*Alex Pipkin, PhD
Não existe “guerra boa”, pelo menos para mim. Ela representa o sacrifício de vidas humanas.
Notoriamente, a guerra comercial entre Estados Unidos e China, já havia mexido sensivelmente no tabuleiro das trocas internacionais, e pressionado para uma remodelação nas cadeias globais de suprimentos. Some-se a isto a Covid-19 e os seus impactos deletérios nas cadeias logísticas globais.
Agora, a guerra na Ucrânia, decretou uma espécie de tiro de misericórdia naquilo que conhecemos como globalização. Ao menos, no médio prazo.
Sem dúvida que muitos apologistas da pobreza e das desigualdades sociais irão saudar o feito.
Por convicção – e fatos e dados – penso que o comércio e a globalização foram capazes de tirar milhões de indivíduos da linha da miséria e da pobreza no mundo, melhorando o padrão de vida de comunidades, especialmente, nas áreas menos desenvolvidas.
Desde Adam Smith, “O Grande”, sabemos que o comércio internacional, especificamente a importação, é uma forma de produção indireta.
Trocamos aquilo que produzimos melhor e/ou mais barato, por aquilo que não somos eficientes e/ou não produzimos, mas necessitamos consumir.
Costumo dizer que o comércio é a dádiva de Deus. Pena que na “fechadura” que desde sempre é a nação tupiniquim, de mentalidade tacanha e introvertida, teimamos em desconhecer esta verdade. Ou se conhece, e se deseja persistir com o favorecimento dos sempre protagonistas “amigos do rei”.
A fatídica guerra na Ucrânia já provocou, por exemplo, um deslocamento das cadeias de suprimentos em energia no mundo, e na cadeia de fertilizantes brasileira. Em uma série de matérias-primas, componentes, produtos e serviços, as empresas no mundo precisarão buscar e desenvolver novas fontes estrangeiras de fornecimento e/ou relocalizar – manufaturar em casa – a produção, o que seguramente trará impactos na forma de aumento de custos/preços.
Evidente que ainda é cedo para se determinar com exatidão as consequências dessa guerra, porém, é vital planejar – antecipar os eventos para decidir e colocar-se numa posição mais favorável no futuro – os próximos passos em nível macroeconômico. Muita gente não se dá conta de que quem opera nos mercados são as empresas.
Como na Terra do Faz de Conta se polariza tudo e qualquer coisa, o governo brasileiro, que começou a abrir frentes internacionais para os fertilizantes no Canadá, diminuiu alíquotas do I.I., e reduziu o IPI em uma série de categorias, passou a ser alvo de retórica e das narrativas políticas e ideológicas de uma parte da população.
As indústrias brasileiras não participam das cadeias globais de suprimentos, e justamente por isso, os produtos nacionais são tecnologicamente defasados, de pior qualidade e mais caros.
Mesmo não atuando nessas cadeias, as empresas brasileiras necessitam de fontes estrangeiras; por exemplo, mais de 90% do potássio para o agronegócio é importado, suprido de empresas internacionais.
Penso que nesse “novo contexto”, deveríamos aprofundar as medidas econômicas para tornar o ambiente de negócios nacional mais atrativo para os empreendimentos e para os investimentos, abrir a economia de fato, e celebrar acordos de comércio com nações e blocos estrangeiros.
Muito triste, mas o tabuleiro internacional que será configurado, além das ameaças reais, representará uma gama de oportunidades para as empresas nacionais.
Internamente, será necessário fazer “o tema de casa” quanto à abertura.
É imperativo, pois em ano eleitoral a nova conjuntura poderá alimentar as falácias e as narrativas contra a abertura, o comércio e a globalização.
Um espectro político já inventou e adotou no passado recente – para meu desespero e catástrofe nacional – a cartilha das políticas nacional-desenvolvimentistas. O ambiente é propício para a demagogia “da produção e da geração de empregos nacionais”, indo de encontro a lógica smithiana bem-sucedida do comércio internacional.
Não adianta tal política ser e ter fracassado, objetivamente, resultando em menor produção, piores produtos e em custos muito mais altos.
A mentalidade dessa turma escarlate, atrasada e simplista, sempre acredita que em algum momento dará certo. Momento é bastante distinto de longo prazo.
Ainda que haja um retrocesso na globalização, é hora do Brasil “se abrir” ao mundo, a fim de reduzir às ameaças e aproveitar as potenciais oportunidades nos mercados globais, além, é claro, de continuar inovando nas áreas de vocação verde-amarela, como é o agronegócio nacional.
Afora as narrativas ideológicas, pouco importa o selo do produto; importa para os consumidores produtos de melhor qualidade, preços mais baixos e soluções mais inovadoras.
2a. Parte
Publiquei um texto sobre a iminente desglobalização e os reflexos no Brasil, em especial, o apetite contraproducente e ideológico no que diz respeito às insensatas políticas nacional-desenvolvimentistas. Evidente que é possível discordar do meu viés “aberto e entreguista”.
Obrigo-me a referir que na República das Bananas – isso, nós temos bananas! – sobra nacionalismo (barato) e há escassez de patriotismo.
Genuinamente, tem-se uma série de “especialistas” – grande parte das redes sociais – e poucos leitores instruídos nos temas em questão.
Por isso, quando o assunto é comércio internacional – entre muitos outros – recorro-me ao Mestre Adam Smith.
Nenhum país pode “ser tudo para todos”, existem certas vocações e especializações.
Países fechados possuem, então, maior pobreza e menor desenvolvimento econômico e social. Ponto. Comparem, por exemplo, à situação da Coreia do Norte em relação à Coreia do Sul.
Adam Smith em A Riqueza das Nações (1776), profetizou que a divisão do trabalho em nível internacional conduziria a especialização, as economias de escala e ao fundamental aumento da produtividade, que levaria ao aumento da prosperidade de uma nação.
Dizia ele que não é o acúmulo de dinheiro o responsável pela maior prosperidade, e sim o aumento da produtividade, o que implica nas trocas.
Por meio da especialização do trabalho e da produção, as empresas expandem seus mercados, aumentam sua produção e alcançam economias de escala, possibilitando a redução de preços para os consumidores, locais e estrangeiros.
No fundo, o comércio internacional não deixa de ser uma troca de trabalho e produção especializados.
O nacionalismo (barato) cega muitos de enxergarem que o Brasil não produz, ou não eficientemente, uma série de matérias-primas, componentes, produtos, bens de capital, etc., necessários para a manufatura da tão sonhada “produção nacional”.
Vejam o que está ocorrendo justamente agora com a Guerra na Ucrânia, em que a agricultura brasileira ainda é dependente dos fertilizantes russos para operar eficientemente. As pessoas não compreendem que muitos dos esforços para produzir bens nacionais não são verdadeiramente nacionais.
Eu não tenho qualquer sombra de dúvida de que uma das principais razões para a escassez de crescimento econômico e social na terra de Macunaíma, é exatamente o lobby efetivo de parte dos ”empresários”, que se associa com agentes estatais para impor proteção e barreiras a oferta estrangeira, obrigando os consumidores brasileiros a comprar produtos de pior qualidade e a preços mais altos.
Singelo, o famoso estamento burocrático brilhantemente exposto por Raimundo Faoro.
Similarmente, quando um governo protege um determinado setor, ele evita a natural mobilidade dos trabalhadores para os setores mais rentáveis, continuando a penalizar os consumidores que necessitam gastar mais de sua renda para consumirem a respectiva oferta.
Muitos alegam que a globalização rouba empregos nacionais. No caso brasileiro, penso que por não participarmos efetivamente das cadeias globais de valor, é que deixamos de gerar postos de trabalho, inclusive, adicionando conteúdo tecnológico.
Verdadeiramente, o grande problema da falta de empregos industriais no país, deve-se ao compadrio e a maior produtividade e/ou custos mais baixos em manufatura em outras nações.
Porém, mesmo que a fabricação de determinados itens esteja ocorrendo em países de baixo custo, essas empresas estão investindo recursos de forma mais eficiente em processos de maior valor agregado, tais como os de marketing, de distribuição, de pesquisa e desenvolvimento e de design.
A questão do desemprego no país, parece-me, ocorre muito mais pelo nosso baixo nível tecnológico, o que é essencial para adicionar produtividade às pessoas e às empresas, do que pela globalização dos mercados.
O baixo índice de inovação tecnológica nacional, por sua vez, é responsabilidade de nossas instituições patrimonialistas e corporativistas, que não abrem a economia e não investem em inovação, em qualificação de trabalhadores para os novos desafios econômicos e, especialmente, em um ensino moderno, transformador e “de verdade”.
Portanto, são necessárias mais trocas internacionais – não menos -, a fim de que possamos agregar mais tecnologias, mais empregos e mais renda. Só maior produtividade nos alçará a uma posição de maior prosperidade.
FONTE:
https://www.puggina.org/outros-autores-artigo/a-iminente-desglobalizacao-e-o-brasil-2a-parte__17650