Percival Puggina
18/09/2023
O que Havana simboliza para Lula é muito semelhante ao que a Terra Santa representa para os cristãos. Tais destinos são peregrinações, coisas de devoção. Nos séculos XI e XII, os cristãos promoveram sucessivas cruzadas para libertar Jerusalém do domínio sarraceno. O solitário apoio ao regime cubano significa algo semelhante: proteção do sagrado comunismo frente a permanente ameaça capitalista. A conta é paga pelos trabalhadores e pagadores de impostos brasileiros.
Como temos um presidente itinerante, que não esquenta lugar, verdadeiro papa-léguas em lua de mel, lá foi Lula a Havana encontrar-se com seu passado quando, em 2009, pelas barbas do profeta Fidel, decidiu regalar-lhe um porto zero quilômetro, da grife Odebrecht.
A fé política é um desastre quando substitui a fé em Deus. Nessa condição missionária, Lula (e os governos de esquerda) sempre ofereceram e continuarão oferecendo incondicional proteção diplomática a seus irmãos de fé política. O Brasil esquerdista, por exemplo, desaprova quaisquer manifestações de colegiados internacionais em relação às violações de direitos humanos sempre em curso naquele legendário país. O Brasil esquerdista faz negócios que desagradam os brasileiros, mas são festejados entre os beneficiados como uma alvorada sobre as ruinas do apocalipse.
Só os fiéis dessa igrejinha política não sabiam que o empréstimo para construção do Porto de Mariel seria pendurado num prego. O país não tem dólares para pagar. Sua balança comercial é permanentemente deficitária. Para cada três ou quatro dólares que importa, exporta um dólar. Na excelente instalação paga pelo Brasil, a maior obra de infraestrutura em Cuba, quase não há o que exportar. Metade da área está vazia.
Enquanto Cuba for um país comunista, inimigo dos Estados Unidos, será visto pelos norte-americanos exatamente conforme seus dirigentes políticos afirmam de si mesmos ao longo de 63 anos, em todas as suas manifestações. É conversa fiada afirmar que Cuba voltaria a ser a Pérola do Caribe, como efetivamente era no começo do século passado, se acabasse o bloqueio. Que bloqueio é esse que não impediu o Brasil de levar um porto inteiro para lá? Bloqueio que não impede Cuba de importar da China, Espanha, Rússia, Brasil, México, Itália e Estados Unidos (sim, os próprios EUA são o 7º país que mais exporta para lá). O problema é que, com medo de calote, alguns só vendem mediante pagamento à vista e nenhum investidor sensato vai colocar dinheiro naquele formato de Estado.
O governo Lula assinou um contrato que previa, na falta de meios, ser ressarcido em charutos. Ou seja, Lula II sabia o que estava fazendo em 2009, mas delirou com a ideia de criar, na Cuba comunista, um porto fervilhante de oportunidades e negócios que, impenitentes, só aparecem em regimes econômicos capitalistas.
O estado cubano e seu regime são uma lição ao mundo. As elites comunistas preferem seu povo enfrentando desnecessárias privações a reconhecer os próprios erros. Passadas seis décadas, esse discurso que inculpa os EUA não tem um fiapo que o mantenha no ar. Em 2019, o parlamento da Ilha aprovou uma nova Constituição (produto da experiência de 60 anos!) cujo artigo 5º acaba com o futuro da Castro&Castro Cia Ltda, cujo CEO, hoje é o senhor Díaz-Canel.
O Partido Comunista de Cuba, único, martiano, fidelista e marxista-leninista, a vanguarda organizada da nação cubana, sustentada em seu caráter democrático e em sua permanente ligação com o povo, é a força motriz dirigente superior da sociedade e do Estado.
Sabe quando um país assim pagará ao Brasil os US$ 261 milhões que deve? Vai um charuto aí, leitor?
Percival Puggina (78)
é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e
Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas
de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões;
A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.