mauro Quintaes.
Mantendo-se sempre discreta e reclusa em sua vida pessoal, sabe-se que depois de um casamento com o diretor Carlos Lage e outro em seguida com o ator Herval Rossano, casou-se silenciosamente, e pela terceira vez, com um aparentado de Paschoal Carlos Magno, com quem tem uma filha, Teresa Cristina. Bibi e o dramaturgo Paulo Pontes viveram por quase oito anos uma relação de amor, até a morte de Paulo em final dos anos 70. Sobre seus casamentos é tudo o que se sabe, pois não gosta de falar sobre o assunto. Nem nomes, nem detalhes. Da classe artística não desfruta com ninguém de convívio mais íntimo, apesar de ser bastante querida pelos colegas. Talvez as únicas atrizes que conseguem maior aproximação com ela sejam Jalusa Barcellos, Isolda Cresta e Norma Suely, esta última até seu recente desaparecimento. São amigas e confidentes.
Reservada, vive em seu apartamento no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, e raramente é vista em estreias e acontecimentos sociais. Mas está sempre pronta para qualquer novo projeto, especialmente para dirigir, uma das facetas que ainda mantém em atividade e para a qual é muito solicitada. Como diva absoluta que é, está acima do bem e do mal, com temperamento, verve e humor sempre renovados a cada nova aparição para o seu imenso público. Pérola rara.
Saiba mais sobre Bibi Ferreira:
CD/DVD Bibi Canta Piaf. Gravadora Biscoito Fino, 2004.
D Tango, com Bibi Ferreira e Miguel Proença. Gravadora Biscoito Fino, 2005.
VILHENA, Deolinda. Bibi Ferreira: a Trajetória Solitária de uma Atriz por Seis Décadas de Teatro Brasileiro. Dissertação de mestrado. Escola de Comunicações e Artes (ECA), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), 2000.
FONTE
http://portais.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-bibi-ferreira/