A URSAL NA TERRA DO NUNCA

Maria Lucia Victor Barbosa
03/09/2018

Em 9 de dezembro, de 2001, escrevi um artigo intitulado “Os Companheiros” que foi publicado em alguns blogs. Transcreverei aqui trechos do referido artigo, para que se entenda melhor como a URSAL começou.

  “A conhecida frase ‘uma imagem vale mais que mil palavras’, me veio à mente quando vi uma foto na capa do primeiro caderno do jornal O Estado de S. Paulo. Nela estavam Fidel Castro e Lula sentados lado a lado, barbas viradas de perfil uma para outra. O motivo dos dois estarem mais uma vez juntos devia-se a uma reunião do Foro de São Paulo que se realizava em Havana”.

 

Naquela ocasião Lula discursou e “foi fundo no ataque a criação da Área de Livre Comércio das Américas – ALCA”.  Ele soltou o verbo e copiando Hugo Chávez disse: ‘É um projeto de anexação que os Estados Unidos querem impor. Será o fim da integração latino-americana”.

“Mas, qual seria, me perguntei, essa tal integração no modelo Castro/Chávez/Lula? Quem sabe, indaguei irônica, a criação da União das Republiquetas Socialistas da América Latina – URSAL?”

Posterior a minha ficção comecei receber alguns e-mails de pessoas assustadas, que citavam a URSAL como algo concreto. Em vão lhes dizia que aquilo não existia como se fosse uma União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS.

 

Porém, a URSAL da “Terra do Nunca” havia tomado vida de um modo que não me dei conta até assistir ao debate dos presidenciáveis na Band, realizado em 9 de agosto, portanto, dezessete anos depois de ter escrito aquele artigo.

Como é de praxe, candidatos procuram fulminar uns os outros com perguntas difíceis, afim de sobrepujar o concorrente e conquistar votos. Nesse sentido, o candidato Cabo Daciolo (Patriota), inquiriu de modo enfático ao candidato Ciro Gomes (PDT): “O que pode falar sobre o plano da URSAL? Tem algo a dizer a Nação Brasileira?”. Espantado pela inusitada pergunta Ciro disse que desconhecia tal coisa.

Fiquei bastante surpresa com a menção á URSAL e mais ainda com a repercussão da sigla, que suscitou a curiosidade de jornalistas, de pessoas em geral e percorreu as redes sociais com velocidade impressionante ora como brincadeira e piada ora como algo existente ou simplesmente como projeto de poder da esquerda. Entretanto, em lugar algum se poderá encontrar uma ata ou qualquer documento onde se possa ler URSAL ou sua criação a significar a união de todos os países latino-americanos dotados de um só governo, um só exército e idênticas diretrizes econômicas, políticas e sociais.

A ideia de União de países latino-americanos não é nova. Foi tentada por Simón Bolívar, primeiro com o projeto de uma liga das nações americanas, depois com a Federação Andina composta pela Nova Granada, Venezuela, Equador (unidades que constituíam a Grande Colômbia), Peru e Bolívia. Não deu certo. Desiludido, Bolívar disse em 1830: “A América Latina é para nós ingovernável”.

Inspirado por Bolívar o argentino, Manuel Ugarte, introduziu no começo do século XX o conceito de Pátria Grande, considerada “desejável e necessária”, como forma de dar melhores condições aos países latino-americanos de competir no cenário geopolítico mundial”. O sonho não foi concretizado.

Em 1990 foi criado o Foro de São Paulo, entidade que congrega partidos e movimentos de esquerda. Supõe-se que em 2000 foram eleitos alguns presidentes influenciados pela ideologia do Foro de São Paulo. Cada um dos presidentes, porém, manteve seu contexto nacional e seus governos foram e tem sido um completo desastre político, econômico e social que infelicitou os povos de seus respectivos países como, aliás, sempre acontece com sistemas socialistas

Em 2008, foi criada, pela ideia de Hugo Chávez seguido por Lula, a União das Nações Sul-Americanas – UNASUL, composta por 12 países. A UNASUL está se desintegrando e mantém agora apenas 6 países.

Em 2010 foi criada a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos – CELLAC, que até hoje não disse a que veio.

Nenhuma dessas entidades é a URSAL, o que não impede formuladores de teorias conspiratórias de afirmar que ela exista como um complô de dominação esquerdista.

Conforme o capitão Simonini, personagem da notável obra de Umberto Eco, “O Cemitério de Praga”, “sempre conheci pessoas que temiam o complô de algum inimigo oculto”. “Aí está uma fórmula a preencher à vontade: a cada um o seu complô”.

Exímio falsificador de documentos, Simonini escreveu a pedido de um russo os “Protocolos da reunião dos rabinos no cemitério de Praga”. No cemitério inventado rabinos fictícios disseram coisas terríveis e, assim, os “Os Protocolos” serviriam como arma política de antissemitismo. Afinal, como raciocinou Simonini “basta falar uma coisa para fazê-la existir”. Às vezes, na “Terra do Nunca”.

 

 

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

mlucia@sercomtel.com.br

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