A Generosidade Maçônica.

Ambrósio Peters

Um dos mais salutares efeitos da ação prática da Filosofia Maçônica e do conjunto de Princípios Maçônicos sobre o comportamento do homem, é a Generosidade Maçônica. Trata-se de um estado de espírito, mas talvez a definamos melhor se dissermos que é uma virtude. E o que é uma virtude?

Nicola Abbagnano(2) assim a define, em termos filosóficos:

“O termo (virtude) designa uma capacidade qualquer ou excelência, seja qual for a coisa ou o ser a que pertença. Os seus significados específicos podem ser reduzidos a três:

1.° – capacidade ou potência em geral;
2° – capacidade ou potência própria do homem;
3° – capacidade de natureza moral, própria do homem”.

a) O primeiro desses significados se refere às qualidades materiais ou físicas de qualquer ser, inclusive do homem. São as virtudes da água, do ar, ou como as virtudes naturais dos seres vivos de respirar, reproduzir-se, ou do homem de raciocinar, de ser bípede etc. Esse significado se refere a qualidades não adquiridas, mas próprias da natureza de cada ser, tanto em razão de sua composição química como em razão de sua estrutura orgânica ou de sua evolução natural. São as qualidades e as capacidades naturais que os seres em geral manifestam, desde os átomos até os seres organizados superiores

b) O segundo significado diz respeito às habilidades próprias do ser humano, como tocar um instrumento musical, saber usar um machado, saber escrever, pintar, ler, raciocinar logicamente etc. São na verdade destrezas, habilidades ou capacidades de execução de alguma atividade, adquiridas através de exercícios e experiências, tanto em nível corporal como em nível mental.

c) O terceiro sentido de virtude diz respeito ao comportamento moral resultante do exercício do livre arbítrio e, portanto, diz respeito exclusivamente ao homem. E exatamente desse comportamento moral que falaremos daqui por diante.

Para que um determinado comportamento moral possa ser considerado uma virtude não é suficiente a prática de atos morais esporádicos ou isolados. É necessário antes de tudo haver uma continuidade, um hábito, um estado de espírito sempre ativo e presente na consciência, a cada dia e a cada momento.

Postas essas considerações iniciais podemos dizer que, sendo a generosidade uma virtude, ela é um estado de espírito de ser bom em um sentido geral, não só em determinadas ocasiões ou apenas em determinados ambientes. Ser generoso, por exemplo, não é ser compreensivo e amável para com seus familiares no recesso do seu lar e ser duro e inflexível com os subalternos no seu trabalho. Ser generoso é ser bom e compreensivo com a família, é lembrar-se dela o dia inteiro e levar a mesma generosidade aos colaboradores fora do lar. Ser generoso não é ser bom e fraterno no interior de nossas lojas e nos encontros sociais e esquecer-se da condição de maçom no dia-a-dia.

A generosidade não é feita de impulsos ou a prestações. Sendo um estado de espírito, ela deve estar presente em nosso espírito em tempo integral. A verdadeira generosidade deve ser parte integrante tanto do nosso consciente quanto do nosso inconsciente. É algo que deve transcender o nosso dia-a-dia.

Ser altruísta, ser filantropo, ser fraterno são faces da virtude da generosidade. Na verdade, o altruísmo, a filantropia, a fraternidade se completam reciprocamente, pois ninguém pode ser altruísta sem ser filantropo ou sem ser fraterno. Detenhamo-nos um pouco sobre cada uma dessas faces, que também são virtudes cada uma por si.

O altruísmo visto como virtude é, na definição de Augusto Comte(3), viver para os outros. Ser altruísta é dominar os instintos egoístas, que existem naturalmente em todo o ser humano. Isso promove o afloramento das inclinações benévolas que também estão sempre presentes. O altruísmo faz com que o homem concilie sua satisfação pessoal com o bem-estar e a satisfação de seus semelhantes, de sua comunidade, de sua família, de seus irmãos.

Os instintos naturais de benevolência por si não constituem o altruísmo. O compõem somente se o homem consegue dar-lhes caráter de habitualidade. Esses instintos afloram esporadicamente como móveis de comportamento e é necessário tornar o altruísmo um estado habitual que reduza e abafe continuamente os instintos egoístas, educando-os e tornando-os menos ativos e mais obedientes a vontade. Como ilustração citamos uma cultura agrícola, o milho. Enquanto a planta nasce e cresce é necessária uma permanente atenção para erradicar as ervas daninhas. Depois que as plantas crescem elas por si abafam as plantas daninhas com seu próprio vigor.

Filantropia é um sentimento de solidariedade de um homem para com outro homem. É um vínculo que une naturalmente todos os homens em um organismo supra individual, que é a humanidade. Disse o grande orador romano Cícero’, “Daí deriva que é também natural a solidariedade recíproca dos homens entre si, porque necessariamente um homem não pode ser estranho a outro homem pelo próprio fato de ser homem”.

O termo filantropia deriva do grego “jilanqropia” e significa literalmente amor aos homens, amabilidade, bondade. A filantropia em seu sentido original significava apenas ser amigo dos homens, diferente daquele sentido que lhe empresta o linguajar comum, o de esporádicos e perfunctórios auxílios prestados a semelhantes necessitados, como dar esmolas, por exemplo, um ato que não traz nenhum resultado social nem para o esmoler nem para o esmoleiro.

Não se pode ser amigo somente em certas ocasiões e de certas pessoas. A verdadeira filantropia deve estender-se a todos os homens, indistintamente. Filantropia verdadeira é ajudar o semelhante a emergir de sua pobreza material, de seu analfabetismo, de sua ignorância, devolvendo-lhe o amor próprio e a respeitabilidade social.

Não é ser filantropo catar algumas moedas no fundo dos bolsos para atender a um hipotético apelo das viúvas e dos pobres, em um faz de conta que não minora efetivamente as necessidades de ninguém. Também não é filantropo quem atende ao T\S \ com uma polpuda importância se limita esse exercício de filantropia a essa única vez por semana ou por mês, quiçá a uma vez por ano.

Fraternidade  (do latim frater – irmão) é a união ou a convivência em harmonia, paz e concórdia como entre irmãos carnais. Esta definição não parte da suposição de que os irmãos de sangue vivam em harmonia permanente, mas sim que existe entre eles um laço natural que os une, no caso um laço biológico, o laço de sangue, que tão profundamente vincula os familiares.

É humanamente impossível querer que pessoas das mais variadas índoles, dos mais variados níveis de cultura, ou das mais variadas tradições culturais, ou dos mais variados níveis sociais, vindos das mais diversas religiões ou correntes filosóficas vivam em permanente harmonia pelo simples fato de se terem tornado maçons.

A harmonia maçônica, ou Fraternidade Maçônica, é conseguida através de um laço que se poderia chamar de cumplicidade maçônica. Essa cumplicidade nasce entre os irmãos a partir do compartilhamento de diversos sigilos, como o aspecto secreto das reuniões, os sinais de reconhecimento, o segredo dos graus, os simbolismos etc., e começa a se formar a partir do momento da iniciação. É essa gama de atos e fatos ligados à estrutura básica da Maçonaria que faz nascer essa ligação de cumplicidade que gera a inconfundível fraternidade Maçônica. Este laço material se reforça com a prática da Filosofia e dos Princípios Maçônicos, principalmente da Generosidade Maçônica.

Haverá certamente momentos em que afloram os instintos egoístas ainda não convenientemente dominados, provocando desentendimentos pessoais. Isso é natural que aconteça e há mesmo indivíduos que, depois de se tornarem maçons, após muitos anos não conseguem absorver o verdadeiro sentido do que é uma fraternidade. Não conseguem deixar-se dominar pela cumplicidade maçônica. Nesses momentos deve agir o sentimento de compreensão dos demais irmãos para serenar os ânimos e não deixar os ressentimentos se avolumarem. Importante é não deixar de lutar pela fraternidade a cada dia e a cada instante.

A verdadeira virtude maçônica da generosidade abrange todos esses sentimentos de altruísmo, de filantropia, de fraternidade e é como que uma virtude maior, a virtude por excelência, a que o homem se destina por um ato livre e voluntário quando passa pela iniciação maçônica. Para que alguém possa tornar-se maçonicamente generoso em todos os sentidos é absolutamente necessário um exercício permanente na prática do altruísmo, da filantropia, da fraternidade, a fim de que esse exercício constante se transforme em comportamento moral e passe a integrar o seu “ser maçom”.

É preciso treinar arduamente o espírito para que os atos esporádicos muitas vezes praticados somente para amainar e despistar nossas dores de consciência, por não sermos ainda maçonicamente generosos, se transformem em um comportamento habitual.

A cada dia devemos renovar conscientemente para nós próprios estas perguntas: Já sou maçonicamente generoso? O que estou fazendo para sê-lo?

 

2Abbagnano, Nicola. Dicionário de Filosofia. Mestre Jou, S.Paulo, pg. 965.
Abbagnano, Nicola — op. cit. pg. 33.
4 Abbagnano, Nicola. op.cit. pg 419.

 

Ir AMBRÓSIO PETERS.
A R L S “Os Templários”
GOB/Paraná
Or de Curitiba – PR.
Escritor, Historiador Filosofo e Livre Pensador.
CURITIBA, quarta-feira, 5 de julho de 1995

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