Marcos Cintra
06/05/2017
O país vive um momento de mudanças estruturais. A sociedade discute atualmente novas regras trabalhistas e previdenciárias e, em seguida, o foco será direcionado para a área tributária.
A reforma do sistema de impostos no Brasil neste ano coincide com o centenário de nascimento de um dos homens mais brilhantes que o país já teve. Caso estivesse vivo, Roberto Campos teria feito 100 anos em abril. Ele foi um dos artífices do chamado “milagre econômico”, entre o final dos anos 1960 e ao longo da década de 1970, ao implementar um inovador modelo de tributos para o país.
A partir do final dos anos 1980, Roberto Campos passou a criticar o sistema tributário do país. Reconheceu que o modelo que criara havia se esgotado e passou a defender o projeto do Imposto Único. Seu pensamento continua impressionantemente atual e sua pregação pela reforma tributária deve ser ouvida hoje com a mesma força e significação com que ele a fez no passado.
O Brasil tem hoje um dos mais complexos sistemas tributários do mundo. Cabe citar em relação a isso um trecho do artigo “A vingança do Jatene”, publicado pela “Folha de S. Paulo” em 18 de julho de 1997, em que Campos critica políticos e burocratas que insistem em aplicar mais do mesmo quando, em benefício da economia brasileira se deveria alterar radicalmente a sua atual estrutura burocrática e arcaica. Diz o autor: “Não tenho o menor respeito pela sabedoria convencional que entroniza como indispensáveis os impostos clássicos tais que o imposto sobre a renda e o imposto sobre o valor adicionado na circulação de mercadorias. São ambos insuportavelmente obsoletos. Ensejam a criação de classes parasitárias como a dos fiscais e tributaristas, que não tiram seu lucro da atividade produtiva e sim da “exploração da complexidade”. Todos os impostos declaratórios (sobre a renda, consumo ou serviços) envolvem uma dupla burocracia: a do contribuinte e a do controlador. Quanto mais complicado o imposto, mais lucram as classes parasitárias. No Brasil, atingimos o máximo de desperdícios com cinco máquinas arrecadatórias, a municipal, a estadual, a federal, a trabalhista e a previdenciária”.
Campos conclui o texto dizendo que “O imposto bom não é o ‘imposto velho’ nem o ‘imposto clássico’. O imposto bom é o insonegável e de cobrança automatizada. Qualquer imposto sonegável é socialmente injusto. E se a cobrança depende de documentos declaratórios torna-se um desperdício. A automaticidade e insonegabilidade são precisamente as características do chamado Imposto Único sobre Transações Financeiras, que não encontrou apoio nem do governo nem do Congresso”.
O Brasil terá que fazer a reforma tributária em algum momento e o legado de Roberto Campos deve ser resgatado nesse processo. A inovação hoje está na implementação de um projeto cujas diretrizes devem ser a radical simplificação da estrutura fiscal e a instituição de um sistema de arrecadação onde predominam a moeda eletrônica e a informatização dos bancos.
Da pena de Roberto Campos, em artigos de jornais ou em textos técnicos, jorravam ideias e conceitos modernos e inovadores. Foi um insolente crítico de seu tempo e um atrevido desbravador de ideias para o futuro.
Fonte: Jornal SP Norte, 5 de maio de 2017.
MARCOS CINTRA
é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV). Cintra propôs o “imposto único”, reforma tributária que aplicaria a substituição, no Brasil, de todos os tributos por apenas um. Marcos é mestre em Planejamento Regional e doutor em Economia pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Publicou os seguintes livros: “A verdade sobre o Imposto Único” (LCTE, 2002), “O Brasil e a ALCA” (Câmara dos Deputados, 2002), “Economia agrícola” (Mc-Graw-Hill, 1987), “Imposto Único sobre transações (Prós e Contras)” (Folha de São Paulo, 1991), “Microeconomia” (Mcgraw-Hill, 1987), “Quatro séculos de história econômica brasileira” (McGraw-Hill, 1977), “A tragédia do Cruzado” (Folha de São Paulo, 1987), “Tributação no Brasil e o Imposto Único” (Makron Books, 1994), “Imposto Único: Um produto genuinamente brasileiro” (Meta, 1998) e “Introdução à teoria econômica” (McGraw – Hill, 1972).