ESTA É A HISTÓRIA! ANTONIO BENTO E OS CAIFAZES

Centro Cultural Escola De Bambas – Santos Sp

Antonio Bento de Souza e Castro. Nascido em 17 de fevereiro de 1843, era filho de família abastada, Formou-se na Faculdade de Direito do largo São Francisco em 1868, foi promotor em Botucatu e Limeira e juiz municipal em Atibaia com 29 anos, acumulando as funções de delegado.

Suas atitudes e decisões pouco ortodoxas e mesmo contrárias às formalidades legais, bem como seu temperamento e suas ideias abolicionistas azucrinavam a vida do coronelismo local. Sua atitude de levar a sério a lei de 1831 que proibia o tráfico acabou o indispondo com a elite local, chegando a sofrer tentativa de assassinato. Ocorre que aquela lei era “para inglês ver”, literalmente, pois foi feita para atender às pressões da Inglaterra e nunca foi respeitada plenamente. Antonio Bento acabou demitido no final da década de 1870.

Era um tipo diferente da maioria dos bacharéis da segunda metade do século XIX. Segundo Raul Pompéia, “magro, estreitado, do tornozelo à orelha, no longo capote preto como num tubo, chapéu alto, cabeça inclinada, mãos nos bolsos, quebrando contra o peito pela fenda da gola o rijo cavaignac de arame, o olhar disfarçado nos óculos azuis como uma lâmina no estojo, marcha retilínea de passo igual tirado sobre articulações metálicas” De volta à São Paulo dedicou-se ao jornalismo e à advocacia e a partir de 1880 junta-se ao grupo abolicionista de Luiz Gama.

Através dos jornais que fundou não temia os poderosos e achincalhava todos os escravocratas. Atacou até mesmo o então bispo auxiliar de São Paulo, o futuro cardeal Arcoverde, responsável pelo regulamento do Seminário Episcopal que não permitia a admissão de negros entre seus alunos, nem entre os pagantes.

Dois anos depois, após a morte de Luiz Gama, diante do túmulo de seu amigo, Antonio Bento assume a liderança dos abolicionistas e organiza uma organização secreta que nos tempos modernos seria considerada grupo guerrilheiro. Ficou conhecida como o Movimento dos Caifazes.

O nome Caifazes foi inspirado em uma passagem do evangelho de São João (João 11:49 a 51): “Um deles chamado Caifás, que era sumo sacerdote daquele ano, disse-lhes: ‘Vós não entendeis nada! Nem considereis que nos convém que morra um só homem pelo povo, e que não pereça toda a nação.”

Enquanto Luiz Gama usava expedientes jurídicos na sua luta pela abolição da escravidão, os caifazes de Antonio Bento usavam um método bastante diferente.

Seus colaboradores, os cometas, que chegaram a centenas, agiam disfarçados de caixeiros-viajantes. Formavam pequenos grupos bem organizados que se espalhavam pelas cidades e fazendas e literalmente roubavam escravos das famílias, promoviam fugas em massa e realizavam operações de resgate em estações ferroviárias. Depois de ocultar os escravos nas igrejas, ou mesmo em estabelecimentos comerciais e moradias, estes eram encaminhados ao Quilombo do Jabaquara em Santos por onde, calcula-se, passaram mais de 10.000 escravos. Na cidade de Santos o abolicionismo era um unanimidade entre os habitantes. O escravo que conseguia chegar àquela cidade estava de facto livre, e mais, conseguia arrumar trabalho remunerado nas operações de carga e descarga de café no porto.

Existia a alternativa de encaminhar os fugidos para a Província do Ceará que já havia abolido a escravidão em seu território por decreto do presidente provincial em 25 de março de 1884.

Antonio Bento era uma pessoa muito bem relacionada. Além de provedor da Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios e membro da loja maçônica Piratininga que ficava na Rua Líbero Badaró esquina com a Ladeira de São João, onde convivia com a elite, circulava pelas irmandades negras como a de Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e Santo Elesbão. Com isso conseguia adeptos desde as classes mais abastadas até gente simples do povo, que dava total cobertura para as operações mais arriscadas, como os cocheiros de carros de aluguel que em São Paulo, com uma única exceção eram todos caifazes. Os ferroviários em especial facilitavam o contrabando dos negros fugidos.

O movimento dos caifazes tornou-se uma verdadeira rede clandestina de solidariedade que não só desorganizava o trabalho escravo, como também procurava dar abrigo e inserir o refugiado no mercado de trabalho. Quando Quilombo do Jabaquara estava ficando saturado e também em São Paulo não havia mais onde acoitar os escravos, Antonio Bento teve uma ideia estranha: Fazer um trato com os fazendeiros que tinham sido “roubados” propondo que recebessem escravos tirados de outras fazendas, porém com na condição de empregados com salário de 400 réis por dia de trabalho. Funcionou. Quando a lei Áurea foi assinada, um terço das fazendas paulistas era trabalhado por ex-escravos originários de outras fazendas.

A atividade dos cometas por certo não era desprovida de risco. Houve, por exemplo, o caso de um caifaz de nome Antonio. Preto, atarracado, olhos vivos, cuja especialidade era penetrar durante a noite o cercado quadrado onde eram alojados os escravos das fazendas para convencê-los a fugir. Numa noite daquelas foi assassinado ao transpor a porteira de uma fazenda em Descalvado.

Um fato porém marcou a cidade de São Paulo. Numa fazenda do interior existia um senhor de escravos particularmente cruel no martírio de seus escravos. Um deles, chamado Antonio foi dependurado por longos dias por uma corrente presa ao pescoço, de tal forma que o coitado somente conseguia alcançar o chão com a ponta dos pés. Para aumentar a tortura, as palmas de suas mãos eram feridas à ponta de faca.

O caifazes conseguiram apoderar-se de Antonio e trazê-lo à São Paulo. Antonio Bento organizou então uma procissão com todos os irmãos da Confraria dos Remédios. Uma procissão impressionante. Entre os andores dos santos, apareciam suspensos em varas, os mais variados instrumentos de tortura utilizados na época: Grilhões, cangalhas, relhos, golilhas, etc. Na frente, debaixo da imagem de Cristo crucificado seguia o negro torturado a pé, que havia enlouquecido pela dor.

A impressão causada na população foi tão profunda que nem a polícia ousou intervir.

Conforme o depoimento de um dos caifazes feito em 1918, “daí em diante as portas das cidades ficaram abertas aos magotes de fugitivos”.

O sentimento abolicionista tornou-se cada vez mais forte e disseminado por todas as classes sociais e conforme concluiu a professora Maria Lúcia Montes, “Quando as próprias forças de segurança começaram a se recusar a perseguir os escravos fugidos tal o seu número, não era difícil antever a proximidade da abolição. Muito mais que uma concessão do poder imperial, ela foi, em São Paulo, uma conquista do povo e dos próprios escravos”.

 

 

Fontes

1 – Jornal O Estado de S. Paulo de 13-05-1918. Depoimento de Antonio Manuel Bueno de Andrada

2 – Montes, Maria Lúcia. Artigo “Teje Livre”, publicado em http://www.revistadehistoria.com.br/…/perspectiva/teje-livre.

3 – Bruno, Ernani Silva. “História e Tradições da Cidade de São Paulo”, pg. 1224.

4 – Azevedo, Elciene. “Antonio Bento, um homem rude do sertão: um abolicionista nos meandros da justiça e da política”, in Revista de História, Juiz de Fora, v. 13, n.1, p. 123-143, 2007.

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