Por que é impossível o governo ser gerenciado “como se fosse uma empresa”

Peter G. Klein
Mesmo um bem-sucedido empresário não pode fazer o governo ser gerido “eficientemente”

Com a acentuada queda no prestígio dos políticos (antes tarde do que nunca!) e a ascensão de líderes que tiveram uma passagem bem-sucedida pela iniciativa privada, tornou-se um lugar-comum dizer que o eleitorado, cansado dos políticos profissionais, agora está querendo pessoas bem-sucedidas, de comprovada experiência administrativa, e capazes de “impor eficiência à gestão do governo”.

A ideia básica é a de que, ao se colocar um experiente administrador na condução da máquina estatal, o governo poderá ser “mais bem gerenciado”.

Os mais entusiastas da ideia chegam até mesmo a dizer que, sob o comando de um experimentado empresário, o governo poderia ser gerido “como se fosse uma empresa”.

Igualmente, não é incomum ouvir vários políticos profissionais prometendo o mesmo: caso sejam eleitos, irão gerenciar o governo “como se fosse uma empresa”.

Só que isso atenta contra a mais básica lógica do funcionamento tanto do governo quanto de empresas. Um governo não pode ser gerenciado “como se fosse uma empresa” porque governos e empresas são intrinsecamente diferentes, para não dizer opostos.

O funcionamento do governo

Um governo é uma enorme organização com milhões de empregados e centenas de divisões, como estatais, ministérios, secretarias, agências reguladoras, autarquias, comissões etc. (No Brasil, apenas o governo federal comanda 148 estataissem contar as outras 119 empresas que possuem participação do BNDES).

O governo possui instalações e equipamentos a serem comprados e substituídos, equipes a serem montadas e dirigidas, estratégias a ser formuladas e executadas, e folhas de pagamento a serem cumpridas.

Sob esse aspecto, ele realmente se assemelha a uma empresa. Mas as semelhanças acabam aí. Todo o resto é completamente diferente.

Para começar, o governo, por sua própria natureza, não opera com recursos próprios. O governo é a única organização dentre todas as organizações que obtém suas receitas não por meio da prestação de serviços voluntariamente adquiridos por consumidores, mas sim por meio da tributação — isto é, por meio da coerção dos cidadãos.

Mais: ao contrário de empresas privadas, as receitas do governo independem da qualidade dos serviços prestados.

Consequentemente, o governo não está sujeito às demandas dos consumidores. Não há “soberania do consumidor” no que diz respeito ao governo. Suas receitas são garantidas. Logo, com receitas garantidas, o governo não está sujeito aos mecanismos de lucros e prejuízos do mercado. O governo não tem de se preocupar com prejuízos ou risco de falência; seus funcionários não precisam servir a ninguém senão a si próprios.

Por não se guiar pelo mecanismo de lucros e prejuízos, e nem pelo sistema de preços, tudo se torna um jogo de adivinhação dentro da burocracia do governo.

Por exemplo, cada ministério, agência e secretaria possuem objetivos declarados. Mas quão bem esses objetivos estão sendo cumpridos? O Ministério da Educação, por exemplo, está satisfazendo seus “consumidores”? E o Ministério da Saúde? E o Ministério da Justiça? E o Ministério da Fazenda? E o Ministério da Pesca? E cada agência reguladora?

Os burocratas responsáveis por cada um destes órgãos merecem elogios ou críticas? O que constitui um “bom desempenho” em cada um destes órgãos?

Como explicou Ludwig von Mises em seu livro Burocracia, estas perguntas são fundamentalmente impossíveis de ser respondidas. Na melhor das hipóteses, podem ser apenas estimadas segundo algum critério subjetivo, mas não podem apresentar a mesma precisão das estimativas feitas em empresas privadas, pois as agências do governo não vendem seus serviços no mercado concorrencial. O “consumidor” dos serviços do governo não escolhe entre vários fornecedores, direcionando seu dinheiro para aquela empresa que fornece os melhores produtos aos melhores preços. Ao contrário: com o governo, o consumidor paga compulsoriamente por tudo, goste ele ou não do serviço. Sendo assim, como avaliar o desempenho do governo? Disse Mises:

Os objetivos da administração pública não podem ser mensurados em termos monetários e não podem ser avaliados por métodos contábeis. Na administração pública, não há conexão entre receitas e despesas. Os serviços públicos estão apenas gastando dinheiro. As receitas derivadas de tributos e taxas não são “produzidas” pelo aparato administrativo; sua fonte é a lei e a atuação da Receita Federal, e não a qualidade dos serviços prestados.

Dado que, dentro desta burocracia do governo tudo é um jogo de adivinhação, você não sabe exatamente o quanto deve gastar em quê; você não sabe se há algum objetivo racional naquilo que você está fazendo; você não sabe se este ou aquele plano será bem-sucedido ou se irá fracassar completamente; você não sabe onde cortar gastos caso tenha de fazê-lo; e você não sabe quais seções e quais pessoas estão fazendo um bom trabalho e quais não estão.

O setor público é um setor que, inevitavelmente, por pura lógica econômica, sempre funciona às escuras, sem ter a mínima ideia do que faz, e sempre tendo de fingir que está fazendo tudo certo.

Por não operar de acordo com os sinais de preços emitidos pelo mercado, e por não seguir a lógica do sistema de lucros e prejuízos, o governo simplesmente não tem como avaliar e estimar o real valor econômico de qualquer coisa que faça. O que a nação obtém em decorrência das despesas e dos serviços prestados pelo governo não pode ser avaliado em termos monetários, por mais importante e valoroso que tal “produto” seja. Essa avaliação dependerá exclusivamente dos critérios estabelecidos pelo próprio governo — ou seja, das decisões pessoais e arbitrárias de políticos e burocratas.

Por tudo isso, os investimentos do governo nunca poderão ser feitos da maneira correta, seus serviços nunca serão prestados de maneira satisfatória, e sempre haverá desperdício de recursos e gritante ineficiência.

Esta é uma realidade inevitável. Não se trata de ideologia; é pura ciência econômica.

Por não ter esta racionalidade, as burocracias estatais sempre acabam seguindo os caprichos do governo do momento, preocupadas exclusivamente em satisfazer as demandas de políticos que visam apenas sua autopromoção e sua reeleição.

Consequentemente, as burocracias estatais sempre estarão sob os auspícios de uma gente cujo horizonte temporal é de no máximo quatro anos, e inevitavelmente se transformarão em fábricas de desperdício, ineficiência, confusão e ressentimento.

Por isso, é impossível um governo brincar de empresa. Empreender significa arriscar o próprio dinheiro em um investimento. Significa auferir receitas de acordo com a qualidade dos serviços prestados. Já burocratas e políticos não têm incentivos reais para desenvolver habilidades empreendedoriais, para se ajustar de fato às demandas do consumidor. Eles não arriscam a perda do próprio dinheiro no empreendimento.

De resto, fora a questão dos incentivos, mesmo os mais ávidos administradores estatais não poderiam operar como se fossem empreendedores privados. Toda a operação estatal funciona com o dinheiro de impostos — portanto, por meio da taxação coerciva. O governo, por sua natureza, já nasceu com este grave defeito “enraizado” em seus órgãos vitais, e nenhum empresário “bom gestor” pode mudá-lo. Ademais, o fato de que quaisquer gastos futuros poderão ser feitos utilizando-se de receitas tributárias faz com que as decisões dos administradores estejam sujeitas aos mesmos vícios. A facilidade de se obter dinheiro irá inevitavelmente distorcer as operações.

O funcionamento de empresas privadas

Já empresas privadas que operam em ambiente concorrencial apresentam um funcionamento completamente distinto.

Para começar, a empresa só auferirá receitas e continuará existindo se convencer os consumidores a voluntariamente lhe darem dinheiro de maneira contínua. E elas só conseguirão fazer isso se oferecerem bens e serviços de qualidade a preços considerados aceitáveis pelos consumidores. Ao contrário do governo, elas não podem obrigar as pessoas a simplesmente lhe darem mais dinheiro caso estejam necessitando.

Para conseguir mais dinheiro, elas têm de satisfazer com ainda mais intensidade os consumidores.

Adicionalmente, no mundo do comércio, e ao contrário do mundo estatal, os sinais de preços emitidos pelo mercado comandam as decisões. O sistema de lucros e prejuízos mostra como os recursos escassos estão sendo empregados. Se corretamente, os consumidores recompensam as empresas propiciando-lhes grandes lucros; se erroneamente, os consumidores punem as empresas impondo-lhes prejuízos.

Uma expansão ou um corte nos investimentos é algo que será guiado pelo balancete das empresas. Não interessa se a empresa é grande ou micro: ela estará sempre em busca da lucratividade. E a lucratividade sempre será, em última instância, determinada pela decisão voluntária dos consumidores.

Empresas privadas, ao contrário do governo, existem visando a apenas um objetivo supremo: auferir lucros. A participação de empregados, fornecedores, investidores e consumidores neste arranjo é estritamente voluntária. O capital da empresa é propriedade privada. Lucros são obtidos e prejuízos são evitados ao se produzir bens e serviços que os consumidores querem e estão dispostos a comprar. Sob a concorrência, é possível mensurar o sucesso ou o fracasso de uma empresa em termos monetários: basta olhar seu resultado contábil e o valor de mercado de seus ativos, de suas ações e de seu patrimônio líquido. Tudo isso é feito “automaticamente” pelo sistema de preços.

Um bom administrador gera lucros para os proprietários da empresa; um mau gera prejuízos. Os detalhes para cada caso específicos são diferentes e fascinantes, mas o modelo geral é claro, direto e consistente.

As diferenças operacionais

Em uma grande empresa, a busca pelo lucro gera uma combinação entre regras e liberdade de ação. Os executivos fornecem as direções gerais, estabelecem sistemas e procedimentos, recrutam gerentes e empregados, resolvem pendengas e divergências, e se concentram na estratégia. Enquanto isso, delegam uma grande medida das atividades diárias aos seus subordinados e às suas sucursais, os quais têm mais liberdade de ação.

Já no governo, toda esta estrutura é burocratizada e sem metas objetivamente mensuráveis. As ações administrativas efetuadas por burocratas não têm valor monetário no mercado. Não há um preço livremente estabelecido para elas. Seu valor não pode ser mensurado por meio de uma transação de mercado. Consequentemente, as medidas administrativas do governo não podem ser expressas em termos de dinheiro.

O gerenciamento objetivando o lucro e o gerenciamento burocrático requerem habilidades completamente distintas e utilizam princípios de gerenciamento completamente opostos. Por exemplo, sob um gerenciamento burocrático, os processos de tomada de decisão devem ser estritamente hierárquicos, com muito pouca liberdade de ação para os subordinados. E tem de ser assim, pois como você saberia se as ações de seus subordinados irão contribuir para o desempenho geral se você não tem um resultado financeiro para lhe guiar?

Sobre isso, Mises afirmou que, na burocracia estatal, “o vínculo entre superior e subordinado é pessoal. O subordinado depende do juízo que o superior fará de sua personalidade, e não do seu trabalho.”  E fez a seguinte análise sobre a diferença operacional entre sucursais privadas e agências estatais:

Não é por causa da meticulosidade que as regulamentações administrativas determinam quanto pode ser gasto por cada agência ou aparato estatal em coisas como limpeza, reparo de móveis e equipamentos, iluminação e sistema de ar condicionado.

Em uma grande empresa privada, tais coisas podem ser deixadas, sem hesitação, aos critérios do administrador local. Ele não irá gastar mais do que o necessário porque ele está utilizando, de certo modo, seu próprio dinheiro. Se ele desperdiçar o dinheiro da empresa, ele colocará em risco os lucros daquela sucursal e estará assim indiretamente prejudicando seus próprios interesses.

Por outro lado, a situação é diferente para o chefe de uma agência estatal. Ao gastar mais dinheiro, ele poderá aprimorar os resultados de seu departamento. A parcimônia terá de ser imposta a ele por controle governamental. E isso quase nunca funciona.

Conclusão

Estudiosos da administração pública já estão bem cientes do problema de se mensurar o desempenho do setor público. Já há centenas de monografias acadêmicas e livros sobre o assunto, o qual continua sendo matéria de acalorados debates entre especialistas.

Porém, quaisquer que sejam os métodos sofisticados que os pesquisadores inventem para mensurar o desempenho do setor público — pesquisas de opinião, indicadores secundários, estudos randomizados controlados, simulações de computador etc. —, o fato é que nenhum método pode contornar aquele problema fundamental: o governo e seus órgãos não vendem seus serviços no mercado concorrencial para consumidores que voluntariamente optam por comprá-los, não se direcionam pelo sistema de lucros e prejuízos, e suas receitas não são auferidas de acordo com a qualidade dos seus serviços.

Mesmo com um excelente CEO no comando, nenhum governo pode ser gerenciado como fosse uma empresa. E, sinceramente, nem mesmo deveríamos querer isso. Imagine um governo extremamente eficiente em coletar impostos e impingir regulamentações draconianas?

Por outro lado, não seria nada mau ter como presidente um CEO especializado em vendas de ativos, alienação de participação societária, demissões, liquidações e dissoluções.

Peter G. Klein
leciona economia na University of Missouri. Esse texto é o seu prefácio para a nova edição de Princípios de Economia Política, publicado pelo Mises Institute (2007). Klein paticipa do blog do site Organizations and Markets.

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