“A culpa é das sanções!” – Por que a esquerda continua perdida em relação à Venezuela
A moda agora é dizer que o colapso iniciado em 2007 foi causado por uma tímida sanção de 2017
Kristian Niemietz
A maneira como determinados intelectuais ocidentais reagem aos resultados de experimentos socialistas é um fenômeno que pode ser dividido em três estágios.
Os três estágios do socialismo
O primeiro estágio é o da lua de mel, o período durante o qual o experimento — recentemente implantado — aparenta demonstrar algum sucesso inicial.
Dado que economias não são destruídas em um dia, a implantação de medidas socialistas em economias que ainda apresentam resquícios de capitalismo pode, no curto prazo, gerar algum bem-estar.
Este é o período durante o qual os intelectuais tecem loas e ressaltam quão sublime é o regime.
Passado algum tempo, a economia socialista inevitavelmente começa a degringolar. E o sonho começa a se esfacelar. Os fracassos do arranjo vão se tornando tão óbvios, que passam a ser constrangedores para a causa socialista.
E então começa o segundo estágio, caracterizado por justificativas e desculpas esfarrapadas que sempre se degeneram no famoso argumento da “falácia da privação relativa” (argumentação surgida na União Soviética), a qual sugere que o argumento do oponente deve ser ignorado simplesmente porque há problemas mais importantes no mundo.
Dado, porém, que a situação continua degringolando a uma velocidade crescente, surge então o terceiro e derradeiro estágio: a alegação de que o país em questão na realidade nunca foi realmente socialista.
“Aquilo nunca foi o verdadeiro socialismo!”, gritam desesperados estes intelectuais ocidentais, que ainda fazem questão de ressaltar que apenas um completo idiota, que não faz a mais mínima ideia do que realmente significa “socialismo”, pode dizer o contrário.
A Venezuela como exemplo
Todos os estágios acima foram explicitamente visíveis no fenômeno venezuelano.
No primeiro estágio, que durou quase uma década, praticamente toda a esquerda havia sido capturada pelo charme de Hugo Chávez e demonstrava uma paixão fervorosa pelo modelo econômico daquele país. Eram elogios copiosos e sem fim (e de toda a esquerda ao redor do mundo).
A versão venezuelana do socialismo era o exemplo mais brilhante possível do modelo; e era o modelo definitivo que o resto do mundo deveria copiar.
O elogio mais famoso ainda continua sendo o do famoso esquerdista americano, David Sirota, que escreveu um ensaio para a revista Salon intitulado “O milagre econômico de Hugo Chávez“. Eis um trecho:
Chávez se tornou o bicho-papão da política americana porque sua defesa aberta e inflexível do socialismo e do redistributivismo não apenas representa uma crítica fundamental à economia neoliberal como também vem gerando resultados inquestionavelmente positivos. …
Quando um país adota o socialismo e se esfacela, ele se torna motivo de piada e passa a ser visto como um inofensivo e esquecível exemplo de advertência sobre os perigos de uma economia dirigida pelo governo. Porém, quando um país se torna socialista e sua economia apresenta o grande desempenho exibido pela economia venezuelana, ele não mais se torna motivo de piada — e passa a ser difícil ignorá-lo.
Já no segundo estágio, o melhor exemplo foi fornecido pelo escritor, comentarista e ativista britânico Owen Jones, que, ainda no início de 2014, disse que os problemas econômicos da Venezuela se deviam basicamente aos seguintes fatores: guerra civil na Colômbia (praticamente abolida em 2006), muitas armas na sociedade venezuelana (sendo que o governo já havia terminado de confiscar todas em 2012), uma polícia corrupta (algo que é comum na América Latina), e fato de que o governo venezuelano era amigo das ditaduras da Síria e da Líbia (essa dispensa comentários).
Já o terceiro estágio, que tende a ser o mais divertido, é farto em exemplos, que sempre geram piadas por causa de suas deliciosas contradições.
Ninguém menos que o supremo intelectual Noam Chomsky veio a público dizer que o regime da Venezuela — o mesmo que implantou controle de preços, estatizações, expropriação de propriedade privada, generosos programas assistencialistas e planejamento centralizado (ver aqui, aqui e aqui) — não tem absolutamente nada de socialista:
Eu nunca descrevi o modelo de capitalismo de estado de Chávez como ‘socialista’; nem sequer insinuei algo tão absurdo assim. O regime não tinha nada a ver com o socialismo. O capitalismo privado permaneceu livre … Os capitalistas continuaram livres para solapar a economia de todas as maneiras, como por meio de uma maciça exportação de capital.
Artigo completo;
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2986
Kristian Niemietz
trabalha para o Institute of Economic Affairs.