O filme “Extraordinário” (Wonder, 2017) traz a emocionante história de Auggie Pullman — e gera reflexões importantes sobre os benefícios da educação domiciliar em virtude de sua flexibilidade.
Auggie nasceu com Síndrome de Treacher Collins. A doença genética faz com que alguns ossos e tecidos do rosto não se desenvolvam, causando uma malformação na face, além de possíveis problemas de visão, audição e respiração.
O filme é uma adaptação do romance de R. J. Palacio, e mostra o desafio de um garoto com necessidades especiais de ir à escola e ter de conviver com o preconceito e a discriminação de alguns colegas. Tudo passa a ser particularmente mais difícil por isso ocorrer na pré-adolescência, um momento da vida em que é comum a busca pela auto afirmação.
Para poder ouvir, ver e respirar melhor, o protagonista teve de fazer 27 cirurgias ao longo de seus primeiros anos de vida. Sua condição clínica fez com que a família se adaptasse. A mãe interrompeu seu mestrado para dar aulas para o filho em casa, por exemplo. Como a educação domiciliar é legalmente permitida em todos os estados norte-americanos, não houve prejuízos à formação curricular de Auggie. Ele próprio conta que as aulas da escola “não são tão difíceis” ao comparar com a educação domiciliar.
Dessa forma, a família pôde aguardar alguns anos até chegar o momento que julgaram mais adequado para a escolarização do filho. Nos testes curriculares, Auggie pôde ir direto para uma turma de sua faixa etária e conseguiu acompanhar o conteúdo das aulas.
Contudo, se Auggie vivesse em um país que não permitisse a educação domiciliar, como é o caso do Brasil, onde há insegurança jurídica acerca da modalidade de ensino, sua situação acadêmica seria muito diferente.
No Brasil é comum o entendimento legislativo e jurídico de que a escolarização é a única forma possível de educação. Um caso famoso foi o de Cleber Nunes, cujos três filhos foram educados em casa na cidade de Vargem Alegre, em Minas Gerais. A despeito dos filhos mais velhos terem sido aprovados em vestibulares concorridos, e a filha de três anos já ser alfabetizada em português e inglês, os pais foram condenados por abandono intelectual em 2011.
Apesar de já haver uma década do episódio, ainda há muita insegurança jurídica sobre educação domiciliar no Brasil. Se Auggie fosse brasileiro, devido ao receio de acabar atrasando sua formação, provavelmente a família o matricularia em uma escola de forma precoce. Ele teria de conviver com a rotina de cirurgias, o que o faria ausentar-se de muitas aulas. Além disso, provavelmente seria aprovado de qualquer forma, mesmo que não tivesse compreendido bem todo o conteúdo por causa das justificadas faltas. O Auggie brasileiro eventualmente chegaria a séries futuras com déficit de formação.
Nessa hipótese, ele teria de lidar com o preconceito de seus colegas da mesma forma, mas seria mais jovem, menos maduro e preparado para tanto. Na história original, mais velho, o menino estava melhor preparado para encarar a dura realidade da crueldade de algumas crianças. Assim, enfrentou o bullying sofrido, perdoou colegas que tiveram atitudes equivocadas com ele e firmou laços de amizades verdadeiras.
Ao longo do filme, há uma provocação com a escolarização, pois Auggie está muito à frente em conteúdo em comparação a todos de sua sala.
Em “Extraordinário” não foi de interesse da família que toda a educação de Auggie ocorresse em casa, mas, caso essa fosse a opção, eles estariam respaldados legalmente para tanto. Há liberdade educacional para qualquer família norte-americana planejar-se de acordo com as necessidades que eventualmente surjam. Esse contexto é diferente do que ocorre no Brasil — algo que precisa ser alterado para proteger não apenas a liberdade da família, mas para ajudar a proteger a formação de crianças.
Luan Sperandio
Editor-chefe da casa de investimentos Apex Partners,
analista político e colunista da Folha Vitória.
Integra diversas organizações ligadas ao desenvolvimento
de instituições com melhor ambiente de negócios,
como o Ideias Radicais, o Instituto Mercado Popular
e o Instituto Liberal, onde escreve desde 2014.
É associado do Instituto Líderes do Amanhã.